Autor: Brian Shanley
Tradução: David Ribeiro

Extraído do Livro “Shanley, Brian (2002). The Thomist Tradition. – Chapter 5 – Evil and Suffering”

INTRODUÇÃO

O problema especificamente moderno do mal era, naturalmente, desconhecido para Tomás de Aquino. Isso não significa que o mal não representasse um problema intelectual para ele, mas sim que a natureza do problema não era a necessidade de fornecer uma justificativa racional para a crença na bondade de Deus diante do mal, seja por meio da teodiceia ou da defesa lógica. 1 Em vez disso, Aquino partiu de uma forte doutrina da providência divina e procurou mostrar como essa providência abrangia e vencia o mal. Em resposta ao argumento de que a realidade do mal é incompatível com a infinita bondade divina, ele invoca o axioma agostiniano fundamental que rege toda a sua abordagem: "Deus, sendo maximamente bom, não teria permitido nenhum mal em sua obra a menos que fosse tão onipotente e bom que pudesse até mesmo fazer o bem surgir do mal. Portanto, pertence à infinita bondade de Deus que o mal seja permitido para que ele possa produzir o bem a partir dele."² Assim, em vez de impugnar ou frustrar a bondade e a onipotência de Deus, o mal, ao contrário, proporciona a oportunidade para Deus exibir esses atributos mais claramente, tornando-se a ocasião para a introdução de um bem ainda maior do que aquele que o mal originalmente ameaçava. A raiz dessa afirmação é decididamente teológica, uma vez que pressupõe as doutrinas do pecado original e da redenção: em resposta ao mal introduzido na criação pelo mau uso pecaminoso da liberdade, Deus enviou seu Filho como Salvador para que os seres humanos pudessem alcançar um estado de divinização superior ao que precedeu a Queda.³

Como este esboço inicial indica, é impossível dar uma explicação adequada do mal a partir da perspectiva tomista, sem recorrer a doutrinas especificamente teológicas. Em última análise, a "resposta" para o problema do mal reside em Cristo; mais especificamente, não reside em doutrinas sobre Cristo, mas sim na experiência vivida pelo crente de união com Cristo em meio ao sofrimento e ao mal. Portanto, qualquer tentativa de fornecer uma teodiceia puramente filosófica é necessariamente incompleta e, a bem da verdade, insatisfatória. No entanto, dentro da estrutura de uma abordagem filosófica da religião, algo semelhante a uma teodiceia filosófica tomista foi extraída e articulada; como se verá, porém, a coerência de tal teodiceia pressupõe, em última análise, algumas suposições teológicas de fundo.4

A primeira parte deste capítulo descreverá a abordagem tomista clássica ao problema do mal, tal como foi desenvolvida principalmente pelos tomistas franceses. A síntese definitiva desse ponto de vista é "O Significado do Mal", de Charles Journet5. Essa abordagem é uma teodiceia em estilo amplamente agostiniano, com os principais temas sendo uma explicação geral do mal como privação, o livre-arbítrio criado como A causa de toda a miséria humana, a possibilidade da união amorosa com Deus como o bem maior que justifica a capacidade humana para o mal, e a inocência da vontade de Deus em relação à origem causal do mal. A segunda parte do capítulo examinará as modificações contemporâneas da doutrina clássica por tomistas, tanto teólogos quanto filósofos da religião, que discordam de sua abordagem ou desejam abordar a problemática contemporânea de forma mais direta.

I. A ABORDAGEM CLÁSSICA

A. O Significado Geral do Mal na Ordem Criada

Seguindo Santo Agostinho, Tomás de Aquino nega que o mal possua qualquer realidade metafísica independente. Assim, embora não possamos evitar reificar o mal ao falar sobre ele, não se trata de uma coisa ou substância em si mesma. É, antes, uma ausência ou falta em um ser de alguma perfeição que deveria estar presente; este é o significado do mal como privação. Uma mera ausência de uma perfeição não é um mal, mas sim a falta de algo que deveria estar presente em um ser precisamente porque sua natureza o exige. Por exemplo, não é uma privação ou mal que um poste seja surdo, porque a capacidade de ouvir não é uma característica constitutiva de um poste. Mas para um ser humano ser surdo (como um poste) é um mal ou privação porque impede a pessoa de experimentar toda a gama de sensações que contribuem para o funcionamento humano ideal. O julgamento de que algo é afligido pelo mal é sempre comparado ao padrão estabelecido pela natureza de funcionamento ideal da coisa. O mal não significa a mesma coisa em todos os seus usos; não é uma propriedade com um significado único ou unívoco (como o azul). Na verdade, não é uma propriedade no sentido normal, mas sim um predicado que expressa um juízo de que o sujeito em questão não é o que deveria ser como um exemplar pleno de sua espécie. O mal é, portanto, metafísica e logicamente parasita do bem: é uma privação em algum sujeito com alguma bondade na medida em que existe, mas que carece da plenitude do ser e da bondade que lhe deveriam pertencer.

Uma vez que o mal só pode existir no bem e ser compreendido em relação à inteligibilidade do bem, é necessário compreender a doutrina do bem de Tomás de Aquino para compreender sua doutrina do mal. Na metafísica de Aquino, tudo o que existe é ipso facto bom. A bondade é uma propriedade transcendental ou universal do ser, que expressa a relação que cada ser tem com a sua própria existência precisamente como perfectiva e, portanto, desejável.⁶ O ingrediente da desejabilidade na noção de bem envolve a noção correlativa de apetite. Diz-se que todos os seres têm um apetite ou desejo pela sua própria perfeição, no sentido de que possuem uma tendência dinâmica em direção à sua própria perfeição como um fim; o "desejo" em questão aqui não é consciente e não deve ser antropomorfizado. Dizer, como faz Tomás de Aquino, que todas as coisas desejam o bem não significa que todas desejam a mesma coisa, pois cada ser deseja o bem próprio da sua natureza. Cada ser tem uma tendência dinâmica a alcançar a atualidade (em última análise, enraizada no ser ou existência) que completaria a sua natureza. Como Deus é a atualidade perfeita por natureza, não há em Deus nenhum esforço apetitivo, mas sim apenas um repouso ou gozo da bondade infinita que pertence a Deus por natureza. Para qualquer ser criado, porém, a sua bondade completa é algo que se alcança pela ação, e não algo dado na sua natureza; Todas as criaturas devem progredir de um estado potencialmente bom para um estado efetivamente bom. Embora qualquer ser criado seja bom em um sentido qualificado simplesmente por desfrutar de uma existência substancial, ele só se torna plenamente bom através dos tipos de ações que alcançam os bens constitutivos de seu florescimento natural7. O mal ocorre quando um ser perde ou carece daquilo que é necessário para que seja considerado um exemplar plenamente funcional de sua espécie, ou quando deixa de alcançar seu fim apropriado por meio de ações de autoaperfeiçoamento. Portanto, a noção básica de mal é a falta de ordem para um fim devido (privatio ordinis ad debitum finem). Como o mal é uma privação, ele não tem uma causa direta; não existe um mal primeiro que cause todos os outros males8. Somente aquilo que possui alguma realidade positiva ou bondade pode ser uma causa direta; o mal surge quando há uma busca desordenada pelo bem por algum ser. Como nenhum ser jamais age diretamente em prol do mal, mas sim em prol de algum objetivo que considera bom ou aperfeiçoador, o mal só surge acidentalmente ou indiretamente.9 Assim, o mal também é causalmente parasita do bem, o que significa que ele é mais poderoso onde a possibilidade de bondade é maior.

“Visto que a bondade divina não pode ser suficientemente representada por meio de uma única criatura, Deus criou muitas e diversas criaturas para que o que faltasse a uma na representação da bondade divina pudesse ser complementado por outra. Pois, enquanto a bondade em Deus é simples e una, a bondade nas criaturas é múltipla e dividida. Portanto, o universo total representa e participa da bondade de Deus de forma mais perfeita do que qualquer criatura poderia.”10

A bondade de Deus, portanto, exige que haja desigualdade de forma - que haja todos os tipos diferentes de seres, de anjos a amebas: "A sabedoria divina é a causa da distinção e desigualdade das coisas no universo para a perfeição do universo; pois não seria um universo perfeito se apenas um grau de bondade fosse encontrado nas coisas." 11 Se existem diferentes tipos de seres, então é inevitável que suas atividades de autoaperfeiçoamento às vezes entrem em conflito, e isso é bom para o universo na medida em que seu propósito final é manifestar a bondade de Deus. Isso também significa que, embora seja bom que existam seres materiais, o fato de serem corruptíveis, perecíveis e inerentemente propensos a não atingirem sua plena perfeição não diminui a bondade do universo. Em um mundo material criado, os seres inevitavelmente se corromperão e se tornarão defeituosos em suas ações, de modo que muitos seres individuais não atingirão seus objetivos. Mas essas falhas em partes individuais não diminuem o bem da ordem do todo:

“Deus e a natureza, na verdade qualquer agente, fazem o que é melhor para o todo, mas não o que é melhor para qualquer parte, exceto quando ordenado ao todo (como já observado). Este todo, que é o universo das criaturas, é melhor e mais perfeito na medida em que existem criaturas que às vezes podem falhar em atingir seu bem sem a interferência de Deus. Isso se deve tanto ao fato de que (como ensina Dionísio no quarto capítulo de Sobre os Nomes Divinos) a providência divina respeita a natureza em vez de destruí-la, de modo que, quando pertence à própria natureza das coisas que elas possam falhar, às vezes falharão, quanto ao fato de que, como disse Agostinho em seu Enchiridion, Deus é tão poderoso que pode fazer o bem surgir do mal. Portanto, muitos bens seriam perdidos se Deus não permitisse alguns males. Pois nenhum fogo seria aceso se o ar não fosse corrompido, nem a vida do leão seria preservada se o asno não fosse morto, nem a justiça vindicativa ou a perseverança paciente seriam louvadas se não houvesse iniquidade.”12

Nestes versos encontram-se alguns dos temas centrais da teodiceia tomista: um universo de criaturas com graus variáveis ​​de perfeição manifesta a bondade de Deus da forma mais adequada; existe uma ordem de tais criaturas em que algumas não alcançarão a bondade em virtude de sua corruptibilidade, enquanto outras não alcançarão porque são impedidas pelas atividades naturais de outras; a providência divina respeita as operações naturais das criaturas e não intervém; e o poder de Deus é tal que Ele produz um bem maior a partir dos males das criaturas. Contudo, embora esta passagem implique que o mal natural e o mal humano podem ser justificados da mesma forma, relacionando-os ao bem maior do todo, será observado na próxima seção que este não é verdadeiramente o caso, porque os seres humanos não podem ser tratados como meios para um fim.

A afirmação tomista de que a defectibilidade das criaturas faz parte da ordem de um universo que é uma manifestação da bondade de Deus não equivale a uma afirmação leibniziana de que o mal é justificado como uma característica necessária do melhor de todos os mundos possíveis. Tomás de Aquino rejeita explicitamente a ideia de que possa haver um melhor dentre todos os mundos possíveis. Ele acredita que Deus é soberanamente livre para criar ou não criar; a bondade de Deus não o constrange a criar, uma vez que é internamente perfeita na própria vida da Trindade.13 Uma vez que Deus decide livremente criar, sua sabedoria e bondade não exigem a escolha de uma ordem particular de seres em detrimento de outra, porque toda ordem é inadequada como manifestação da bondade divina. Não existe nenhuma ordem criada que não possa ser aprimorada, visto que nenhuma é compatível com a infinitude da bondade divina.

"É evidente que toda a razão para uma ordem imposta por um artesão sábio às coisas que ele cria é adaptada ao fim. Sempre que o fim é proporcional às coisas feitas em função do fim, então a sabedoria do criador se limita a uma ordem determinada. Mas a bondade divina é um fim que supera imensuravelmente todas as coisas criadas. A sabedoria divina, portanto, não está determinada a uma certa ordem de coisas de modo que nenhuma outra ordem possa fluir dela. Daí se dever dizer que Deus poderia fazer outras coisas além das que fez."¹⁴

Qualquer que seja o mundo que Deus decida criar, sempre haverá uma lacuna entre ele e a bondade divina, de modo que possa haver uma manifestação mais plena. Consequentemente, não existe um mundo finito perfeito quando o critério para "perfeito" é a "manifestação adequada da infinita bondade divina". Como observou John Hick, isso significa que existe uma diferença fundamental entre a concepção tomista e a leibniziana de um mundo melhor possível. 15 O tomista supõe que, devido à transcendência infinita de Deus, sempre existe um universo possível superior ao universo dado, mas inferior a Deus. A escala dos universos se aproxima assintoticamente da bondade de Deus sem jamais alcançá-la, sempre deixando espaço para algo melhor. Leibniz, por sua vez, vislumbra um mundo possível que contém a maior quantidade de realidade, sem levar em consideração se ele está ou não próximo da bondade divina (o que é impossível). A mente infinita de Deus examinou todas as possibilidades e simplesmente escolheu a melhor de acordo com outro conjunto de critérios. Nenhuma das duas visões determina os valores do mundo pelo que é melhor para os humanos, mas sim pelo que melhor expressa a bondade criadora de Deus.

Muitas vezes se argumentou que, mesmo que Deus não pudesse criar o melhor de todos os mundos possíveis, ele poderia ter criado um mundo melhor do que o que criou. Com base no que acabamos de ver, um tomista poderia responder que, como essa queixa se aplicaria a todos os mundos, ela é inútil; as coisas sempre serão menos boas do que poderiam ser. No entanto, esse tipo de resposta é insatisfatória, pois parece óbvio que este mundo poderia ser melhorado de inúmeras maneiras por um Deus onipotente e bom. O próprio Tomás de Aquino argumenta que, em certo sentido, Deus não poderia criar um mundo melhor, enquanto em outro sentido ele poderia (e criou!). O sentido em que Deus não poderia criar um mundo melhor reside em termos de sua ordenação interna de essências entre si e em direção à máxima manifestação da bondade divina possível para essa ordem de essências.16 Dada a escolha de criar esse conjunto de naturezas como uma manifestação da bondade divina, Deus não poderia aprimorar nem as essências nem sua inter-relação. Deus poderia criar tipos melhores de seres e organizá-los em uma ordem diferente, mas isso seria criar um universo diferente. Qualquer universo que Deus crie envolverá uma ordenação máxima de suas partes constituintes como uma manifestação da bondade divina. Portanto, Deus poderia criar um universo melhor, mas não poderia criar uma versão melhor deste universo ou aprimorar sua criação; não é possível usar "melhor" adverbialmente para insinuar que Deus poderia ter usado mais bondade ou sabedoria ao moldar o universo.

Há, no entanto, um sentido em que Deus poderia criar um universo melhor aprimorando os atributos perfectivos dos seres que criou e ordenou. Assim, a questão legítima para a justiça de Deus que emerge deste relato não é "por que Deus não criou seres melhores?", mas sim "por que Deus não criou os tipos que criou com atributos melhores, permitindo-lhes alcançar o florescimento de maneira mais fácil?". Especificamente, o problema do mal surge da óbvia constatação de que os seres humanos estão sujeitos a muitas enfermidades prejudiciais ao seu florescimento. Por que Deus não facilitou para os seres humanos alcançarem seu objetivo, eliminando as muitas características perniciosas do nosso mundo? A resposta curta é que Deus o fez, apenas os seres humanos perderam as bênçãos daquela condição original e agora existem em uma condição punitiva da qual Deus está trazendo um bem ainda maior do que aquele originalmente concedido por meio de Cristo. É a esse problema do mal, o mal introduzido pelo pecado humano, que devemos agora nos voltar.

B. O Mal Humano

Tomás de Aquino afirma que o mal humano se divide exaustivamente em mal da culpa (malum culpae), o mal que originamos por nossa vontade em ações pecaminosas, e mal da punição (malum poenae), as privações que sofremos contra nossa vontade como justa punição de Deus por nossos pecados.17 Como este último é uma resposta ao primeiro, em última análise, todo o mal humano é resultado do pecado e o mal da culpa é o sentido primário do mal.18 A concepção de mal de Aquino é, portanto, explicitamente teológica, uma vez que atribui todos os males da vida humana ao pecado e suas consequências punitivas: "Pertence à tradição da fé que a criatura racional não poderia incorrer em nenhum dano de qualquer tipo - seja da alma, do corpo ou de qualquer outra coisa - exceto como consequência de algum pecado anterior, seja pessoal ou inerente à natureza; donde se segue que toda privação de qualquer bem que tornaria possível o bom funcionamento como ser humano é uma punição."19 Para compreender a concepção de pecado de Aquino, a raiz de todo o mal, é necessário começar com sua abordagem filosófica da possibilidade do pecado como um concomitante necessário à liberdade criada. A segunda parte da história, no entanto, envolve um relato teológico da história do pecado e sua punição.

Como todo mal, o pecado é uma privação; especificamente, é a privação, em uma ação humana, da devida ordem ao bem humano – Deus. 20 A ação humana, como toda ação criada, é o meio pelo qual o ser atinge seu fim ou télos. Todos os seres criados se esforçam para se tornarem instâncias plenamente atualizadas de sua espécie. O que distingue as criaturas racionais das não racionais é que elas buscam seu fim de forma inteligente e livre; elas são autodeterminadas não no sentido de serem capazes de determinar seus próprios fins, uma vez que todos os fins são definidos pela natureza, mas sim por serem capazes de escolher se farão ou não desse fim o objetivo ou propósito intencional de suas ações. Embora todos os seres criados estejam contingentemente relacionados ao seu próprio bem, a base da possibilidade de desvio é radicalmente diferente em criaturas racionais e não racionais.21 Criaturas não racionais podem falhar em alcançar seus fins apropriados devido à sua natureza inerentemente corruptível como matéria ou porque são impedidas pela busca do bem por outro ser. Com criaturas racionais, no entanto, elas estão contingentemente relacionadas ao seu próprio bem de uma maneira diferente, através da presença da vontade. Por meio da livre escolha inteligente, elas podem se mover em direção ao que não é genuinamente bom e, assim, falhar em alcançar seu fim.

Tomás de Aquino argumenta que é da própria natureza de uma vontade criada ser defeituosa. Ao discutir a possibilidade de pecado nos anjos, Aquino afirma:

“Deve-se dizer que tanto os anjos quanto, de fato, todas as criaturas racionais podem pecar quando consideradas unicamente de acordo com seu estado natural; se alguma criatura fosse impecável, isso seria um dom da graça sobrenatural, e não uma condição natural. A razão é que pecar é desviar-se da retidão que uma ação deveria ter, seja em assuntos naturais, artísticos ou morais. Somente a ação de um ser cuja regra de ação é idêntica ao seu próprio poder de ação é incapaz de desvio. Pois, se a mão do gravador fosse a própria regra para gravar, então ele só poderia gravar corretamente, mas se a retidão de seu trabalho fosse medida por outra regra, então poderia ser feito corretamente ou incorretamente. Somente a vontade de Deus, porém, é idêntica à sua própria regra, porque Deus não foi ordenado a algum fim que não seja ele mesmo. Mas toda vontade criada só possui retidão em ação na medida em que se conforma à regra da vontade de Deus como seu fim último, assim como a vontade de qualquer súdito deve se conformar à vontade de seu superior, como a de um soldado à de seu comandante. Portanto, somente na vontade divina não há possibilidade de pecado, enquanto pode haver pecado em toda vontade criada considerada em sua condição natural.”22

A chave metafísica para a possibilidade do pecado em criaturas racionais reside no fato de que elas não são constituídas em seus fins por suas naturezas. Como as criaturas racionais devem agir livremente para passar do potencial de serem boas para o bem efetivo de uma maneira que esteja de acordo com os imperativos inscritos em suas naturezas pela vontade de Deus, elas possuem a possibilidade inerente de falhar em relação ao seu próprio bem. A noção de regra implícita aqui não é uma regra voluntarista ou um mandamento divino, mas refere-se àquilo que a criatura racional pode reconhecer como as exigências morais para a realização de sua natureza; esses imperativos são formalmente inteligíveis como preceitos da lei natural, que, em última análise, estão fundamentados na vontade divina como expressões da lei eterna de Deus.23 Como as criaturas racionais podem reconhecer formalmente as exigências de suas naturezas, essas exigências se tornam uma lei moral e estabelecem uma ordem devida dos bens.

Jacques Maritain ofereceu as análises tomistas mais influentes sobre as raízes metafísicas do mal moral no século XX. A melhor apresentação em inglês de suas ideias pode ser encontrada na Palestra de Aquino de 1942: São Tomás e o Problema do Mal.24 Maritain enfatiza que o mal moral se origina na falha da vontade em aderir à regra devida da ação antes de sua escolha efetiva de um bem desordenado. Ele aponta o texto-chave de Aquino na Questão Disputada do Mal (De malo):

“Em todos os casos em que uma coisa deve ser a regra e a medida de outra, o bem daquilo que é regido e medido consiste em ser regido e conformado à regra e à medida; seu mal vem de não ser assim regido. Por exemplo, se um artesão deve cortar uma linha de acordo com uma certa regra ou plano e não o faz corretamente, ou seja, corta mal, o mal na linha é causado pela falha do artista em seguir a regra ou a medida. Da mesma forma, todos os desejos e ações humanas devem ser medidos pela regra da razão e pela lei divina; Portanto, a não aplicação da regra da razão ou da lei divina deve ser pressuposta na vontade antes de qualquer escolha desordenada. E para esse tipo de não aplicação da regra, não há necessidade de buscar outra causa senão a liberdade da vontade, por meio da qual ela pode agir ou não agir. Quando essa falha efetiva em atentar para a regra adequada é considerada por si só, ela não é uma falta maléfica nem uma penalidade; pois a alma nem sempre pode estar atenta à regra; a origem da falta reside, antes, na vontade que procede ao ato de escolha sem considerar a regra adequada. Por exemplo, o artesão não peca porque nem sempre considera a regra, mas sim porque procede ao corte sem considerá-la; similarmente, a falta na vontade não reside em uma mera não consideração da regra da razão ou da lei divina, mas sim em proceder à escolha sem a regra. É por isso que Agostinho diz no décimo segundo livro da Cidade de Deus que a vontade é a causa do pecado na medida em que é uma causa deficiente, e compara esse defeito ao silêncio ou às sombras, porque é uma negação pura.”25

A não consideração da regra é apenas uma negação e não uma falha moral até que se torne uma privação na escolha.26 Para alguém, não atentar para a proibição de roubar, por exemplo, não é necessariamente um pecado. Só se torna uma privação ou pecado quando o agente escolhe tomar o que não lhe pertence e deixa de considerar a regra de respeitar o que pertence aos outros. Maritain descreve essa causação deficiente da vontade como "nihilação"; pela falha em atentar para a regra, a criatura livre introduz o nada, a privação e o mal na ação.

Outra forma de ilustrar a privação envolvida no pecado é considerá-lo como implicando tanto uma aversão à regra divina quanto uma conversão em direção a um bem desordenado. Na psicologia do pecado de Tomás de Aquino, a escolha é motivada pelo desejo voluntário do pecador de buscar aquilo que ele ou ela considera bom ou perfeito. Mas, ao se voltar para um bem que não está genuinamente ordenado ao florescimento do pecador, este está implicitamente se afastando da regra de Deus. A aversão a Deus precede logicamente a escolha positiva de buscar o bem desordenado, mas não é diretamente intencional por parte do pecador; o que o pecador intenciona diretamente é o bem criado. O pecador escolhe livremente algum bem que carece da devida ordem a Deus que deveria ter. A privação reside nessa falta de devida ordenação de todos os bens a Deus. O elemento formal do pecado reside no desrespeito privativo, desordenado e defeituoso à vontade divina no ato da escolha. Como será destacado na próxima seção, essa distinção entre aversão e conversão é importante porque faz parte da visão tomista descrever Deus como aquele que sustenta causalmente o movimento da criatura livre em direção a qualquer bem, mas negar que Deus cause a aversão ou privação que é sua pré-condição no pecado. A causa última da privação envolvida no pecado é a liberdade criada e somente a liberdade criada. Como o único objeto que poderia inevitavelmente exigir a vontade é a visão beatífica de Deus, que não é uma escolha possível deste lado do céu, a vontade humana é livre para escolher qualquer bem finito com ou sem sua devida ordenação a Deus.27

Essa explicação metafísica da possibilidade do mal moral é incompleta, no entanto, porque não considera a história real do pecado e seus efeitos sobre a escolha humana. É neste ponto que a doutrina teológica do pecado original entra em jogo.28 Tomás de Aquino acreditava que os primeiros seres humanos, que para ele significavam o Adão e Eva bíblicos como figuras históricas, foram criados por Deus em uma condição privilegiada de graça tradicionalmente chamada de justiça original. A justiça ou retidão desse estado envolvia "a razão submissa a Deus, as faculdades inferiores à razão e o corpo à alma".29 Por razão, entende-se aqui tanto o intelecto quanto a vontade, enquanto as faculdades inferiores em questão são os apetites sensíveis ou emoções. A condição original do homem incluía, portanto, uma ordem adequada e perfeita harmonia de todas as suas faculdades morais em relação a Deus como seu fim último; essa ordenação das partes era a própria disposição ou estado habitual de Adão e Eva. Além da retidão moral, Deus também concedeu o dom da imortalidade, preservando os primeiros seres humanos da corrupção que é natural aos seres corpóreos; não havia sofrimento corporal nem morte. Essa condição original de retidão moral e imortalidade foi um dom ou graça livremente concedida por Deus para permitir que os seres humanos atingissem seu fim natural com facilidade, e a intenção de Deus era que todos os seres humanos subsequentes desfrutassem exatamente do mesmo status e, assim, alcançassem facilmente o florescimento natural, tanto moral quanto físico.30

As bênçãos concedidas por Deus na justiça original não comprometeram a liberdade humana. Adão e Eva permaneceram livres para aceitar ou rejeitar a vida de graça concedida por Deus. Seguindo a tradição agostiniana, Tomás de Aquino interpreta a rejeição original dos dons concedidos por Deus como enraizada no pecado do orgulho.31 Em geral, o pecado do orgulho envolve desejar alguma excelência ou bem que não lhes é devido por não ser proporcional àquele que o deseja. No caso de Adão e Eva, eles desejaram um bem espiritual que estava além do que lhes era devido: ser como Deus tanto na determinação do bem e do mal quanto na ação segundo esse conhecimento, de modo a alcançar a bem-aventurança. Esse pecado original é causado unicamente pelo livre movimento da vontade, uma vez que os dons da justiça original excluem uma explicação pela ignorância ou pela paixão desordenada (como nos seres humanos subsequentes).32

Em resposta ao pecado de Adão e Eva, Deus revogou os dons da graça que Ele havia destinado a ser a condição normal e habitual dos seres humanos. Todos os seres humanos subsequentes nascem, portanto, em uma condição que carece da ordem da justiça original; isso é chamado de estado de pecado original. Os tomistas consideram o estado de pecado original como a privação dos dons da justiça original. Isso significa que, em vez de ver os seres humanos como corrompidos pela Queda, como na tradição reformada, os tomistas veem a Queda como um evento que deixou os seres humanos desprovidos do auxílio necessário para ordenar suas vidas a Deus como fim. A humanidade decaída carece da ordem da mente e da vontade para Deus, da ordem das paixões para a razão e da ordem do corpo para uma alma incorruptível. Assim, nascemos em um estado de alienação de Deus, marcado pela ignorância, uma luta contínua para harmonizar nossas emoções com nossa razão (concupiscência) e uma suscetibilidade ao sofrimento corporal e à morte.33 Tomás de Aquino argumenta que as fragilidades intelectuais, morais e corporais que marcam a condição humana fornecem fundamentos para um argumento provável de que nossa condição atual é punitiva ou penal. Aquino reconhece que se poderia argumentar que as enfermidades da condição humana são simplesmente o resultado de sermos criaturas racionais encarnadas, mas ele pensa que é incompatível com a providência divina que Deus tenha originalmente pretendido que fôssemos sujeitos a enfermidades sistemáticas.34 Assim, embora o pecado original permaneça formalmente um ensinamento revelado, Tomás, no entanto, pensa que também é uma inferência razoável da incompatibilidade prima facie entre nossas muitas enfermidades e a bondade de Deus para a conclusão de que nossa condição atual é penal.

No entanto, parece injusto que todos os seres humanos depois de Adão e Eva herdem uma condição debilitada que pode ser descrita como pecado, quando, pessoalmente, não fizeram nada para merecer tal punição. Em resposta a essa alegação contra a justiça de Deus, três pontos devem ser considerados. Primeiro, o pecado original só é pecado em um sentido especial ou qualificado na descendência de Adão e Eva. Em Adão e Eva, o pecado original é pecado no sentido pleno de um ato pessoal e voluntário. Em todos os seres humanos posteriores a eles, a condição privativa e penal da natureza não é resultado de pecado pessoal, mas sim da participação na natureza humana herdada dos primeiros seres humanos. Nossa condição privativa só é "pecado" na medida em que estamos unidos, de alguma forma, por meio da natureza humana comum, ao pecado voluntário de Adão e Eva. O segundo ponto é que, como a justiça original foi uma dádiva de Deus que transcende a natureza humana, ela não nos é devida em termos de estrita justiça por Deus. A retirada punitiva de uma dádiva devido a uma falha original em usá-la corretamente não é motivo para questionar a justiça de Deus. Por fim, e mais importante, é preciso lembrar que a resposta final de Deus à iniciativa do pecado introduzida na história da humanidade pela Queda não foi punitiva, mas sim trazer um bem ainda maior à condição humana, restaurando todas as coisas em Cristo.

C. A Vontade de Deus e o Mal

É um axioma fundamental da teodiceia agostiniana-tomista que Deus Criador causa, por meio de seu intelecto e vontade, tudo o que existe, e que tudo o que existe, enquanto existe, é bom. Como, então, o mal pode entrar no mundo criado por Deus? Para responder a essa pergunta, é necessário distinguir entre os diferentes sentidos de mal que já mencionamos. Há, em primeiro lugar, o mal que aflige as criaturas materiais (males naturais). Em segundo lugar, há o mal da punição ou da pena que aflige os seres humanos. Em terceiro lugar, há o mal da culpa ou do pecado. O primeiro pode ser reconciliado de forma relativamente direta com a vontade de Deus, o segundo com alguma dificuldade, enquanto o terceiro apresenta problemas mais complexos. Vamos analisar cada um deles.

No que diz respeito aos chamados males naturais, estes não são verdadeiramente maus quando vistos no contexto do bem do universo como um todo. Como observado anteriormente, um universo no qual a bondade de Deus se manifesta em uma ampla profusão de seres é melhor do que um no qual existam menos criaturas. Assim, ao desejar o bem do universo como um todo, onde o bem é medido em termos de manifestação máxima da bondade divina, tanto intensiva quanto extensivamente, Deus deseja diretamente que existam espécies que se oponham a outras espécies e seres materiais que eventualmente corrompam. Os males ou perdas no nível dos indivíduos são aceitos como um concomitante necessário de tal universo e, portanto, são desejados indiretamente (per accidens) por Deus.35 Esse tipo de raciocínio não pode se aplicar aos seres humanos como membros individuais da espécie, no entanto, uma vez que eles não são partes ordenadas a um todo maior, mas sim pessoas espirituais ordenadas diretamente a Deus e, portanto, "todos" em si mesmos.

Quando se trata do mal da punição, o mal que aflige os seres humanos contra a sua vontade por meio de alguma privação na forma ou no poder de agir, ele é causado pela vontade de Deus em prol do bem da justiça de Deus. A justiça de Deus faz parte da boa ordem do universo e exige que a desordem e a culpa do pecado sejam corrigidas por meio de alguma punição ao pecador. O que Deus deseja diretamente é o bem da justiça; a privação resultante no pecador é apenas indiretamente desejada por Deus. Entre os males da culpa estão incluídas as privações causadas pelo pecado original: a incapacidade de querer Deus como o fim último, a tensão entre razão e paixão, a ignorância, o sofrimento corporal e a morte. Todos esses males são, em última análise, punição em justiça pelo pecado de Adão. Como observado na seção anterior, visto que essas privações foram originalmente remediadas por meio de uma dádiva gratuita, a justiça de Deus não é realmente questionada quando as condições de sua generosidade são violadas pelo orgulho.

Quando se trata das penalidades infligidas pelo pecado pessoal, porém, o caso torna-se mais complexo. Como será observado mais adiante na discussão do Comentário de Tomás de Aquino sobre Jó, não há punição temporal necessária para o pecado pessoal. A providência de Deus nem sempre correlaciona o pecado pessoal com punições e sofrimentos temporais, embora às vezes possa fazê-lo para o bem do pecador. Deixando essa questão de lado por ora, o problema mais difícil é o da punição eterna pelo pecado pessoal no inferno. Para entender o inferno, é necessário compreender o que os tomistas entendem por pecado mortal. O que torna um pecado mortal é o fato de ele matar ou destruir a vida do pecador com Deus.36 É a escolha de algum objetivo moral como bom que é radicalmente incompatível com um relacionamento amoroso com Deus. Embora todo pecado envolva um afastamento ou aversão a Deus, o pecado mortal é uma recusa definitiva de viver em um relacionamento amoroso e pessoal com Deus. Os pecados mortais são irreparáveis ​​pelo pecador; isto é, uma vez que o pecador se afasta de Deus, não está em seu poder restabelecer o relacionamento. Se uma pessoa morresse nesse estado, as consequências penais seriam a separação eterna de Deus.37 Deus não pune os condenados infligindo-lhes um novo mal, mas sim permitindo que vivam com as consequências de sua própria condição de autoalienação de Deus, escolhida livremente: "as almas dos malfeitores se apegarão imutavelmente ao bem que eles mesmos escolheram".38 A "dor" fundamental do inferno não é o tormento físico, mas sim a perda do bem infinito de Deus.39 Além da perda de Deus, os condenados também experimentam uma "dor dos sentidos", pela qual vivenciam uma espécie de servidão aos seus corpos como resultado de terem desejado bens corporais em vez de bens espirituais.40 Tomás de Aquino reconhece que um dos propósitos da punição é converter o pecador, mas afirma que isso não é possível para os condenados porque a orientação fundamental da vontade humana é eternamente fixada na morte. Contudo, isso não significa que não haja um propósito reparador para a punição eterna, visto que ela pode dissuadir outros pecadores, produzindo o temor de tal punição neles.41 O significado do inferno não pode ser compreendido em última análise separadamente da verdade de que o propósito da criação dos seres humanos por Deus foi para que eles pudessem entrar na própria amizade amorosa que é a vida da Trindade. Para serem capazes de amizade com Deus, os seres humanos precisavam ser intelectuais, volitivos e livres. A amizade forçada é uma contradição em termos; a amizade requer escolha mútua. Para que a escolha seja genuína, deve ser possível para alguns recusar a oferta de amizade com Deus. Uma vez que as escolhas feitas pelos seres humanos nesta vida são determinantes de seus destinos eternos, é possível que algumas pessoas tenham mantido uma recusa ao longo da vida de entrar em um relacionamento com Deus. O que elas recebem na eternidade é o que escolheram em vida.42

Enquanto os males naturais e a punição são indiretamente desejados por Deus como concomitantes ao bem da ordem do universo, o mal da culpa tem uma relação diferente com a vontade divina. Como uma violação da ordem ou do bem divino, o pecado não pode nem mesmo ser indiretamente desejado ou causado por Deus.43 Tomás de Aquino insiste que a causa última do mal moral, como uma privação da devida ordem que um ato humano deveria ter é a vontade do pecador. Como observado na seção anterior, a primeira causa da falha em considerar a regra da ação é a própria liberdade da vontade. Precisamente porque o pecado é uma privação ou um não-ser, ele escapa à causalidade de Deus, pois a causalidade de Deus se estende ao que é do ser e da bondade.

Embora a estratégia tomista básica seja afirmar que o pecado, enquanto privação, é causado pela vontade do pecador, absolvendo assim a vontade de Deus de responsabilidade, problemas complexos persistem devido à forte doutrina da providência. Mesmo que Deus não seja a causa direta do mal, é por Sua vontade que existe um mundo onde criaturas livres podem pecar e, como vimos especialmente no século passado, de maneiras monstruosas. Portanto, embora Deus não seja diretamente responsável por nenhum ato individual de pecado, Ele é responsável pela condição geral. Como mencionado anteriormente, Deus poderia não ter criado nada ou poderia ter criado uma ordem sem pecado. Em vez disso, Deus escolheu uma ordem na qual o pecado existe. Por quê? E Deus não apenas estabeleceu as condições iniciais de um mundo onde há pecado, como também continua a sustentá-lo, conservando todos os seres existentes. O Deus tomista não é um relojoeiro deísta que estabelece as condições iniciais e depois se retira causalmente de cena, mas sim um Deus que causa todo ser e toda ação a cada momento.44 À medida que o pecador peca, esse pecador é mantido em existência pelo poder de Deus. De acordo com a visão forte da providência divina, nada acontece fora dessa providência, incluindo o pecado. Qual é, então, a relação da vontade de Deus com pecados particulares no concreto? Finalmente, há também a questão de por que Deus não intervém para conter o mal e converter os pecadores. Deus não é culpado do mal por negligência? Essas questões espinhosas são tradicionalmente resolvidas recorrendo-se à "permissão" de Deus para o mal. Assim, em vez de dizer que o pecado se opõe diretamente à vontade de Deus, caso em que não seria uma opção viável, os tomistas dizem que ele é "permitido" pela vontade de Deus. O que isso significa, no entanto, tem sido tradicionalmente objeto de disputa entre os tomistas e de críticas por outros.

Em um primeiro nível, diz-se que Deus permite o mal moral na ordem criada não por causa do livre-arbítrio, mas sim por amor. O propósito de criar um universo de criaturas livres e falíveis não é preencher as fileiras do ser em conformidade com o princípio da plenitude para o bem maior do universo, mas sim para que houvesse criaturas que Deus pudesse convidar a participar da vida interior da Trindade. Os seres humanos não são como membros de outras espécies, cujo florescimento individual não é essencial para o bem do todo, mas sim seres ou pessoas espirituais criadas individualmente para alcançar a consumação em Deus. O propósito último da criação é convidar os seres humanos a uma amizade amorosa com Deus, na qual as criaturas participarão da própria vida de amor de Deus. Para que esse relacionamento seja amor genuíno, a criatura deve entrar nele em verdadeira liberdade. Assim, a liberdade recíproca, para o bem e para o mal, é uma condição necessária para a obra de amor de Deus. Portanto, Deus permite a possibilidade do pecado como o preço pago pela possibilidade do amor. Jacques Maritain resume a lógica da posição da seguinte forma:

"A propensão da criatura ao pecado é, portanto, o preço pago pela efusão da Bondade criadora, que, para se doar pessoalmente a ponto de transformar em si mesma algo diferente de si mesma, deve ser amada livremente com o amor e a comunhão da amizade, e que, para ser amada livremente com o amor e a comunhão da amizade, deve criar criaturas livres, e que, para criá-las livres, deve criá-las falivelmente livres. Sem a liberdade falível não pode haver liberdade criada; sem a liberdade criada não pode haver amor na amizade mútua entre Deus e a criatura; sem o amor na amizade mútua entre Deus e a criatura, não pode haver transformação sobrenatural da criatura em Deus, nem a entrada da criatura na alegria de seu Senhor. O pecado, o mal, é o preço da glória."45

Assim, em certo nível, há uma espécie de permissão geral do pecado por Deus como condição necessária para a liberdade, que por sua vez é a condição necessária para o amor. Este é o bem maior que motiva e precede qualquer ato de pecado; Como será demonstrado mais adiante, existem também bens – na verdade, bens maiores – que Deus deseja extrair do mal, mas não se pode dizer que estes sejam a motivação original para a permissão do mal.

A doutrina forte da providência implica que os tomistas também precisam explicar como o conhecimento e a vontade de Deus estão causalmente envolvidos com o mal moral no singular e concreto, bem como em geral. Como os atos individuais de mal se encaixam na ordem do universo conhecido e desejado eficazmente por Deus e ordenado à bondade de Deus? Como observado anteriormente, é uma característica da providência de Deus respeitar a modalidade causal das criaturas.46 Assim, tendo criado criaturas livres, Deus respeita sua liberdade ao não anular causalmente suas escolhas. É nesse sentido que Deus "permite" atos individuais de mal: Ele não decide impedi-los. A vontade de Deus não dá permissão para o mal no sentido normal de autorizá-lo ou endossá-lo, mas sim no sentido metafórico de permissão como uma decisão de não impedir que as criaturas originem o mal.47 O mal é contrário à vontade de Deus, mas Deus permite que os seres humanos o iniciem em nome da liberdade e do amor, e porque o poder de Deus é tal que Ele pode trazer um bem maior do mal. Assim, enquanto em um sentido geral (tradicionalmente conhecido como vontade antecedente de Deus) Deus deseja que todas as criaturas espirituais alcancem seu fim último nele, no concreto (tradicionalmente conhecido como vontade consequente de Deus) Deus deseja permitir que algumas criaturas não alcancem seus fins como consequência de sua livre escolha do mal. A vontade de Deus é, em última análise, cumprida tanto naqueles que alcançam seu fim quanto naqueles que não o alcançam.

A questão mais controversa entre os tomistas clássicos é a explicação metafísica do envolvimento causal de Deus com atos moralmente maus. Os tomistas clássicos argumentam que a causalidade de Deus é a explicação última para todo ser e toda ação em cada momento. Isso significa que o governo de Deus sobre as criaturas se estende não apenas a causar sua conservação no ser 48, mas também a causar cada uma de suas ações, "movendo-as" a agir.49 Aplicado aos seres humanos, isso significa que Deus está causalmente envolvido em cada ato de intelecto e vontade nos seres humanos. Tomás de Aquino não achava que essa atividade causal comprometesse a genuína liberdade humana bilateral. A forma exata como essa atividade causal é compatível com a verdadeira liberdade tem sido objeto de muita disputa entre os tomistas e de críticas por parte de não tomistas, sendo considerada, na pior das hipóteses, determinismo divino e, na melhor, compatibilismo.50 Embora o problema mais amplo não possa ser tratado aqui, é necessário, no entanto, questionar como a causalidade abrangente de Deus pode ser reconciliada com os seres humanos em sua escolha e prática do mal.51 Os textos de Tomás de Aquino sobre esse tema são pouco desenvolvidos, portanto, os tomistas tentaram preencher essa lacuna para reconciliar a inocência de Deus em relação ao pecado com a providência abrangente de Deus por meio do intelecto e da vontade. Pelo menos quatro abordagens tomistas principais diferentes para esse problema podem ser identificadas.

Num extremo do espectro tomista encontram-se aqueles que interpretariam Tomás de Aquino como afirmando que não há ação causal de Deus nas criaturas além do ato de conservação da criação; não há uma ação causal divina distinta para cada ação determinada da criatura. Deus sustenta criativamente as criaturas livres precisamente como seres autodeterminados. A causalidade de Deus estende-se ao ser livre da criatura, mas não às suas ações livres. Esta visão tem a vantagem de, ao mesmo tempo, salvar a liberdade humana do determinismo divino e absolver Deus da responsabilidade causal pelo mal. A fragilidade desta solução, aos olhos dos tomistas clássicos, reside no facto de restringir inaceitavelmente a causalidade e o conhecimento de Deus. Tomás de Aquino afirma claramente que o conhecimento que Deus tem da criação é causal-prático.52 Como ato puro e causa primeira, o conhecimento que Deus tem da criação não pode ser resultado da ação das criaturas. Assim, pareceria que a única forma de assegurar a onisciência de Deus seria sustentar, como fundamento do conhecimento, um envolvimento causal determinado em cada ação humana. Uma segunda alternativa, identificada com o jesuíta Luis de Molina e, portanto, chamada de molinismo, argumenta que o movimento de Deus em direção ao bem é indeterminado e é especificado pela vontade da criatura no ato de escolha.53 Essa visão altamente sofisticada explica o conhecimento divino do mal pela doutrina do que é chamado de conhecimento médio de Deus. O conhecimento médio situa-se entre o conhecimento natural de Deus sobre as possibilidades puras e o conhecimento voluntário da ordem criada real. Os objetos do conhecimento médio são eventos futuros condicionais; isto é, é o conhecimento de todos os resultados contingentes possíveis em todas as circunstâncias contingentes possíveis. Esse conhecimento diz respeito ao que criaturas livres fariam em qualquer conjunto concebível de circunstâncias; é pré-volitivo porque não depende do que Deus quer que seja real, mas sim do que as próprias criaturas fariam se fossem colocadas nas circunstâncias previstas. Essa visão tem a vantagem, em relação à explicação anterior, de fornecer uma explicação abrangente da onisciência divina e de absolver Deus da responsabilidade causal pelo mal. A vontade de Deus determina qual mundo possível é o mundo real, mas o que as criaturas livres fazem nesse mundo é decidido por elas. Os tomistas clássicos voltam a apresentar o protesto fundamental de que essa visão compromete a transcendência divina, tornando o conhecimento e a causalidade de Deus dependentes da autodeterminação das criaturas; eles também criticam a coerência do conhecimento médio e muitas outras características do molinismo.54 O debate ainda continua acirrado.

Uma terceira posição influente sobre a relação entre a vontade cognoscente de Deus e o mal humano pertence a Jacques Maritain. Talvez seja pouco conhecido que, dentre a vasta gama de tópicos tratados por Maritain, foi seu trabalho sobre o problema da permissão divina para o mal que ele considerou sua contribuição filosófica mais significativa "para o progresso do pensamento”.55 Em resposta ao que ele chama de crítica neobaneziana56 (a próxima perspectiva a ser considerada) ao seu tratamento anterior do tema em “Existência e o Existente”, Maritain retornou à questão nos últimos anos de sua vida em “Deus e a Permissão para o Mal”. A principal alegação de Maritain é que existe uma assimetria fundamental e irredutível entre a explicação causal do bem e do mal: na linha do bem, a vontade de Deus é a causa primeira; enquanto na linha do mal, é a vontade da criatura que é a causa primeira. Sua queixa contra os neobanezianos é que eles querem rastrear tanto o bem quanto o mal até a vontade de Deus como causa última, atribuindo um decreto permissivo antecedente à vontade de Deus para cada ato maligno; segundo eles, a vontade de Deus, seja direta ou indiretamente permissiva, é a causa metafísica última antecedente de tudo. No entanto, ao atribuir a Deus uma vontade permissiva antecedente, acabam por responsabilizá-lo pelo mal, pois uma decisão da vontade de Deus explica por que a criatura peca. Assim, Maritain argumenta que a causa última do pecado é a capacidade da criatura livre de desconsiderar a regra da ação e, dessa forma, introduzir privação ou não-ser na ação. Ao fazer isso, a criatura é capaz de frustrar ou destruir a oferta da graça de Deus para fazer o bem; Maritain descreve essa resistência da criatura à ajuda de Deus para escolher o bem como uma "nihilação". A explicação de Maritain pressupõe que Deus sempre tenta mover ou ativar a criatura para fazer o bem, mas que essa oferta não é necessariamente eficaz do ponto de vista causal, pois pode ser destruída pela vontade humana como a origem última do mal moral.

As ideias de Maritain foram alvo de críticas rigorosas por parte de seu antigo aliado, Hervé Nicolas, na série de artigos sobre a permissão do pecado já mencionada. Contra Maritain, Nicolas articula a preocupação fundamental do tomismo clássico de que qualquer negação de que a vontade de Deus esteja universalmente no topo da linha causal compromete a transcendência e a onisciência divinas. No caso de Maritain, porém, a objeção diz respeito apenas ao mal moral. Ao atribuir a origem do mal moral à vontade criada, Maritain exime Deus da responsabilidade moral pelo mal, mas mina a providência divina ao remover o mal moral de seu âmbito de atuação. Segundo Nicolas, a vontade de Deus deve ser a causa última de tudo e a explicação última de como Deus conhece todos os eventos contingentes. Nicolas também critica a noção de Maritain de um movimento divino quebrável como um fantasma: como poderia um movimento divino que nunca se move ser real? Ele também argumenta que, se atribuirmos à criatura livre a capacidade de nihilação, acabamos por torná-la responsável tanto pelo bem quanto pelo mal, pois o primeiro só pode surgir através da não-nihilação. Nicolas argumenta que a única maneira de a providência de Deus ser verdadeiramente abrangente é se a vontade de Deus determinar tudo o que antecede a sua ocorrência. Para entender como isso funciona no caso do mal moral, é necessário distinguir três componentes: o sujeito livre, a escolha do sujeito por algum bem criado (desordenado) e a aversão ou privação da vontade em relação ao domínio divino. Os dois primeiros elementos são conhecidos diretamente por Deus como causados ​​por Ele. A privação é conhecida indiretamente por Deus, como resultado de seu conhecimento do bem que Ele não quis produzir; este é o decreto permissivo antecedente. A desvantagem óbvia desse ponto de vista, observada por Maritain, é que parece tornar Deus responsável pelo mal moral por não querer que o bem apropriado seja realizado e por não causar o movimento em direção ao bem desordenado. Em resposta a essa queixa, Nicolas argumentaria que a ajuda graciosa de Deus para direcionar a vontade de um ser humano para o bem não é de forma alguma devida à criatura, de modo que sua omissão não é culpável por parte de Deus.

No final das contas, o problema filosófico da permissão de Deus para o mal se depara com o mistério teológico da predestinação: por que algumas pessoas são escolhidas por Deus para a salvação, enquanto outras não? Por que a oferta da graça alcança eficazmente a salvação de alguns, mas não de todos? Não poderia um Deus todo-poderoso e todo-bondoso ter concebido algum plano pelo qual todos se converteriam livremente, recebendo a graça de uma forma que a tornasse irresistível? Os caminhos de Deus são, naturalmente, insondáveis; é um mistério para nós por que o plano de Deus funciona da maneira que funciona. No entanto, mesmo com esse mistério em mente, o tomista, assim como o defensor contemporâneo do livre-arbítrio, quer dizer, em última análise, que se os humanos são genuinamente livres, não há como Deus garantir a escolha de si mesmo como o bem supremo em todos os casos.57 Deus só poderia garantir esse resultado anulando causalmente a vontade, caso em que a liberdade é perdida, ou criando criaturas já na visão beatífica, caso em que a liberdade de escolha é um conceito inoperante porque a vontade é naturalmente obrigada a escolher o bem infinito. Portanto, se Deus quer a liberdade por amor, então Deus não pode garantir que os seres humanos escolherão amá-lo. Deus deve, portanto, permitir o mal, em prol do bem do amor. Contudo, há também um bem ainda maior a ser considerado.

D. Cristo e o Problema do Mal

Uma das principais razões pelas quais os detratores criticaram a preocupação tomista clássica com a "permissão" de Deus para o mal é que ela parece tornar Deus passivo ou mesmo indiferente ao mal. Como vimos, o sentido principal de permissão é negativo: Deus não impede a introdução do mal pelo pecado. No entanto, seria um grave mal-entendido da posição tomista clássica considerar a atitude de Deus em relação ao mal como essencialmente passiva. Não se trata de Deus ter permanecido como um espectador eterno e imutável, observando indiferentemente a marcha do mal na história humana. Pelo contrário, Deus entrou ativamente na história humana para vencer o mal que é contrário à sua vontade e, de acordo com o artigo central da fé cristã, o derrotou definitivamente na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Assim, a vontade de Deus com relação ao mal só pode ser adequadamente compreendida por meio do que é revelado na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. É neste ponto que entramos no que os tomistas considerariam ser um discurso especificamente teológico ou baseado na revelação, que exige a aceitação de afirmações pela fé, sem evidências racionais. Por essa razão, muitas abordagens filosóficas tomistas sobre o mal não fazem muita referência a Cristo. No entanto, extrair uma teodiceia puramente filosófica de Tomás de Aquino como se ela pudesse se sustentar sozinha é uma distorção das ideias de Aquino, e não oferece muito consolo.

Como observado no início desta análise, o axioma agostiniano central que guia o pensamento de Aquino sobre o mal é que Deus nunca teria permitido nenhum mal se não fosse capaz de produzir desse mal um bem ainda maior. O fundamento dessa afirmação é cristológico; é a crença de que, ao remediar o pecado de Adão em Cristo, Deus deu à humanidade uma bênção ainda maior do que aquela que foi originalmente dada a Adão e Eva no Jardim do Éden. Ao se encarnar em Cristo e vencer a morte pela ressurreição, Deus tornou possível que aqueles que são batizados em Cristo desfrutem de uma participação real, pela graça de Cristo, na própria vida trinitária de Deus. Isso não significa que Deus não pudesse ter concedido essa bênção à humanidade, exceto como resultado da Queda, mas sim que ela nos foi concedida após a Queda e, portanto, devemos interpretá-la como uma resposta à Queda, com base no que está escrito nas Escrituras.⁵⁸ Tampouco significa que Deus permitiu a Queda por causa da Encarnação, como se a primeira fosse o meio para a segunda; a Queda foi contrária à vontade de Deus, uma rebelião, e a Redenção da Encarnação é uma resposta graciosa, desproporcional ao pecado humano. No envio do Filho em Jesus de Nazaré e em sua amorosa aceitação das consequências do pecado na Cruz, a ordem da humanidade perante Deus é restaurada e aprimorada. E na medida em que o cristão aceita os males e as adversidades da vida em amorosa união com Cristo, ele é capaz de participar da obediência, da confiança e do amor que redimem o mundo. Isso não significa, é claro, que o crente compreenda os caminhos misteriosos da providência de Deus. O fato é que o mal e o sofrimento deixam de ser punitivos e alienantes na comunhão com Aquele cujo amor demonstrou que o poder e a bondade de Deus venceram o mal e prometeram o triunfo final do bem. Essas lembranças da doutrina cristã fundamental servem para concluir que a verdadeira resposta para o problema do mal e a chave para a vontade de Deus em relação ao mal é Jesus Cristo. Todos os tomistas clássicos sabiam disso, assim como os contemporâneos que os seguem; acontece que as formalidades da filosofia às vezes obscureceram essa verdade fundamental.

II. VARIAÇÕES DA ABORDAGEM TRADICIONAL

A abordagem clássica anterior se ateve estritamente aos textos e à linguagem de Tomás de Aquino, na convicção de que suas ideias fundamentais ainda eram válidas no século XX. Aos olhos de outros tomistas, no entanto, essas ideias fundamentais precisam ser reelaboradas, revisadas e colocadas em diálogo com as abordagens contemporâneas do problema do mal. A discussão começará com dois filósofos da religião contemporâneos que utilizaram Aquino como recurso para considerar o problema do mal dentro do contexto de suas formulações na tradição analítica: Brian Davies e Eleonore Stump. Como observado ao longo deste capítulo, porém, é impossível separar completamente a teodiceia tomista de seu contexto teológico. Assim, o segundo grupo de pensadores a ser considerado compreende os maiores teólogos tomistas da segunda metade do século XX: Bernard Lonergan, Karl Rahner e Edward Schillebeeckx.59

A. Brian Davies60

Brian Davies oferece uma abordagem para o problema do mal que se baseia fortemente em Tomás de Aquino e em alguns temas tomistas tradicionais, mas desenvolve uma posição inovadora porque desafia os pressupostos que geram o que é comumente conhecido como o problema do mal. O problema é tipicamente gerado ao chamar a atenção para a incompatibilidade prima facie da existência de um Deus bom e onipotente, por um lado, e o sofrimento e o mal, por outro. Presumivelmente, um Deus bom e onipotente poderia e faria com que suas criaturas não sofressem, especialmente na escala em que os seres humanos sofrem. Aqueles que defendem a existência de Deus o fazem imputando a Deus alguma razão moralmente suficiente para justificar a existência do mal, normalmente por meio de alguma alegação sobre o valor do livre-arbítrio. O que distingue Davies de outros filósofos contemporâneos é que ele rejeita o desafio de encontrar uma razão moralmente suficiente para o mal, negando a presunção de que Deus é moralmente bom e argumentando que a defesa do livre-arbítrio não fornece tal razão moralmente suficiente, mesmo que fosse necessário (ou mesmo possível) fornecê-la.

Parece uma saída estranha para o problema do mal negar que Deus seja moralmente bom. Pois, embora de fato resolva o problema, imediatamente levanta a objeção: isso significa que Deus é moralmente mau? Segundo Davies, tal objeção erraria o alvo:

"Mas devemos começar supondo que a bondade de Deus é bondade moral, ou que Deus é um agente moral? Faço essa pergunta não para sugerir que Deus seja imoral ou submoral, mas para sugerir que é totalmente inadequado pensar em Deus como algo capaz de ser moral (bem-comportado) ou imoral (mal-comportado). Faço essa pergunta para sugerir que tanto os inimigos quanto os amigos do teísmo fariam bem em evitar afirmações como "Deus é um agente moral" ou "Deus é moralmente bom" (ambas as quais considero equivalentes a "Deus se comporta bem")."61

Ao fazer essa afirmação, Davies recorre à doutrina do bem de Tomás de Aquino, que já vimos na abordagem clássica. "Bom" não é um predicado unívoco que atribui uma única propriedade a um sujeito, mas sim um juízo de que o sujeito em questão é uma instância aperfeiçoada ou atualizada de sua espécie. Nas categorias de Davies, "bom" é tomado como adjetivo atributivo e visto como mais adequado do que o adjetivo predicativo porque não significa uma propriedade comum compartilhada por tudo o que a possui, mas sim tem um significado relativo ao sujeito ao qual é atribuído. De acordo com essa doutrina, "bom" não precisa significar "moralmente bom como um ser humano" quando aplicado a Deus. Dizer que Deus é bom é fundamentalmente dizer que Deus é perfeito, puro ato ou divindade plenamente realizada. Significa também que Deus é a fonte causal da bondade nas criaturas, na medida em que elas exibem perfeição e atualidade de acordo com suas naturezas. Finalmente, dizer que Deus é bom é também dizer que Deus é o objeto final de todo o esforço criado, na medida em que cada criatura tenta se tornar um exemplo plenamente realizado de sua espécie e, assim, imitar a Deus.

Embora sejamos tentados a pensar que a divindade plenamente realizada como o fim de todo o esforço também deve ser moralmente boa como a entendemos, Davies argumenta que não temos fundamentos inteligíveis para atribuir a Deus as propriedades que normalmente sustentam nossas atribuições de bondade moral a Deus. Davies reconhece, no entanto, que os teístas tradicionalmente atribuem a virtude da justiça a Deus, e que essa atribuição tem respaldo bíblico. Se considerarmos a definição aristotélica de justiça para ver como ela poderia se aplicar a Deus, fica claro que Deus não pode participar de trocas regidas pela justiça comutativa (compra e venda, por exemplo), pois isso implicaria a premissa absurda de que as criaturas possuem algo próprio que possam dar a Deus e, assim, estabelecer uma obrigação de retribuição. O segundo tipo de justiça, a justiça distributiva, pode ser aplicado a Deus porque rege a maneira como o governante de uma comunidade distribui os bens de acordo com as necessidades e os méritos dos membros da comunidade. A justiça, nesse sentido e em um sentido bíblico, pode ser atribuída a Deus: "Se temos o direito de chamar Deus de justo, isso só pode ser porque se pode dizer que ele age de acordo com seus próprios decretos (como revelados), ou porque ele dá às suas criaturas o que é bom para elas, dadas as suas naturezas criadas por ele (isso não implica necessariamente justiça distributiva)." que ele dê o mesmo a todas as criaturas).”62 Mas Davies quer argumentar que atribuir justiça neste sentido a Deus não faz de Deus o portador de deveres ou obrigações morais, de modo que haja alguma exigência para que ele seja moralmente bom nesse sentido.

A razão fundamental para a ininteligibilidade de atribuir deveres morais a Deus reside no fato de que o conceito de dever pressupõe um contexto ou estrutura moral prévia e definida que especifique o que os agentes devem uns aos outros. Contudo, a relação de Deus com a criação é de liberdade soberana. Não existe nenhuma lei moral que obrigue Deus a criar ou, mesmo que decida criar, a estabelecer uma ordem específica. Em vez de conceber Deus como vinculado por alguma lei moral independente em suas relações com a criação, o que ocorre é que a criação estabelece as leis morais e o contexto para que existam deveres e obrigações. Contra a objeção óbvia (que será retomada mais adiante) de que, embora Deus não tenha nenhuma obrigação moral de criar, a criação estabelece um contexto no qual se pode considerar que Deus tem obrigações morais de agir de certas maneiras (promover o bem das criaturas, recompensar e punir o bem e o mal), Davies argumenta que, como Deus é o criador transcendente e não um habitante da ordem criada, não há maneira inteligível de atribuirmos a Deus os tipos de ações que normalmente contam como cumprimento de obrigações morais. Davies argumenta, em última análise, que, como Deus é o criador transcendente, qualquer tentativa de atribuir a Deus os tipos de propriedades que tornam os agentes criados moralmente bons é equivocada:

"Diz-se que o erro na filosofia muitas vezes consiste em explorar os detalhes de um caminho que nunca se deveria ter trilhado. Estou sugerindo que os filósofos que argumentam a favor ou contra a existência de Deus concentrando-se na suposta bondade moral de Deus estão bem encaminhados nesse caminho. Eles são como pessoas que atacam ou defendem tenistas porque eles não conseguem correr uma milha em menos de quatro minutos. Tenistas não têm como objetivo correr uma milha em quatro minutos. Da mesma forma, Deus não é algo em relação ao qual a avaliação moral (seja positiva ou negativa) seja apropriada."63

Basicamente, atribuir bondade moral a Deus é um erro categorial.

Mesmo que fosse necessário defender a integridade moral de Deus, Davies argumenta que qualquer pessoa comprometida com a visão metafísica básica da relação Deus-mundo, elemento central do teísmo clássico, não pode subscrever a defesa contemporânea do livre-arbítrio. De acordo com a versão padrão da defesa do livre-arbítrio, formulada classicamente por Alvin Plantinga64, Deus não poderia ter criado um mundo que necessariamente não contivesse o mal, pois a única maneira de garantir que os humanos nunca agissem mal seria determinar causalmente suas vontades. Mas se Deus determinasse causalmente a vontade humana de não praticar o mal, essa vontade deixaria de ser significativamente livre. Assim, em prol do bem maior da liberdade moral significativa, Deus deixa a vontade humana independente de seu poder causal e autodeterminada; segundo essa visão, a causalidade divina e a liberdade humana moralmente significativa são incompatíveis. Mas Davies observa que essa concepção de liberdade humana é incompatível com as afirmações metafísicas da concepção clássica de que Deus é sempre a causa primeira de todo o ser. As ações humanas têm realidade ou existência; portanto, devem ser causadas por Deus. Negar que as ações humanas sejam causadas por Deus é negar que Deus seja a causa do ser. Além disso, e como observado acima, negar que Deus seja a causa das ações humanas leva a fazer com que Deus dependa passivamente das criaturas para saber o que elas estão fazendo. De acordo com Davies, a defesa do livre-arbítrio é inútil para qualquer teísta que sustente uma doutrina tradicional da criação e da providência.

Davies argumenta que a afirmação de que Deus causa as ações humanas é compatível com a afirmação de que os seres humanos são livres no sentido de terem um poder genuíno de escolha bilateral. Seguindo Tomás de Aquino nesse ponto, ele diz que a razão para isso reside no tipo de causalidade sui generis própria de Deus como o Criador transcendente da vontade. Se a vontade fosse levada a agir ou escolher por qualquer causa externa antecedente criada, ela não seria livre. A causalidade de Deus em relação à vontade, contudo, não é a de uma causa concorrente que tenta sobrepor-se ou cooptar a vontade, determinando-a, mas sim a de Deus como o criador transcendente da vontade, cuja causalidade visa permitir que a vontade seja o que Ele criativamente pretende que ela seja: livre. Como vimos ao longo de todo o texto, a doutrina da providência de Tomás de Aquino pressupõe que Deus move todas as criaturas de acordo com suas naturezas; em relação aos seres humanos, a providência de Deus se manifesta por meio das escolhas livres que fazemos sob a influência de sua vontade.

Davies sabe, porém, que dissolver o problema pós-humeano do mal não significa dizer que não há nenhum problema intelectual ou existencial levantado pela presença do mal em um mundo governado por um Deus bom e todo-poderoso. A filosofia pode oferecer alguns esclarecimentos úteis sobre esse problema, mas não pode, em última análise, resolvê-lo. A distinção fundamental a ser feita para esclarecer o problema é entre "mal sofrido" e "mal praticado". O mal sofrido é "qualquer coisa que possa ser considerada como diminuindo ou frustrando algo". ⁶⁵ Todos os tipos de seres sofrem o mal dessa maneira pela ação de algum outro ser, enquanto apenas os seres racionais são capazes de mal moral ou de praticar o mal. Em ambos os casos, porém, Davies faz a afirmação tradicional de que o mal é uma privação. Como o mal é uma privação ou falta de ser, não é algo que dependa da causalidade de Deus, pois esta só se relaciona com aquilo que possui algum ser positivo. A explicação para o mal sofrido reside na busca, por algum outro ser criado, daquilo que considera ser o seu próprio bem; sempre há uma explicação natural para o mal sofrido. Como observado na seção anterior, quando se trata de mal sofrido que não é atribuível ao mal moral, o mal em questão é justificado por um apelo à vontade de Deus para a bondade de toda a ordem com sua variedade de seres. Contra o argumento de que há muito mal sofrido e muito mal sem sentido, Davies argumenta:

“Mas, se mal significa "mal sofrido", então não há mais mal do que o necessário. Qualquer mal sofrido que seja maior do que o necessário seria cientificamente inexplicável. O mal sofrido no mundo não é maior nem menor do que o que podemos esperar em um mundo material no qual explicações científicas possam ser dadas para o que acontece. Como vimos, William Rowe acredita que existem inúmeros exemplos de "sofrimento humano e animal aparentemente sem sentido que ocorre diariamente em nosso mundo". Mas nenhum sofrimento humano ou animal é sem sentido se "sem sentido" significa "sem uma explicação natural" e se o sofrimento em questão é o que estou chamando de "mal sofrido". Pois uma explicação natural é exatamente o que buscamos quando tentamos explicar o mal sofrido. Alguém poderia, talvez, dizer que o mal sofrido poderia sempre ser evitado por uma série constante de milagres e que, por essa razão, é sem sentido (às vezes ou sempre). Mas um mundo governado por uma série constante de milagres não seria um mundo material. Não seria objeto de investigação científica. Talvez pudesse ter sido criado por Deus, mas o fato é que não foi. O que Deus criou foi um mundo material no qual há sofrimento e maldade. E ao criar este mundo, Deus está criando o que é bom. Na verdade, ele não está criando nada além do que é bom.66

Portanto, o sofrimento e maldade não representam um problema real para o teísta. Quando se trata do mal moral, do mal praticado, parece haver um problema mais difícil, porque não há nenhum bem concomitante que possa ser considerado como benéfico para algo. O mal moral prejudica tanto o agente quanto a vítima, diminuindo seu ser. Mas, como o mal praticado é uma privação na ação, não é causalmente atribuível a Deus.

Davies acredita que o verdadeiro problema apresentado pelo mal surge quando pensamos na infinita gama de possibilidades criativas ou causais de Deus. Como as escolhas criativas de Deus são limitadas apenas pelo que pode ser, Deus poderia ter criado um mundo no qual nenhum mal moral jamais ocorreu e nenhum sofrimento jamais ocorreu. Ambas as condições são possíveis. Por que Deus não atualizou tal mundo? Uma resposta seria dizer que um mundo assim seria privado de muitos bens que provêm do mal e do sofrimento, mas isso ainda deixa a questão original intacta. Outra resposta seria apelar para o livre-arbítrio. Mas, além de presumir a necessidade de justificar a moralidade de Deus, essa visão não responde por que existe o mal moral, pois Davies pensa: "Pelo que posso ver, Deus poderia ter criado um mundo no qual pessoas, anjos ou quaisquer outras criaturas que pudessem ser consideradas agentes morais (sujeitas a deveres, obrigações e coisas do gênero) sempre agissem bem."67 Por que, então, Deus não o fez? Davies afirma que buscar uma resposta para essa pergunta é um equívoco, pois pressupõe que podemos dar razões para o agir no caso de Deus. A transcendência de Deus, no entanto, significa que não podemos perguntar por suas razões como perguntamos a um agente humano por suas razões. Embora Deus tenha conhecimento e vontade, não se pode pensar que ele tenha o mesmo tipo de razões que os agentes morais humanos têm. No fim, não podemos entender por que existe o mal. Mas, em vez de lançar dúvidas sobre a existência de Deus, "isso nos convida a refletir sobre o mistério da divindade, algo que serve para nos lembrar que Deus é nada menos que o princípio e o fim de todas as coisas." a fonte da qual tudo o que podemos compreender deriva sua existência.”68

A abordagem de Davies é revigorante e provocativa. É revigorante porque se recusa resolutamente a introduzir premissas teológicas que facilitariam a tarefa de considerar o mal. Sem essas premissas, talvez a palavra final resida no mistério. Nesse contexto, porém, os dois principais argumentos de Davies contra abordagens mais tradicionais precisam ser avaliados. Primeiro, consideremos se um tomista deveria negar que Deus seja moralmente bom. Davies argumenta que Deus não pode ser moralmente bom no sentido de possuir virtude moral e reivindica o legado de Tomás de Aquino a esse respeito: "ele [Tomás de Aquino] teria considerado uma blasfêmia sugerir que Deus exibe virtudes."⁶⁹ Essa afirmação, contudo, não é consonante com os textos, visto que Aquino argumenta que as virtudes morais podem ser atribuídas a Deus na forma de virtudes exemplares.⁷⁰ Ao discutir a justiça de Deus, a virtude moral mais importante nesse contexto, Aquino afirma que, embora qualquer virtude moral relacionada às paixões só possa ser atribuída a Deus metaforicamente, as virtudes morais relacionadas à vontade e seus atos podem ser atribuídas a Deus de forma não metafórica ou análoga; ele lista especificamente justiça, liberalidade e magnificência.⁷¹ Portanto, Aquino considera que as virtudes morais são atribuíveis a Deus, especialmente no que diz respeito à vontade e à sua virtude preeminente da justiça. Como observado anteriormente, porém, a justiça se aplica a Deus apenas no sentido de justiça distributiva. Como governante e ordenador do universo, a governança de Deus pertence a Ele para distribuir bens de acordo com o que é devido às criaturas que Ele criou. Tomás de Aquino aborda especificamente uma objeção à sua posição que soa muito como a de Davies: Justiça é dar o que é devido (debitum); mas Deus não pode ser devedor de ninguém; portanto, a justiça não se aplica a Deus. A isso, Aquino responde:

"Deve-se dizer que o que é devido a alguém é o que lhe pertence. Isso pode até ser aplicado a outra pessoa, quando essa pessoa está ordenada a alguém como um escravo ao seu senhor; mas não vice-versa, já que um homem livre age em benefício próprio. O significado de "devido" pressupõe uma ordem de exigência ou necessidade em que uma coisa está ordenada a outra. Ora, encontra-se nas coisas uma ordem dupla. Uma, pela qual algo criado está ordenado a alguma outra criatura: como quando as partes estão ordenadas ao todo, os acidentes às substâncias e qualquer coisa ao seu próprio fim. A outra ordem é aquela pela qual todos os seres criados estão ordenados a Deus." Portanto, podemos considerar o que é devido nas ações de Deus de duas maneiras: em termos do que é devido a Deus, ou em termos do que é devido às coisas criadas. E de ambas as maneiras, Deus dá o que lhe é devido. É devido a Deus que sua sabedoria e vontade se cumpram em todas as coisas e que elas manifestem sua bondade; nesse sentido de justiça, Deus retribui o que lhe é devido, na medida em que dá a si mesmo o que lhe é devido. É devido a qualquer coisa criada que ela tenha o que lhe foi ordenado, de modo que o homem tenha mãos e os animais o sirvam. E assim, Deus cumpre a justiça quando dá a cada um o que lhe é devido segundo sua natureza e condição. Mas esta última justiça se baseia na primeira, visto que o que Deus deve a qualquer coisa se baseia em como Deus a ordenou a si mesmo segundo a sabedoria divina. E assim, embora desta forma Deus dê a cada um o que lhe é devido, ele não se torna, por isso, um devedor, porque não lhe é ordenado nada mais, mas sim todas as coisas lhe são ordenadas. Assim, a justiça de Deus é descrita tanto como dar o que lhe é devido por sua própria bondade quanto como retribuir o mérito."72

Portanto, há um sentido significativo em que Deus está obrigado, por justiça, a dar o que é devido a uma criatura. Isso não o torna um devedor em nenhum sentido questionável, contudo, visto que o ato pelo qual ele estabelece o que é devido às criaturas é motivado pela livre escolha de manifestar sua própria bondade nessa ordem da criação; como diz Tomás de Aquino em outro lugar, a obra da justiça pressupõe a obra da misericórdia na própria criação.73 Assim, parece que Davies está em desacordo com o próprio Tomás de Aquino ao afirmar que a virtude moral não pode ser inteligivelmente atribuída a Deus, e, portanto, pareceria que Deus poderia ser chamado de moralmente bom.

Há também outra razão para um tomista querer chamar Deus de moralmente bom, baseada na doutrina da analogia elaborada no capítulo sobre linguagem religiosa. Resumidamente, os tomistas sustentam que certos termos que significam perfeições espirituais puras, como "bom", podem ser verdadeiramente predicados de Deus de forma não equívoca. Tais termos não são predicados de Deus de forma unívoca, como se tivessem o mesmo significado, mas sim de forma analógica. De acordo com essa visão, quando dizemos que Deus é bom, queremos dizer que Deus é verdadeiramente bom, de fato o exemplar e a fonte de toda a bondade criada, mas não pretendemos saber ou compreender o que é a bondade de Deus. A analogia baseia-se na transferência de termos que conotam perfeições espirituais, tal como conhecidas primeiramente nas criaturas, para Deus como sua instância primária e fonte causal.74 Ora, visto que a bondade moral das criaturas é certamente uma perfeição espiritual, ela deve ter sua fonte exemplar em Deus, mesmo que a bondade moral de Deus não seja um estado a ser alcançado por meio de ações virtuosas, mas sim idêntica ao seu próprio ser. Ao reduzir a bondade moral ao comportamento em conformidade com a virtude ou a obrigação moral, Davies incorre em petição de princípio, negando a bondade moral a Deus. Davies observa corretamente que a bondade significa fundamentalmente a perfeita atualidade do ser, mas não percebe que é precisamente isso que a conquista da bondade moral representa em uma criatura racional. Portanto, parece haver bons motivos para querer afirmar que Deus é moralmente bom, e o problema do mal não se resolveria tão facilmente.75

Davies certamente está certo, no entanto, que nenhum tomista poderia então recorrer a alguma versão da defesa do livre-arbítrio pós-Plantinga, devido à sua negação de que uma ação humana livre possa ser causada por Deus. Contudo, Davies parece ir longe demais quando afirma que Deus poderia ter criado um mundo no qual as criaturas tivessem significativa agência moral e não houvesse mal moral. Ele nunca explica como isso é possível sob a ótica tomista. Mas se presumirmos que uma agência moral significativa requer genuína liberdade na vontade, não se segue do fato de Deus causar toda boa ação humana à conclusão de que Deus pode criar um mundo no qual criaturas livres nunca pecam. A única maneira de Deus fazer isso seria determinando causalmente a vontade humana de uma forma incompatível com a liberdade da vontade ou criando criaturas imediatamente na visão beatífica. Presumindo que Deus move a vontade a escolher livremente de acordo com sua natureza, sempre haverá a possibilidade de pecado, porque é da própria natureza de uma vontade criada ser defeituosa. Portanto, parece possível a um tomista adotar uma defesa modificada do livre-arbítrio nos moldes da abordagem clássica da seção anterior.76

B. Eleonore Stump

A obra de Eleonore Stump representa uma tentativa de desenvolver uma resposta contemporânea de defesa do livre-arbítrio ao mal, que busca apoio nos textos de Tomás de Aquino em praticamente todos os aspectos. Stump situa sua posição em contraposição à obra de Alvin Plantinga, Richard Swinburne e John Hick; embora simpatize com suas diversas tentativas de fazer da liberdade humana moralmente significativa a explicação para o mal, ela não considera nenhuma de suas posições, em última análise, satisfatória.77 O que distingue sua abordagem é que ela vai além da problemática teísta genérica para considerar o mal a partir de um contexto especificamente cristão, introduzindo três doutrinas teológicas: a Queda de Adão, a consequente introdução do mal natural e o destino final dos seres humanos na vida após a morte, seja o céu ou o inferno. Devido à Queda, entendida como a escolha dos primeiros seres humanos contra Deus, nossa natureza humana herdada foi fundamentalmente alterada, de modo que nossa liberdade de escolha está severamente debilitada. Em contraste com nossa condição original, na qual estávamos dispostos a querer o que devíamos (Deus como o bem supremo), nossas vontades agora estão dispostas a querer o que não deveríamos (prazer ou poder). Nesse estado de queda, os seres humanos não são capazes de alcançar sua beatitude por seu próprio poder. Presumindo que estamos caídos, o problema para o amor de Deus torna-se como remediar o defeito de modo que possamos chegar ao céu em vez do inferno de uma maneira que respeite nossa liberdade.

Stump aceita a explicação de Plantinga sobre a relação entre Deus e a vontade humana: "Se, como penso e como foi argumentado em outro lugar [por Plantinga], não é logicamente possível para Deus fazer com que os seres humanos façam qualquer coisa livremente, e se o céu é como eu o descrevi, então não está no poder de Deus garantir que todos os seres humanos estarão no céu, porque não está em seu poder determinar o que eles livremente desejam."78 Portanto, Deus não pode agir unilateralmente sobre a vontade caída para repará-la sem violar a liberdade humana. Por outro lado, uma vontade decaída não pode se reparar reorientando-se para escolher Deus. Assim, surge um dilema: ou Deus se sobrepõe à nossa liberdade e nos salva, ou Deus nos deixa em nossa liberdade decaída, com suas inevitáveis ​​consequências para o mal moral e, portanto, para o inferno. A solução para o dilema reside no argumento de que, embora os seres humanos decaídos não possam desejar livremente sua própria autorreparação, podem desejar livremente que Deus corrija suas vontades defeituosas; em outras palavras, um ser humano decaído pode ter um desejo de segunda ordem que difere de seus desejos de primeira ordem. Dessa forma, segundo Stump, tanto a liberdade humana quanto a necessidade da graça são protegidas e reconciliadas: recorremos livremente a Deus, que responde reparando nossas vontades. Stump reconhece, contudo, que essa concepção da relação entre livre-arbítrio e graça é problemática no contexto das interpretações tomistas tradicionais. Como ela reconhece, parece uma versão do pelagianismo na medida em que atribui à vontade humana o movimento salvífico inicial em direção a Deus.79 Stump defende sua visão como uma leitura mais benevolente de Tomás de Aquino, pois o absolve do determinismo divino associado à posição neobaneziana (como exemplificado acima em Nicolas e Garrigou-Lagrange). Uma vez compreendido que nossa salvação depende do reconhecimento de que precisamos nos voltar para Deus para reorientar nossa vontade, Stump acredita que o significado do mal como sofrimento pode ser compreendido: "A correção de uma vontade livre defeituosa pela livre vontade da pessoa de que Deus corrija a sua vontade é, creio eu, o fundamento de uma solução cristã para o problema do mal."80 O papel que o sofrimento desempenha na providência divina é induzir o pecador a reconhecer a depravação humana em geral e a sua própria em particular, e assim se voltar para Deus em busca de cura. O sofrimento tem o propósito de humilhar o pecador diante da verdade de sua própria incapacidade de se aprimorar e da necessidade de submeter sua vontade a Deus para que seja reparada. O sofrimento decorrente tanto do mal moral quanto do mal natural contribui para o fim de converter os homens a Deus: "Mas esse tipo de mal é a melhor esperança, creio eu, e talvez o único meio eficaz, para levar os homens a tal estado."81 Não há garantia, porém, de que o sofrimento alcançará seu objetivo de converter as vontades a Deus, devido à liberdade humana.

Stump encontra respaldo para sua afirmação central sobre o propósito do mal nos comentários bíblicos de Tomás de Aquino, especialmente em Jó.82 Aquino aborda o livro de Jó como um extenso debate sobre o papel do sofrimento na providência divina. A visão errônea refutada é a de que a providência impõe adversidades na vida como punição por pecados pessoais e prosperidade como recompensa pela bondade moral. Na verdade, Deus permite que as piores adversidades atinjam até mesmo os virtuosos, com o propósito de conduzi-los ao seu fim último: o céu. É fundamental para essa perspectiva que o significado do sofrimento só pode ser compreendido em relação à nossa conquista da felicidade celestial; a abordagem de Aquino ao mal é nitidamente e estranhamente (para nós) transcendental. O problema do mal surge quando se presume que Deus deveria promover nossa felicidade terrena, quando, na realidade, é a felicidade celestial que Deus busca promover. O sofrimento é o meio de despertar nos seres humanos um verdadeiro reconhecimento de sua condição espiritual como criaturas caídas que precisam da graça divina para alcançar a felicidade celestial: "Tomás de Aquino pensa que a dor e o sofrimento de todos os tipos são o remédio de Deus para esse câncer espiritual."83 O propósito do sofrimento é induzir no sofredor algum bem - alguma mudança na vontade ou novas disposições como paciência e humildade - que melhor o capacitem a alcançar o céu, voltando-se para Deus em busca de graça. Mesmo naqueles que já se voltaram para Deus e levam vidas virtuosas, o sofrimento serve para torná-los mais virtuosos e voltados para o céu; na verdade, quanto melhor a pessoa, maior a probabilidade de ela experimentar o sofrimento para receber maiores bênçãos no céu. Portanto, nem todo sofrimento tem o objetivo de chocar os pecadores para que se voltem para Deus; para os já convertidos, o sofrimento é um meio de maior conformidade com Cristo na Cruz.84 Para que o sofrimento seja justificado em qualquer caso, ele deve funcionar para o bem espiritual da eventual conquista da união com Deus no céu pelo sofredor.

Stump reconhece que há algo contraintuitivo ou mesmo repugnante nessa interpretação do sofrimento e, portanto, aborda diversas objeções. Primeiro, essa visão parece negar que o sofrimento humano seja realmente um mal. Mas isso não é verdade, porque o sofrimento em si é um mal na perspectiva de Stump; ele só se justifica condicionalmente à luz do benefício espiritual que oferece a quem sofre. Contudo, se o sofrimento é um mal, então Deus parece imoral por desejar um mal em prol do bem; nem mesmo Deus pode desejar diretamente o mal para que o bem resulte dele. A resposta de Stump a essa objeção é complexa. Ela argumenta que Deus nunca deseja diretamente o sofrimento enquanto mal por si só, mas apenas "na medida em que é um meio para um fim"85; isto é, apenas na medida em que é ordenado para o aprimoramento espiritual do sofredor. Parece que o sofrimento pode ser desejado por Deus precisamente por estar ligado a um bem espiritual para o sofredor. Contra a objeção de que tal remédio espiritual parece amplamente ineficaz, Stump argumenta que, mesmo que não vejamos nenhum aprimoramento espiritual, isso não significa que não haja algum bem espiritual sendo alcançado. Mesmo no caso difícil de bebês que sofrem, é possível que Deus possa extrair algum bem espiritual disso, por mais misterioso que isso nos pareça; nunca seremos capazes de julgar os resultados do sofrimento na vida espiritual de uma pessoa. Poderia-se objetar que algumas formas de sofrimento parecem tão horrendas que Deus nunca poderia ser justificado em incorporá-las à sua providência, mas, dadas as consequências — a vida eterna —, parece que qualquer forma de sofrimento poderia ser justificada. Também se poderia objetar que essa doutrina encoraja os seres humanos à passividade. Diante do mal, temem interferir na obra redentora de Deus. Stump rejeita essa objeção. Os seres humanos têm a obrigação moral e evangélica de aliviar o sofrimento sempre que possível; jamais podem presumir que qualquer sofrimento alheio seja algum tipo de terapia divina, pois somente Deus pode saber disso. Tampouco um ser humano pode presumir participar da redenção de outro por meio da imposição de sofrimento, pois somente Deus pode fazer isso.

A doutrina do inferno apresenta um problema especial porque se trata de uma imposição não terapêutica de sofrimento punitivo por Deus, que parece, portanto, sem sentido e contrária à bondade amorosa de Deus. Stump argumenta, contudo, que uma versão dantesca do inferno se justifica segundo a concepção de amor e bondade divina apresentada por Tomás de Aquino. 86 Amar outra pessoa é querer o bem em benefício dessa outra pessoa; é querer que ela se realize de acordo com a natureza humana. O amor também é unitivo; busca promover a união de vontades na amizade. O amor de Deus, portanto, quer o bem para todos os seres humanos, desejando que suas vontades busquem a realização por meio da obediência e da amizade com Ele. Qualquer habitante do inferno, porém, está lá precisamente porque escolheu livre e definitivamente não ter um relacionamento com Deus como bem supremo, em favor da busca de algum outro fim. Tal pessoa teria desenvolvido um conjunto de disposições viciosas e deformações de caráter como resultado de uma vida desordenada. Stump argumenta que Deus não pode preencher tais personagens com a Sua própria vontade, pois isso violaria a liberdade humana. Tampouco Deus pode aniquilá-los, pois isso implicaria uma diminuição do ser e da bondade. Portanto, a adequação de um inferno dantesco porque:

"Na visão de Dante, o que Deus faz com os condenados é tratá-los de acordo com sua segunda natureza, a natureza adquirida que eles escolheram para si mesmos. Ele os confina em um lugar onde não podem mais causar mal aos inocentes. Dessa forma, ele reconhece sua natureza má e mostra que se importa com ela, porque, ao impedir que os condenados pratiquem mais o mal, ele evita sua maior desintegração, sua maior perda de bondade e de ser. Ele não pode aumentar ou completar o ser dos condenados; mas, ao impor restrições ao mal que eles podem praticar, ele pode maximizar seu ser, impedindo-os de uma decadência adicional. Dessa forma, então, ele demonstra amor – o tipo de amor de Tomás de Aquino – pelos condenados."87

Além de impedir que os condenados prejudiquem os outros e se diminuam ainda mais, um inferno dantesco também lhes proporciona, amorosamente, a oportunidade de agir de acordo com suas segundas naturezas livremente escolhidas. Stump explica:

"Devido à natureza que atribuiu a si mesmo, o mais próximo que Filippo Argenti pode chegar do funcionamento natural de um ser humano é agir com ira. Ao conceder-lhe um lugar para exercer sua ira, Deus lhe permite tanto ser, e portanto tanta bondade, quanto Filippo é capaz de ter. Deus faz o que pode, então, para preservar e maximizar o ser de Filippo e o ser de cada um dos condenados. Ao fazer isso, ele trata os condenados de acordo com sua natureza e promove o bem deles; e porque ele é a própria bondade, ao maximizar o bem dos condenados, ele se aproxima o máximo possível de uni-los a si mesmo - isto é, ele os ama."88

Segundo Stump, então, o inferno é o estado onde aqueles que Deus não pode unir a si mesmo porque escolheram o contrário vivem em um estado determinado por suas próprias escolhas desordenadas. O inferno é intrinsecamente doloroso porque é fundamentalmente desordenado e auto-frustrante, mas, ainda assim, é o melhor estado possível para as pessoas que o escolheram, supondo que a aniquilação não seja uma opção.89

Stump resume sua versão da solução do livre-arbítrio da seguinte forma:

"Como é uma condição necessária para a união com Deus, o exercício significativo do livre-arbítrio empregado pelos seres humanos no processo que é essencial para sua salvação do próprio mal é de tão grande valor que supera todo o mal do mundo."90

A solução de Stump é própria; isto é, ela não a oferece como uma interpretação de Tomás de Aquino. No entanto, ela recorre frequentemente a Aquino e oferece sua solução como uma que tem profundas afinidades com Aquino. Em pelo menos dois pontos centrais, porém, há bons motivos para se preocupar com o fato de ela ter oferecido leituras distorcidas de Aquino para incluí-lo em sua própria solução. O primeiro é sua interpretação da relação entre causalidade divina e livre-arbítrio. Stump aceita a visão comum às defesas contemporâneas do livre-arbítrio de que Deus não pode fazer com que a vontade escolha sem comprometer a liberdade moralmente significativa no sentido libertário. Como vimos ao longo deste capítulo, porém, a maioria dos tomistas tradicionalmente segue Tomás de Aquino ao defender uma visão forte da causalidade divina, especialmente no que diz respeito à vontade do bem. Quando se trata do ponto crucial da interpretação da relação entre graça e livre-arbítrio, a leitura "caridosa" de Stump sobre Aquino, que permite uma espécie de prioridade à vontade humana ao se voltar para Deus em busca da graça, não é caridosa com Aquino na medida em que omite o que Aquino tem a dizer sobre a prioridade da graça de Deus no ato de conversão. Stump ignora os textos de Aquino sobre a graça operativa e se concentra, em vez disso, no que é chamado de graça cooperativa. Ao distinguir as duas, no entanto, Aquino escreve:

“A graça pode ser entendida em dois sentidos. Num sentido, designa a assistência divina pela qual Deus nos move a querer e praticar o bem; no outro sentido, significa o dom habitual implantado em nós por Deus. Em ambos os sentidos, a graça pode ser convenientemente dividida em graça operante e graça cooperativa. Pois a operação de um determinado efeito não é atribuída ao movido, mas sim ao motor. No efeito em que nossa mente é movida sem ser o motor, sendo Deus o único agente, a operação é atribuída a Deus, e isso é chamado de graça operante. No efeito em que nossas mentes são tanto movidas quanto motoras, a operação não é atribuída unicamente a Deus, mas também à alma, e isso é chamado de graça cooperativa. Ora, existem dois tipos de atos de vontade. O primeiro é o ato interior da vontade. Quando se trata desse ato, a vontade se relaciona como movida a Deus como motor, especialmente quando começamos a querer o bem depois de termos desejado o mal. Na medida em que Deus move a mente humana para esse tipo de ato, diz-se que isso é graça operante."91

Este texto representativo deixa claro que é a graça de Deus que move a vontade do pecador à conversão; atribuir uma capacidade para tal conversão a Deus à parte da graça é, de fato, como Stump antecipa, sustentar algum tipo de posição pelagiana. Quando se trata da graça da conversão e da justificação, que é o que a graça operante efetua, a vontade é movida em vez de se mover; é somente posteriormente, já justificada, que a pessoa se torna um agente sob a graça. E, no entanto, Tomás de Aquino acreditava que a graça operante de Deus é compatível com a liberdade de escolha: Deus move a vontade para escolhê-lo livremente.92 Como Davies observou na seção anterior, um tomista não pode subscrever a visão de liberdade presente nas versões contemporâneas da defesa do livre-arbítrio e ainda ser fiel à visão metafísica de Aquino sobre a relação entre Deus e as criaturas.

O segundo ponto principal de controvérsia diz respeito à relação do sofrimento humano com a vontade de Deus. De acordo com Stump, "Tomás de Aquino pensa que a dor e o sofrimento de “Todas as formas de sofrimento são o remédio de Deus para este câncer espiritual [o estado de pecado original].”,93 Ela cita inúmeros textos onde Tomás de Aquino diz algo semelhante, mas os textos em que Aquino atribui a causa do sofrimento humano a Deus dizem respeito ao malum poena, não ao malum culpa. A discussão de Stump mistura “todas as formas de sofrimento” de uma maneira que ignora a preocupação tradicional em distinguir entre a relação de Deus com o mal penal e o mal moral. Deus é a causa do nosso sofrimento, as enfermidades da nossa condição corporal como uma sanção penal em nome da sua justiça, e na sua misericórdia ele extrai o bem daquilo que sofremos dessa forma, induzindo em nós boas disposições. Mas quando se trata do que sofremos como resultado do mal moral de outros, Deus não é de forma alguma a causa desse sofrimento. O sofrimento infligido por pessoas más aos inocentes não é o “remédio” de Deus. O axioma agostiniano fundamental que rege a discussão de Aquino é que Deus permite o mal porque pode extrair o bem dele. Ele não deseja o mal em prol do bem, nem como um meio para o bem, mas sim faz com que o bem surja do mal. Deus pode transformar o sofrimento infligido a uma pessoa pela maldade moral de outrem em uma ocasião de bem espiritual para essa pessoa, especialmente em união com o sofrimento de Cristo, mas Deus não inflige tal sofrimento como um médico prescreve uma cura dolorosa. A falha de Stump em distinguir entre as diferentes relações que Deus tem com o sofrimento, dependendo de sua origem, coloca a responsabilidade final por muito mal sobre a porta de Deus. Como argumentaria Schillebeeckx, Stump não se esforça o suficiente para distanciar Deus do sofrimento que os seres humanos infligem uns aos outros, e não enfatiza o suficiente a vontade de Deus de se opor ao sofrimento e ao mal. Como argumentaria Rahner, Stump tenta explicar demais.

C. Bernard Lonergan

Lonergan discute o problema tradicional do mal em sua consideração da noção de Deus em Insight.94 Embora Lonergan evite a linguagem tomista tradicional, sua doutrina ecoa muitos dos temas que vimos na tradição.95 Ele começa fazendo distinções entre três tipos diferentes de mal. Primeiro, há o pecado básico como "a falha do livre-arbítrio em escolher um curso de ação moralmente obrigatório ou sua falha em rejeitar um curso de ação moralmente repreensível".96 O pecado básico é uma espécie de irracionalidade fundamental, uma falha ou "contração" da consciência em refletir sobre o que deveria considerar antes de proceder à ação. O pecado básico é, portanto, muito semelhante à explicação tomista tradicional do pecado como enraizada na falha da vontade em considerar a regra apropriada de ação. O que resulta do pecado básico é o segundo tipo de mal, o mal moral, os pecados pessoais reais de ação ou omissão. Em terceiro lugar, há o mal físico, que Lonergan atribui à evolução do mundo por meio de probabilidades emergentes; uma vez que a multiplicidade menos desenvolvida sempre precede as unidades superiores mais desenvolvidas, inevitavelmente há rupturas e falhas no universo físico.

A chave para a reconciliação de Lonergan entre a providência universal de Deus e o mal é argumentar que, como o pecado básico é uma falha irracional em refletir sobre o que se deve fazer, ele não pode ter uma causa e, portanto, não pode ser rastreado Voltando a Deus:

"Ora, se o pecado original é simplesmente irracional, se compreendê-lo consiste em apreender que ele não tem inteligibilidade, então claramente ele não pode estar em dependência inteligível de nada mais. Mas o que não pode estar em dependência inteligível de nada mais, não pode ter uma causa; pois causa é correlativa com efeito; e um efeito é aquilo que está em dependência inteligível de algo mais. Finalmente, se os pecados originais não podem ter uma causa, Deus não pode ser a sua causa. Nem esta conclusão contradiz a nossa afirmação anterior de que todo evento é causado por Deus. Pois o pecado original não é um evento; não é algo que ocorre positivamente; Pelo contrário, consiste na ausência de ocorrência, na ausência na vontade de uma resposta razoável a um motivo obrigatório."97

Ao descrever a relação da vontade de Deus com o pecado original, Lonergan afirma que é necessário criar uma terceira categoria, entre o que Deus quer positivamente e o que Deus não quer, e assim ele retorna à linguagem tradicional da permissão; Deus proíbe, mas permite o pecado original.

Lonergan, em última análise, apela ao bem tradicional da liberdade criada para justificar a permissão de Deus ao mal:

"Claramente, não é mal, mas bom, criar um ser tão excelente que possua autoconsciência racional quando a liberdade naturalmente se segue. Não é mal, mas bom, deixar essa liberdade intacta, ordenar o bem e proibir o mal, mas abster-se de uma interferência que reduziria a liberdade a uma aparência ilusória. Consequentemente, não é mal, mas bom, conceber e efetivar uma ordem mundial, mesmo que pecados básicos irão ocorrer e ocorram."98

De acordo com Lonergan, no entanto, o mal físico e o mal moral não são realmente males porque são inteligíveis e, portanto, bons; apenas o pecado básico é verdadeiramente mal. O mal físico é inteligível e bom porque leva a uma ordem superior. De acordo com Lonergan, o mal moral também leva ao desenvolvimento: "mesmo os males morais, por meio da tensão dialética que geram, levam à sua própria eliminação ou ao reforço do bem moral."99 Essa negação de que o mal físico e, especialmente, o mal moral sejam males genuínos é difícil de entender. Como o mal moral pode ser inteligível se sua causa última (pecado básico) é ininteligível? Como o mal moral e o sofrimento horrível que produziu podem não ser mal? O que é a "tensão dialética" gerada pelo mal moral? Qual é a evidência de que ela leva à eliminação do mal e ao reforço do bem moral? A história parece indicar o contrário. O otimismo de Lonergan em relação ao progresso moral na natureza e na história humana parece carecer de qualquer fundamento racional.100

D. Karl Rahner

O principal estudo de Rahner sobre o problema do mal intitula-se "Por que Deus nos permite sofrer?",101. Embora Rahner reconheça a legitimidade da tradicional preocupação em distinguir, na vontade de Deus, entre causar e permitir, ele considera essa distinção periférica ao verdadeiro problema da relação de Deus com todas as formas de sofrimento. Como a diferença entre causar e permitir parece contribuir pouco para explicar a relação de todo sofrimento com a vontade de Deus, Rahner concentra-se, em vez disso, em por que Deus "permite" (lassen) o sofrimento. Ele reconhece que há legitimidade na distinção tradicional entre o sofrimento que se origina do pecado livremente escolhido (malum culpae) e o sofrimento que não está obviamente ligado ao pecado pessoal (que a tradição identificava como punição pelo pecado original). Rahner argumenta, no entanto, que, como esses dois tipos de sofrimento estão inextricavelmente interligados e são causalmente interdependentes, eles podem legitimamente ser subsumidos em uma categoria genérica de sofrimento.

Rahner examina as respostas teístas tradicionais ao problema do sofrimento e as considera todas insuficientes. A primeira abordagem considera o sofrimento como o subproduto inevitável da evolução do mundo material com uma grande variedade de seres. Rahner rejeita essa abordagem porque ela tenta tratar o mal iniciado livremente como um mal natural; o mal que acomete os seres materiais em sua luta mútua pela sobrevivência não é o mesmo que produziu as câmaras de gás em Auschwitz. Rahner então considera a abordagem tradicional do livre-arbítrio; embora não a atribua a ninguém em particular, fica claro que ele tem em mente a visão tomista clássica delineada na primeira seção. Rahner argumenta que a abordagem clássica não pode absolver Deus atribuindo todo o mal às iniciativas da vontade humana, porque a vontade humana é ela própria abrangida pela providência de Deus. Devido à sua forte doutrina da providência, a visão clássica não pode atribuir à vontade humana a origem causal completa de nada: "a liberdade da criatura não é tão absoluta e inefável como se supõe nessa concepção arrogante, que se recusa a admitir que, em última instância, não pode haver algo no mundo que seja independente de Deus, que nem mesmo essa livre decisão da criatura pode ser tomada por este último inteiramente sozinho e com uma responsabilidade absolutamente indivisível.”102 Como a liberdade humana é liberdade criada, sempre dependente do poder providencial de Deus, ela não pode ser descrita como originando o mal independentemente de Deus. Uma vez que somos livres e responsáveis, não podemos transferir a responsabilidade pelo mal para Deus, mas, como Deus é o criador, não podemos negar que o mal é acolhido pela providência divina. Rahner não oferece nenhuma resolução teórica para o problema da incompatibilidade prima facie entre a causalidade divina e a liberdade humana porque não acredita ser possível dar uma; ambos os polos devem ser mantidos, mas como isso ocorre é um mistério. Assim, embora a história da liberdade criada forneça uma explicação parcialmente válida para o problema do mal, ela não é uma resposta final ou completa, porque a liberdade criada está subsumida na liberdade divina no mistério da providência de Deus. Rahner então prossegue dizendo que a tentativa de explicar o sofrimento como um meio de produzir maturidade moral (teodiceia da formação da alma) é minada pelo excesso de sofrimento sem sentido que marca a história humana; Somente "uma mente nobre, intocada por qualquer sofrimento real, praticando massagem espiritual em uma torre de marfim" ousaria oferecer tal explicação. Por fim, Rahner rejeita a ideia de que o sofrimento se justifica à luz da vida eterna, visto que, como Ivan argumentou em Os Irmãos Karamazov, nenhuma quantidade de felicidade celestial poderia justificar a terrível história de crueldade terrena.

Rahner acredita que todas as teodiceias tradicionais falham porque tentam explicar o que, em última análise, não pode ser explicado: o mistério da liberdade soberana de Deus, expressa em sua providência. Embora o apelo à liberdade humana seja uma explicação parcial do sofrimento humano, essa liberdade está subsumida na liberdade maior e incompreensível de Deus. Fundamentalmente, o erro cometido por todas as formas tradicionais de teodiceia é esquecer a doutrina da incompreensibilidade de Deus. A incompreensibilidade de Deus, a quem Rahner geralmente descreve como o Santo Mistério, é um dos temas mais básicos em toda a teologia de Rahner e um tema que ele remonta ao próprio Tomás de Aquino.103 Para apreciar o significado e a importância da incompreensibilidade divina, precisamos vê-la não como um atributo entre outros, mas sim como uma espécie de meta-atributo que rege tudo o que dizemos sobre Deus quando lhe atribuímos atributos. Não se trata apenas de uma característica do ser interior de Deus, mas também de uma característica da atividade de Deus na criação e na providência.104 Em resposta ao mal, o crente é chamado a render-se em amor ao Santo Mistério de Deus, no qual o sofrimento não é explicado, mas deixa de ser um escândalo em nossa existência ou um problema, porque é visto como parte do incompreensível Mistério de Deus que é o fundamento do nosso ser. Assim, a incompreensibilidade do sofrimento faz parte da incompreensibilidade de Deus; é a maneira pela qual a incompreensibilidade de Deus se manifesta na história humana. Quase ironicamente, porém, Rahner se aproxima de oferecer algo como uma teodiceia tradicional quando explica que nossa experiência de sofrimento incompreensível é necessária para incutir em nós um senso da própria incompreensibilidade de Deus:

"Sem querer introduzir um sistema lógico de pressupostos e conclusões, pode-se dizer, no máximo, que, concretamente, dentro de nossa existência, que só pode ser realizada historicamente em liberdade, o sofrimento é inevitável, na medida em que sua ausência significaria que Deus não seria levado a sério como o mistério incompreensível com o qual temos que lidar aqui e agora, mas permaneceria um teorema abstrato que não nos causaria mais problemas na concretude de nossa vida. No curso real de nossa existência, o fato é que a aceitação de Deus como o mistério intratável e a aceitação silenciosa da inexplicabilidade e da irresponsabilidade do sofrimento são um e o mesmo evento."105

Rahner nega que haja uma conexão lógica entre o sofrimento humano inexplicável e a incompreensibilidade de Deus, mas seu relato parece ligar os dois de uma maneira forte e quase necessária. Rahner parece querer o melhor dos dois mundos: não há teodiceia no sentido tradicional, já que não existe uma resposta humanamente compreensível para o problema do mal, mas existe uma espécie de explicação para o sofrimento inexplicável como uma manifestação adequada da incompreensibilidade de Deus.

E. Edward Schillebeeckx

A seção final da monumental obra de Schillebeeckx, “Cristo: A Experiência de Jesus como Senhor”106, é uma extensa discussão teológica sobre o significado da salvação em Cristo à luz das questões levantadas pelo excesso bárbaro de sofrimento imerecido e sem sentido na história da humanidade. Schillebeeckx critica todos os esforços de teodiceia sob o argumento de que tal mal resiste à explicação racional. Em vez de tentar oferecer uma resposta teórica fútil ao mistério do mal, a principal tarefa humana é prática: opor-se ao mal e aliviá-lo onde quer que ele seja encontrado. Dito isto, porém, Schillebeeckx afirma que recorrer às ideias fundamentais de Tomás de Aquino é necessário para pensar corretamente sobre o mistério do mal:

"Penso que, neste ponto, seria bom recorrer a Tomás de Aquino... ele me parece uma das poucas pessoas que podem nos dar alguns pontos de vista razoavelmente satisfatórios que, ao mesmo tempo, deixam toda a escuridão em sua incompreensibilidade. Mais do que qualquer outro, Tomás enfatiza a prioridade da "primeira causalidade" positiva e onipotente de Deus. Por um lado, como teólogo, ele ousa escrever: "A primeira causa da falta de graça reside em nós"; e, por outro, como filósofo: "Embora Deus seja a causa de nossa vontade, criando-a do nada, esse ser-do-nada pertence à vontade por direito próprio, e não como proveniente de Deus; portanto, qualquer defeito da vontade que lhe pertença por ser criada do nada não pode ser atribuído a uma causa superior"; aqui temos a finitude, por assim dizer, como a "causa primeira". Assim que existem criaturas, existe a possibilidade (não a necessidade) de uma iniciativa negativa e original da finitude, se posso colocar dessa forma." 107

Aqui vemos Schillebeeckx apelando para os mesmos temas que os tomistas clássicos como Jacques Maritain: Deus Criador é a causa primeira de todo o bem, enquanto a liberdade criada é a origem da negatividade e do mal.

Schillebeeckx não acredita que seja possível discutir a relação de Deus com o mal por meio de uma análise genérica da bondade de Deus, mas sim apenas recorrendo a afirmações de fé sobre a ressurreição de Jesus Cristo. Schillebeeckx critica a doutrina tradicional da "vontade permissiva" de Deus porque ela torna Deus, em última instância, responsável pelo mal e obscurece a oposição ativa de Deus ao mal:

"Pois emerge que Deus transcende esses aspectos negativos em nossa história, não tanto permitindo-os, mas os superando, fazendo com que pareçam que não aconteceram. Por natureza, e além de outros aspectos e significados, a ressurreição de Jesus é também uma correção, uma vitória sobre a negatividade do sofrimento e até mesmo da morte. Do ponto de vista da Bíblia cristã, para qualquer pessoa que pense historicamente, não se trata de uma questão de "permissão divina" para o mal e o sofrimento imerecido (esta é a iniciativa da finitude), mas da vitória de Deus sobre esta iniciativa particular do finito. Somente na superação dela podemos dizer que os aspectos negativos em nossa história têm um papel indireto no plano de salvação de Deus: Deus é o Senhor da História."108

O sofrimento e o mal tornam-se parte do plano de Deus somente na medida em que Deus os supera, não como meios divinamente desejados para a salvação. Fim. O sofrimento e a morte de Jesus na cruz foram resultado da maldade humana, não da vontade de Deus; tornam-se parte do plano salvífico de Deus somente na medida em que Deus triunfa sobre a maldade humana. O próprio Jesus nunca ofereceu uma explicação teórica geral para o sofrimento humano, mas, em sua pessoa, mostrou que Deus se opõe ativamente ao sofrimento humano em todas as suas formas. E, ao ressuscitar Jesus dos mortos, Deus mostrou que o mistério da misericórdia é, em última análise, mais poderoso do que o mistério do mal, mesmo que não possamos compreender como. É aqui, no mistério de Cristo como a resposta final de Deus ao problema do mal, que todos os tomistas querem deixar o leitor.

 

Notas

1 Este ponto é levantado por Timothy Jackson na abertura de seu artigo "Deve Jó Viver para Sempre? Uma Resposta a Aquino sobre a Providência", publicado em The Thomist 62 (1998): 1-3.

2 ST I, 2, 3 ad 1. A citação de Agostinho é do Enchiridion, capítulo 11.

3 Esta é a intuição por trás da afirmação do Exultet da Páscoa: "Ó feliz culpa, ó pecado necessário de Adão que nos conquistou um redentor tão grande."

4 Para uma abordagem que tenta se manter filosófica nessa linha, veja Georges Van Riet, "Le probûme du mal dans la philosophie de la religion de saint Thomas", Revue philosophique de Louvain 71 (1973): 5-45.

5 Trad. Michael Barry (Nova York: PJ. Kenedy & Sons, 1963).

6 Sobre o bem como uma propriedade transcendental, veja Jan Aertsen, Medieval Philosophy and the Transcendentals: The Case of Thomas Aquinas (Leiden: J. Brill, 1997), 290-334.

7 ST I, 5, 1 ad 1 faz esta importante distinção entre bonum secundum quid e bonum simpliciter.

8 ST I, 49, 1. Anjos caídos em geral e Satanás em particular não funcionam como causas últimas do mal. A história de sua queda e seu papel na providência de Deus não é um tópico que será abordado neste capítulo.

9 Uma discussão interessante sobre a afirmação de que o mal nunca é diretamente intencional encontra-se em Carlos Steel, "Does Evil Have a Cause? Augustine's Perplexity and Thomas's Answer," Review of Metaphysics 48 (1994): 251-273.

10 ST 1,47, I.

11 ST I, 47, 2.

12 ST I, 48, 2 ad 1.

11 Ver Gregory Reichberg, "A Comunicação da Natureza Divina: A Resposta de Tomás ao Neoplatonismo", Anais da Associação Filosófica Católica Americana 66 (1992): 215-228. Para uma visão alternativa, argumentando que a bondade de Deus exige difusão ad extra na criação, ver Norman Kretzmann, A Metafísica do Teísmo (Oxford: Clarendon Press, 1997), 220-225.

14 ST I, 25, 5.

15 John Hick, O Mal e o Deus do Amor, Edição Revisada (São Francisco: Harper & Row, 1977), 160-166.

16 ST I, 25, 6. Para uma discussão abrangente desta questão, ver Norman Kretzmann, A Metafísica do Teísmo (Oxford: Clarendon Press, 1997), 220-225. Metafísica da Criação (Oxford: Clarendon Press, 1999), 216-227.

17 ST I, 48, 5 e DM 1,4. I.

18 ST I, 48, 6.

19 DM 1,4.

20 ST I-II 71

21 Ver Claude Geffre, "La possibilite du peche," Revue Thomiste 57 (1957): 213-245.

22 ST I, 63, 1.

23 Ver a discussão sobre a lei natural nas páginas 140-150.

24 (Milwaukee: Marquette University Press, 1942).

25 DM 1,3.

26 Maritain argumenta que a não consideração da vontade antes do ato de escolha é, de alguma forma, uma iniciativa defeituosa da vontade que é, em última análise, responsável pelo mal sem ser uma privação. Outros tomistas, incluindo eu mesmo, pensam que a não consideração da regra só é má na medida em que precede e governa logicamente a escolha pecaminosa como uma privação. Para defesas contemporâneas de Maritain, veja Jacques Maritain: O Homem e sua Metafísica. ed. John F.X. Knasas (American Maritain Association, 1988), 191-253.

27 ST I-II, 10,2.

28 A melhor visão geral em inglês pode ser encontrada nos Apêndices e comentários de T. C. O'Brien em sua tradução das questões relevantes (I-II, 81-86) no Volume 26 da Suma Teológica dos Blackfriars: Pecado Original (Londres: Eyre & Spottiswoode, 1965).

29 ST I, 95, I.

30 Os seres humanos originais também desfrutavam de um relacionamento pessoal sobrenatural com Deus na graça, mas não vou elaborar esse relacionamento aqui porque o foco está no que foi perdido para a natureza como resultado da Queda.

31 ST II-II 162 3

32 John Bowlen argumentou que Tomás de Aquino é incomumente voluntarista ao explicar o pecado em Adão e Eva. Veja "Psicologia e Teodiceia em Tomás de Aquino", Filosofia e Teologia Medieval 7 (1998): 129-156.

33 Sobre as capacidades morais dos seres humanos caídos, ver ST I-II, 109.

34 SCG IV, 52.

35 ST I, 49, 2.

36 ST I-II, 88, 1.

37 ST I-II, 87, 3.

38 SCG IV, 93.

39 ST I-II, 87, 4.

40 SCG IV, 90.

41 SCG III, 144.

42 Este relato pressupõe que a cada pessoa é dada a oportunidade de entrar em um relacionamento amoroso com Deus durante esta vida. Sobre o problema da salvação universal e outras religiões, ver o Capítulo Nove.

43 ST I-II, 79.

44 ST I, 104-105. Veja a discussão sobre criação e conservação no Capítulo Oito, pp. 185-187.

45 São Tomás e o Problema do Mal, 19. A ênfase está no original.

46 ST I, 19,8.

47 ST I, 19, 12.

48 ST I, 104.

49 ST I, 105.

50 Abordo a questão mais ampla em meu artigo "Causalidade Divina e Liberdade Humana em Tomás de Aquino", American Catholic Philosophical Quarterly 72 (1998): 99-102 e na discussão sobre a providência divina no Capítulo Oito.

51 A melhor visão geral do debate clássico sobre este tópico é J. H. Nicolas, O.P., "La permission du peche", Revue Thomiste 60 (1960): 5-37, 186-206, 509-546. Minha tipologia aqui é baseada em Nicolas.

52 ST I, 14,8.

53 Ver Sobre a Presciência Divina (Parte IV da Concordia), trad. Alfred J. Freddoso (Ithaca: Cornell University Press, 1988). A introdução de Freddoso é uma visão geral magistral do Molinismo. Para uma defesa contemporânea do Molinismo, ver Thomas P. Flint, Providência Divina: A Explicação Molinista (Ithaca: Cornell University Press, 1998).

54 A crítica clássica é R. Garrigou-Lagrange, O.P., trad. Dom Bede Rose, O.S.B., Predestinação (St. Louis: B. Herder Book Co., 1944), 126-152.

55 Esta é a avaliação que ele oferece em Deus e a Permissão do Mal, trad. Joseph W. Evans (Milwaukee: The Bruce Publishing Company, 1966), viii.

56 Dominic Banez (1528-1604) foi o principal crítico dominicano de Molina no grande debate sobre a graça e o livre-arbítrio, comumente chamado de controvérsia De auxiliis (do latim, graça). As opiniões de Banez constituíam praticamente a linha oficial entre os dominicanos até meados deste século (por exemplo, Garrigou-LaGrange). Agora, muitos, inclusive eu, acham que Banez chega muito perto de transformar Tomás de Aquino em um determinista divino.

57 Para um contraste entre a maneira como os tomistas apelam ao livre-arbítrio e a posição da Defesa do Livre-Arbítrio de Alvin Plantinga, veja Theodore I. Kondolean, "The Free Will Defense: New and Old", The Thomist 47 (1983): 1-42. Discutirei a perspectiva de um apelo tomista ao tipo contemporâneo de defesa do livre-arbítrio na segunda parte do capítulo.

58 ST III, I, 3.

59 Para o contexto sobre estes, veja o Capítulo Um.

60 Sua apresentação mais desenvolvida é "O Problema do Mal", em Filosofia da Religião: Um Guia para o Assunto, ed. Brian Davies (Washington, D.C.: Georgetown University Press, 1998), 163-201. Os principais esboços apareceram anteriormente em sua Introdução à Filosofia da Religião, Nova edição (Nova York: Oxford University Press, 1993), 32-54. Veja também "Como Deus é Amor?" em Verdade Moral e Tradição Moral, ed. Luke Gormally (Dublin: Four Courts Press, 1994), 97-110.

61 "O Problema do Mal", 177-8.

62 Ibid., 179.

63 Ibid., 182.

64 Deus, Liberdade e Mal (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), 7-64.

65 Ibid., 193.

66 Ibid., 195. A referência a Rowe indexa "The Problem of Evil and Some Varieties of Atheism", em The Problem of Evil, ed. Marilyn McCord Adams e Robert Merrihew Adams (Nova York: Oxford University Press, 1990), 126-137.

67 Ibid., 197.

68 Ibid., 198.

69 Ibid., 182.

70 ST I-II, 61, 5.

71 ST I, 21, 1.

72 ST 1,21,2.

73 ST 1,21,4.

74 Davies fala sobre o princípio da semelhança causal que sustenta a atribuição de bondade a Deus, mas não relaciona essa discussão à analogia. Veja "O Problema do Mal", 187-190.

75 Uma preocupação adicional sobre a posição de Davies é que ela parece abrir caminho para o voluntarismo, ao insistir que Deus não está sujeito a nenhuma lei moral da mesma forma que está sujeito à lei lógica da não contradição. Embora seja verdade que Deus não está sujeito a uma lei moral externa, as ações de Deus são governadas por sua própria bondade; que é, de acordo com a doutrina da simplicidade divina, idêntica à natureza de Deus.

76 Davies teria razão em objetar, no entanto, que a abordagem clássica pressupõe premissas teológicas que são inadequadas no contexto da filosofia da religião.

77 "O Problema do Mal", Fé e Filosofia 2 (1985): 392-423.

78 Ibid., 400.

79 "Expiação segundo Aquino", em Filosofia e a Fé Cristã, ed. Thomas V. Morris (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1988), 82-84.

80 "O Problema do Mal", 409.

81 Ibid., 409.

82 "Aquino sobre os Sofrimentos de Jó", em Fé Racional, ed. Stump (Ithaca: Cornell University Press, 1993), 328-357. A tradução para o inglês é Thomas Aquinas, The Literal Exposition on Job, trad. Anthony Damico, ensaio interpretativo e notas de Martin D. Yaffe, Classics in Religious Studies, nº 7 (Atlanta: Scholars Press, 1989).

83 Ibid., 340

84 Stump se esforçou para corrigir sua identificação anterior do propósito do sofrimento com a conversão dos caídos. Conforme observado aqui, esse tipo de explicação não consegue explicar o sofrimento dos justos. Entre "O Problema do Mal" e "Tomás de Aquino sobre os Sofrimentos de Jó", Stump revisou suas opiniões em "Providência e o Problema do Mal" em Filosofia Cristã, ed. Thomas P. Flint (Notre Dame: University Notre Dame Press, 1990), 51-91. Esta obra traz alguns esclarecimentos importantes sobre sua posição sob a influência da doutrina da providência de Tomás de Aquino.

85 Ibid., 347.

86 "O Inferno de Dante, a Teoria Moral de Tomás de Aquino e o Amor de Deus", Canadian Journal of Philosophy 16 (1986): 181-198.

87 Ibid., 196-7.

88 Ibid., 197.

89 O único tomista que conheço que defende a aniquilação em vez do inferno é Edward Schillebeeckx em Igreja: A História Humana de Deus, trad. John Bowden (Nova York: Crossroad, 1990). 134-139. Ele argumenta que, se a comunhão com Deus é o fundamento da vida eterna, e os condenados são excluídos disso por sua própria escolha, então eles deveriam sofrer a "segunda morte" bíblica (Ap 20:6) da aniquilação.

90 "O Problema do Mal", 415-6.

91 ST I-II, 111,2.

92 ST I-II, 113,3. O melhor livro sobre o problema é Bernard Lonergan, Grace and Freedom: Operative Grace in the Thought of Thomas Aquinas.

93 "Aquinas on the Sufferings of Job," 340

94 Insight: A Study of Human Understanding, edição revisada para estudantes (Londres: Longmans, 1958), 666-669. Há também uma consideração do mal sob o aspecto do "conhecimento transcendental especial" no Capítulo Vinte, mas essa discussão é complexa e difusa demais para ser recapitulada aqui.

95 Para uma comparação entre Lonergan e Maritain, veja David I. Higgins, "Evil in Maritain and Lonergan," em Jacques Maritain: The Man and his Metaphysics, 235-242.

96 Ibid., 666.

97 Ibid., 667.

98 Ibid., 668.

99 Ibid.

100 Para uma tentativa de argumentar a favor da superioridade de uma abordagem lonerganiana do mal, veja "Filosofia de Deus, Teologia e os Problemas do Mal", Michael Vertin, Laval theologique et philosophique 37 (1981): 15-31.

101 Investigações Teológicas, Vol. 19, trad. Edward Quinn (Nova York: Crossroad, 1983), 194-208.

102 Ibid., 20 I.

103 Veja pp. 47-48 sobre a via negativa.

104 Ver “A questão humana do significado diante do mistério absoluto de Deus”, Investigações Teológicas, vol. 18, trad. Edward Quinn (Nova York: Crossroad, 1983), 89-104.

105 “Por que Deus nos permite sofrer?”, 206-7.

106 Trad. John Bowden (Nova York: Crossroad, 1986).

107 Ibid., 728. A ênfase é de Schillebeeckx. A primeira citação é de ST I-II, 112, 3. A segunda citação é de II Sent. d. 37, q.2, a.l, ad 2; eu substituí por minha própria tradução.

108 Ibid., 729. Ênfase no original.

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