Tradução: David Ribeiro

Resumo

Os filósofos da religião contemporâneos geralmente retratam Deus como um agente moral responsável, dotado de virtudes e obrigações. Essa imagem parece ser incompatível com o ser metafisicamente perfeito do teísmo clássico. Neste artigo, defenderei a tese, baseada na leitura do pensamento de Tomás de Aquino, de que não há tal incompatibilidade. Apresentarei os argumentos de Aquino que demonstram que podemos atribuir a Deus não apenas a bondade moral em geral, mas também algumas virtudes morais em sentido estrito, como a justiça e a misericórdia. Mostrarei por que, para Aquino, podemos afirmar que Deus tem deveres morais para consigo mesmo e para com as criaturas. Explicarei como, para Aquino, os deveres morais de Deus não são absolutos, mas condicionalmente necessários. Finalmente, mostrarei como, na visão de Aquino, não há contradição em afirmar que todo ato de Deus é, simultaneamente, um ato de justiça e um ato supererrogatório de misericórdia.

I. Introdução

Uma tendência generalizada na filosofia da religião contemporânea retrata Deus como um agente racional com caráter moral, capaz de comportamento moralmente responsável.1 Essa imagem de Deus parece consistente para muitos teístas contemporâneos com a representação de Deus nas escrituras bíblicas, que em algumas passagens o louvam por suas virtudes morais, como santidade,2 justiça3 e misericórdia,4 e o mostram fazendo alianças e cumprindo promessas.5 Essa imagem parece estar em clara oposição à imagem do chamado teísmo clássico, defendido por autores como Agostinho, Anselmo e Tomás de Aquino, que retratam Deus como um ser perfeito, completamente independente das criaturas e metafisicamente incapaz de pecar. À primeira vista, de fato, essas características parecem excluir a possibilidade de conceber Deus como um agente moral.

Primeiro, nossa maneira comum de pensar sobre moralidade está ligada à ideia de virtudes morais. Mas as virtudes morais parecem ser, por definição, disposições acidentais que podem ser adquiridas apenas por meio de um exercício não moralmente infalível do livre-arbítrio. No entanto, o Deus do teísmo clássico não carece de perfeição, portanto, Ele não pode adquirir livremente (e falivelmente) qualquer propriedade acidental. Em segundo lugar, a moralidade também é comumente ligada à ideia de ter deveres e obrigações. Mas deveres e obrigações parecem implicar, em primeiro lugar, uma certa dependência do sujeito que está vinculado pela obrigação em relação ao objeto que cria a obrigação; eles também parecem implicar a possibilidade de o sujeito ser obrigado a cumprir ou não esses deveres e obrigações livremente. Mas o Deus do teísmo clássico é concebido como a fonte última de todo ser: tudo o mais depende Dele e Ele não pode depender de nada diferente Dele mesmo que possa criar uma obrigação. Além disso, Ele é essencialmente bom, portanto, Ele não pode deixar de querer o bem e agir corretamente, e, portanto, Ele não poderia se abster de cumprir Suas supostas obrigações. Portanto, parece que, estritamente falando, o Deus do teísmo clássico não pode ter virtudes e obrigações morais. Esta conclusão representa um desafio à compatibilidade entre o ser perfeito do teísmo clássico e a ideia supostamente mais bíblica de um Deus pessoal, moral e responsável.

Essa aparente incompatibilidade é explicitamente destacada por alguns defensores contemporâneos do teísmo clássico. Diante da questão de se um Deus metafisicamente perfeito pode ter um caráter moral e deveres em um sentido próprio, esses autores apresentam respostas diferentes sobre como essa incompatibilidade deve ser abordada. Brian Davies propôs abandonar o que ele chama de abordagem “personalista” de Deus e recuperar uma perspectiva apofática, removendo da natureza de Deus todas as características distintivas de um agente moral pessoal e, assim, preservando a transcendência absoluta e a perfeição metafísica de Deus.6 Mark Murphy afirma que a perfeição metafísica de Deus como criador de tudo o coloca além do nível dos critérios humanos de moralidade, negando, portanto, que Deus tenha qualquer razão necessária (isto é, qualquer dever moral) para promover o bem-estar das criaturas.7 Thomas Morris sustenta que a bondade moral, as virtudes e os deveres podem ser atribuídos a Deus, mas apenas em um sentido descritivo, não prescritivo.8 Da mesma forma, William Alston afirma que, embora não possamos atribuir deveres morais a Deus, Ele pode ser louvado como moralmente bom, mas apenas na medida em que realiza alguns atos supererrogatórios.9

Apesar de suas diferenças óbvias, as abordagens desses autores têm algumas características em comum. Em primeiro lugar, todos eles partem do pressuposto — explícita ou implicitamente — de que existe um conflito entre o teísmo clássico e a ideia de que Deus pode ter virtudes e obrigações morais. Em segundo lugar, todos tendem a resolver o conflito favorecendo — de uma forma ou de outra — a visão do teísmo clássico, renunciando — ou pelo menos desvalorizando até certo ponto — a ideia de que Deus pode ter deveres ou obrigações morais em sentido estrito. Finalmente, pelo menos alguns deles — nomeadamente, Davies e Murphy — também têm em comum o fato de fundamentarem algumas de suas afirmações fundamentais em uma leitura específica de alguns escritos de Tomás de Aquino que parecem apoiar ou implicar a ideia de que o ser perfeito do teísmo clássico não pode ter qualquer traço de caráter ou deveres morais em sentido estrito.

Neste artigo, tentarei mostrar que as soluções para esse problema apresentadas pelos novos defensores do teísmo clássico mencionados acima não estão historicamente e conceitualmente alinhadas com a visão tradicional do teísmo clássico defendido por Tomás de Aquino. Além disso, oferecerei uma leitura diferente do pensamento de Tomás de Aquino, a fim de mostrar que a ideia que o teísmo clássico apresenta de Deus como um ser metafisicamente perfeito é claramente compatível com Ele sendo um agente moral pessoal, com virtudes e obrigações morais em sentido estrito. Apresentarei essa leitura tanto como uma interpretação historicamente plausível do pensamento de Aquino, quanto como uma contribuição potencialmente relevante para o debate contemporâneo sobre como entender o teísmo clássico.

Na segunda seção deste artigo, apresentarei os argumentos de Aquino mostrando que, dada a perfeição metafísica de Deus, podemos atribuir a Ele não apenas a bondade moral em geral, mas também algumas virtudes morais em sentido estrito, como justiça e misericórdia. Na terceira seção, explicarei como, para Aquino, mesmo que as criaturas tenham bondade apenas por participação, elas têm bondade intrínseca e, portanto, podem ser o objeto legítimo de deveres ou obrigações divinas. Na quarta seção, apresentarei os argumentos de Aquino mostrando que podemos dizer que Deus de fato tem deveres morais para consigo mesmo e para com suas criaturas, mesmo que estes últimos sejam apenas condicionalmente necessários. Na quinta e última seção, tentarei mostrar como, na visão de Tomás de Aquino, não há contradição em dizer que todo ato de Deus é, ao mesmo tempo, um ato de justiça e um ato supererrogatório de misericórdia.

II. A Perfeição Metafísica e a Virtude Moral de Deus

Alguns defensores recentes do teísmo clássico tentaram resolver a questão do caráter moral de Deus de uma maneira que, ao mesmo tempo, busca contornar o argumento ateísta do mal. É o caso da abordagem extremamente apofática de Brian Davies ao problema do caráter moral de Deus. Uma forma comum e influente de formular o argumento ateísta do mal pressupõe que um Deus onipotente e onibenevolente deveria ser moralmente obrigado a suprimir completamente todo o mal no mundo. Para bloquear esse argumento desde o início, Davies sugeriu, supostamente seguindo Tomás de Aquino, que a bondade moral não pode ser atribuída a Deus em sentido estrito. Além disso, ele afirma que Deus não é um agente moral, sujeito a louvor ou censura moral (88). Ele fundamenta essa afirmação na ideia de que Deus é o Criador, isto é, a fonte última de todo o ser existente. De acordo com essa ideia, Deus é colocado fora do reino dos existentes (91) e é radicalmente diferente de qualquer coisa criada, então precisamos pensar nele como sendo radicalmente incompreensível (91-2). Conceitos como dever, obrigação, virtude e vício, tipicamente atribuídos a agentes morais, são inadequados para representar a realidade de Deus (92). Para Davies, até mesmo a fórmula “Deus é uma pessoa” é um slogan criado por filósofos da religião contemporâneos para apoiar a afirmação de que Deus é um agente moral, mas não é uma boa maneira de retratar Deus dada a incomparabilidade absoluta entre Deus e as criaturas (93-4).10

Davies está ciente de que o próprio Tomás de Aquino atribui algumas virtudes morais a Deus, como justiça e misericórdia, embora em um sentido analógico (101). No entanto, ele pensa que quando Aquino atribui essas virtudes a Deus, ele quer dizer apenas que nada que Deus produz - incluindo virtudes morais - pode deixar de ter algum fundamento na natureza de Deus; Essa atribuição, contudo, não implicaria que Deus seja um indivíduo sujeito a deveres e obrigações, ou que Ele demonstre qualquer tipo de virtude aristotélica (99). Como diz Davies,

“dadas as maneiras pelas quais as pessoas geralmente pensam sobre a bondade moral, é enganoso dizer que Deus é moralmente bom se estivermos pensando em Deus nos moldes de Tomás de Aquino. Aquino pensa que os gatos derivam de Deus e, portanto, refletem o que Ele é. Mas ele nunca sugere que devamos adotar o slogan “Deus é felino” (embora ele certamente esteja comprometido com a conclusão de que a felinidade está de alguma forma em Deus).” (99)

Davies afirma que, embora a bondade moral derive de Deus e tenha seu fundamento último na natureza de Deus, ser “moralmente bom” é uma perfeição que podemos encontrar apenas em criaturas como tais (100), portanto, não pode ser adequadamente atribuída a Deus. Para Davies, pode-se dizer que Deus é bom apenas porque ele é a fonte do ser e da bondade de tudo o que foi criado, mas não no sentido de que Ele é moralmente bom, estritamente falando (100-1).

Embora Davies utilize alguns textos de Tomás de Aquino para sustentar sua posição, creio que sua interpretação é imprecisa. A meu ver, Davies negligencia alguns aspectos importantes do pensamento de Aquino que contrabalançam — ou mesmo contradizem — suas conclusões. Em primeiro lugar, sua interpretação deixa de lado uma característica importante da doutrina de Aquino sobre a predicação analógica dos “nomes” ou atributos divinos. Para Aquino, embora todos os atributos que atribuímos a Deus sejam extraídos das perfeições que encontramos nas criaturas, há alguns nomes que podem ser atribuídos a Deus “substancialmente” ou “em sentido próprio”, e não simplesmente “causalmente”, isto é, não apenas na medida em que Deus é a causa dessas perfeições.11 Nesse sentido, Aquino estabelece uma distinção nítida e clara entre diferentes tipos de nomes divinos. Alguns deles — por exemplo, “sabedoria” ou “bondade” — podem ser atribuídos a Deus “formalmente” ou “essencialmente”; Nesses casos, a realidade significada pelo nome existe principalmente em Deus, e o nome não denota a limitação com que essas perfeições existem nas criaturas (ST I.13.3.ad1). Outros nomes — por exemplo, “leão” ou “pedra” — podem ser atribuídos a Deus apenas metaforicamente; Nestes outros casos, a realidade significada pelo nome existe principalmente nas criaturas e o nome inclui em sua própria definição a imperfeição ou limitação que encontramos nas criaturas, de modo que podemos atribuí-las a Deus apenas causalmente, e não formal ou essencialmente (ST I.13.3.ad1).12 Como explica Tomás de Aquino:

“todos os nomes que são ditos de Deus metaforicamente são ditos principalmente de criaturas e não de Deus, porque quando ditos de Deus, significam apenas semelhanças com essas criaturas... assim, o nome “leão”, quando dito de Deus, significa apenas que Deus age fortemente em Suas obras da mesma maneira que o leão age [fortemente] em suas próprias [obras]. E, portanto, é claro que, na medida em que são ditos de Deus, seu significado só pode ser definido pelo que pode ser dito da criatura. O mesmo aconteceria com os outros nomes que não são ditos de Deus metaforicamente, se fossem ditos de Deus apenas em um sentido causal, como alguns supuseram. Portanto, quando dizemos que “Deus é bom”, significaria apenas que “Deus é a causa da bondade da criatura”, e, portanto, o nome “bom”, dito de Deus, incluiria em seu significado a bondade da criatura. E então, “bom” seria dito primariamente da criatura, e não de Deus. Mas, como foi mostrado acima, tais nomes são ditos de Deus não apenas causalmente, mas também essencialmente. Porque quando dizemos que “Deus é bom” ou “sábio”, queremos dizer não apenas que Ele é a causa da sabedoria ou da bondade, mas também que essas [perfeições] preexistem nEle eminentemente. Portanto, de acordo com isso, deve-se dizer que, com relação à realidade significada pelo nome, eles são ditos primariamente de Deus, e não das criaturas, porque essas perfeições fluem de Deus para as criaturas.” (ST I.13.6)

É claro que, para Tomás de Aquino, Deus é dito ser “bom” essencialmente, e não apenas causalmente ou metaforicamente. Ainda assim, pode-se questionar se, neste caso, Aquino está se referindo à bondade moral ou simplesmente à bondade metafísica ou ontológica. Segundo Tomás de Aquino, todo ser é ontológica ou metafisicamente bom na medida em que seu ser, enquanto tal, é desejável em virtude de sua perfeição (ST I.5.1).¹³ Nesse sentido, diz-se que Deus é bom porque Ele, como fonte de todo o ser, é maximamente desejável (ST I.6.1). A bondade moral, por sua vez, consiste para Aquino em uma certa plenitude das ações livres dos seres racionais (ST I-II.18.1) e, portanto, parece ser uma propriedade acidental que afeta tais ações. Assim, visto que Deus não possui propriedades acidentais (ST I.3.6), pode-se argumentar em favor da posição de Davies de que podemos atribuir a Deus apenas bondade ontológica, mas não bondade moral.

A este respeito, é importante considerar que a distinção entre bondade ontológica e bondade moral (concebida como uma propriedade acidental dos atos das criaturas racionais) aplica-se, para Tomás de Aquino, apenas às criaturas enquanto tais, e deriva do fato de serem seres metafisicamente compostos. Mas, dada a simplicidade divina, a bondade ontológica e a bondade moral são uma e a mesma realidade em Deus, mesmo que possamos distingui-las conceitualmente. O fato de as criaturas racionais precisarem adquirir sua perfeição última por meio de ações livres (responsáveis ​​e morais) deve-se ao fato de não possuírem perfeição absoluta por natureza. Deus, ao contrário, é para Aquino um ser absolutamente simples, e, portanto, possui bondade e perfeição infinitas por natureza (ST I.4.2). Como diz Tomás de Aquino:

"Só Deus é essencialmente bom. Diz-se que uma coisa é boa na medida em que é perfeita. Mas a perfeição das coisas pode ser considerada de três maneiras diferentes. Primeiro, na medida em que a coisa é constituída em seu próprio ser. Segundo, na medida em que alguns acidentes são acrescentados à coisa, necessários para o seu perfeito funcionamento. Terceiro, uma coisa é perfeita na medida em que atinge outra coisa como seu fim. [...] Mas esta tríplice perfeição não pertence a nenhuma criatura em virtude de sua própria essência, mas somente a Deus, em Quem somente a essência é o Seu próprio ser; e a Quem nenhum acidente pode ser acrescentado; porque o que é atribuído acidentalmente a outros, é atribuído essencialmente a Ele, como ser poderoso, sábio e coisas semelhantes, como é evidente pelo que foi dito antes. Ele não é direcionado a algo como Seu fim, mas antes Ele é o fim último de tudo. Portanto, é evidente que somente Deus possui todo tipo de perfeição em virtude de Sua própria essência. E, portanto, somente Ele é essencialmente bom." (ST I.6.3)

A partir deste texto, podemos concluir que a razão pela qual a bondade moral (entendida como uma certa plenitude das ações livres dos seres racionais) é um tipo de perfeição acidental nas criaturas, distinta de sua perfeição substancial ou ontológica, deve-se ao fato de que, dado que as criaturas têm ser apenas por participação, elas não possuem por natureza toda a perfeição que se pretende alcançar. A bondade de Deus, porém, é essencial e, portanto, contém a perfeição de todos os diferentes tipos de bondade, incluindo, é claro, a bondade moral. Por essa razão, ao contrário do que afirma Davies, a bondade moral pode ser atribuída a Deus, não apenas na medida em que Ele é a fonte ou fundamento da bondade moral nas criaturas, mas também na medida em que Sua perfeição ontológica contém essencialmente a perfeição da bondade moral. Além disso, dado que para Tomás de Aquino a bondade moral diz respeito à virtude, segue-se que mesmo a perfeição das virtudes morais pode ser propriamente atribuída a Deus:

"Portanto, assim como o Seu ser é universalmente perfeito e contém de alguma forma toda a perfeição de toda criatura, também a Sua bondade contém de alguma forma a bondade de toda criatura. Mas a 'virtude' é uma certa bondade do virtuoso: pois, segundo ela, ele e as suas obras são chamadas boas. Portanto, a bondade divina contém, à sua maneira, toda virtude."14

Para Tomás de Aquino, uma virtude moral consiste numa certa perfeição das potências apetitivas (ST II–II.129.2) de um ser racional que o dispõe a agir segundo a razão de forma estável (ST I–II.68.3; I–II.68.8). Naturalmente, esses tipos de disposições são “hábitos” em criaturas racionais e hábitos são, por definição, algo acrescentado à essência de uma coisa, ou seja, são propriedades acidentais, e possuem um tipo imperfeito de atualidade, intermediário entre a plena atualidade e a potencialidade.15 É por isso que, como Davies observa corretamente,16 quando atribuímos virtudes a Deus, não devemos entendê-las como “hábitos”, como fazemos quando as atribuímos às criaturas. Tomás de Aquino esclarece esse ponto imediatamente após o texto citado acima, acrescentando que, dada a simplicidade divina, as virtudes morais em Deus devem ser idênticas à Sua essência.17

Contudo, disso não se segue que as virtudes de Deus não sejam virtudes em sentido estrito. Em primeiro lugar, o intelecto e a vontade também são acidentes nas criaturas,18 e, no entanto, nenhum tomista negaria que Deus tem intelecto e vontade em sentido estrito, mesmo levando em conta que, dada a simplicidade, não são realmente faculdades diferentes em Deus, como Davies corretamente destaca.19 Em segundo lugar, para Tomás de Aquino, a característica mais essencial de uma virtude moral não é ser um hábito, mas sim uma disposição apetitiva para agir de acordo com a razão de forma estável. Se tal disposição assume a forma de um hábito — isto é, uma propriedade acidental e uma atualidade imperfeita — no caso das criaturas, é porque as criaturas precisam adquirir essas disposições por meio de ações livres.20 Assim, o fato de Deus não ter propriedades acidentais não o impede de ter uma disposição apetitiva ativa e estável para agir de acordo com a razão, mesmo que essa disposição seja, na realidade, idêntica à sua essência. De fato, segundo Tomás de Aquino, embora Deus não tenha hábitos — isto é, disposições que não sejam nem pura potencialidade nem pura atualidade — podemos atribuir-Lhe potência ativa, ou seja, a capacidade de agir sobre os outros, mesmo que em Deus essa capacidade seja idêntica à Sua atualidade (ST I.25.1). Ora, visto que Deus sempre age sobre as outras coisas por Sua vontade,21 a potência ativa que podemos atribuir a Deus não é outra senão a Sua própria vontade, que é essencialmente uma potência apetitiva, e que em Deus não é uma propriedade acidental. Portanto, a virtude de Deus, a potência ativa de Deus por meio da qual Ele está estávelmente disposto a agir segundo a razão sobre os outros, não é diferente da própria natureza de Deus, como Tomás de Aquino afirma explicitamente: “toda obra de Deus é uma obra de virtude, visto que a Sua virtude é a Sua essência”.22 Em outras palavras, a essência da virtude consiste em ser a perfeição de uma potência ativa e, como tal, é algo que pode ser encontrado formalmente (e não apenas causalmente) em Deus:

“A virtude, seja qual for o entendimento, significa o complemento do poder; e, portanto, a virtude de cada coisa é o que torna bom aquele que a possui, e [também] torna boa a sua ação, como se diz na II Ética. Visto que um poder se mostra completo quando o agente é perfeito e a ação é perfeita, portanto, dado que o poder de Deus é supremamente completo, a virtude encontra-se em Deus acima de tudo.”23

Além disso, Tomás de Aquino afirma explicitamente que as virtudes morais podem ser atribuídas a Deus em diferentes sentidos. Num sentido amplo ou mais comum, toda virtude moral tem seu fundamento e sua causa exemplar na natureza de Deus, mesmo as virtudes cujo sujeito próprio é alguma potência apetitiva sensível, como a temperança e a fortaleza (ST I-II.61.5). Mas num sentido mais restrito e específico, algumas virtudes morais podem ser atribuídas a Deus, não apenas num sentido causal, mas também num sentido próprio ou estrito. Aquino aplica às virtudes morais o mesmo tratamento que aplica a outros nomes divinos, distinguindo os metafóricos dos essenciais. Dado que Deus é um ser imaterial, algumas virtudes morais podem ser atribuídas a Ele apenas metaforicamente, na medida em que se relacionam com paixões e faculdades sensíveis; outras virtudes, porém, dizem respeito à vontade de Deus — que é uma faculdade imaterial — e à distribuição e concessão de todos os bens naturais às criaturas,24 podendo, portanto, ser atribuídas a Deus num sentido próprio. Como explica Tomás de Aquino:

"Algumas virtudes morais dizem respeito às paixões, como a temperança, que diz respeito à concupiscência; a fortaleza, que diz respeito ao medo e à ousadia; e a mansidão, que diz respeito à ira. Tais virtudes só podem ser atribuídas a Deus em sentido metafórico, porque em Deus não há paixões, como já foi dito, nem desejos sensíveis, nos quais essas virtudes residam como em seu sujeito, como diz o Filósofo na Ética a Nicômaco III. Mas algumas virtudes morais dizem respeito a obras, como dar e gastar, justiça, generosidade e magnificência. Essas [virtudes] não residem na parte sensível, mas na vontade. Portanto, nada nos impede de atribuir essas virtudes a Deus, embora não a respeito de ações civis, mas a respeito de ações que sejam próprias de Deus." (ST I.21.1.ad1)

Segundo Tomás de Aquino, podemos atribuir a Deus as virtudes morais relacionadas à concessão de perfeições: a justiça, que diz respeito à concessão de perfeições na medida em que estas são dadas por Deus às coisas de acordo com uma proporção, e a misericórdia, que diz respeito à concessão de perfeições na medida em que estas são dadas por Deus às coisas para expiar defeitos (ST I.21.3). É claro que essas virtudes têm algumas características específicas nas criaturas que não podem ser atribuídas a Deus. Quando atribuída às criaturas, a misericórdia pressupõe certo afeto e passividade (ST I.21.1); a justiça, como Davies demonstra corretamente,25 adota uma forma comutativa nas criaturas, na medida em que regula o dar e receber mútuos, o que não pode ser aplicado a Deus. Contudo, visto que a essência dessas virtudes diz respeito à concessão de bens naturais por Deus às criaturas, e Ele é a fonte primária de todos os bens naturais, elas podem ser atribuídas de forma própria e primordial a Deus:

"O Filósofo exclui as virtudes morais de Deus, na medida em que se limitam a assuntos civis, como a justiça lida com a compra e a venda, e assim por diante; no entanto, isso não exclui que a justiça possa estar em Deus, na medida em que Ele distribui todos os bens naturais a todas as criaturas."26

Para Tomás de Aquino, então, ao contrário do que Davies defende, proposições como "Deus é moralmente bom" ou "Deus tem virtudes morais" devem ser tomadas em sentido estrito, e de modo algum podem ser colocadas no mesmo nível de proposições como "Deus é felino", que só podem ser tomadas metaforicamente. Davies provavelmente está certo ao apontar que existem algumas diferenças fundamentais entre a maneira como Tomás de Aquino e o teísmo personalista contemporâneo abordam o problema do mal. No entanto, quaisquer que sejam as diferenças, certamente não residem na relutância de Aquino em atribuir virtudes morais a Deus.

III. Os Deveres de Deus e o Valor Intrínseco das Criaturas

Uma vez estabelecido em que sentido as virtudes morais podem ser atribuídas a Deus, segundo Tomás de Aquino, permanece um problema subsequente em relação ao caráter moral de Deus. Como expliquei acima, nossa maneira comum de pensar sobre moralidade está essencialmente ligada à ideia de ter deveres ou obrigações. Assim, podemos perguntar se podemos atribuir a Deus não apenas virtudes morais, mas também deveres e obrigações. Uma tentativa recente de negar essa atribuição foi feita, usando uma estratégia que, em certa medida, se assemelha ao argumento de Davies contra as virtudes divinas.

Em seu livro A Ética de Deus, Mark Murphy apresenta uma tentativa de contornar todo o debate sobre o argumento do mal do ateu — e as respostas teístas usuais a ele — colocando Deus além das exigências da justiça humana. Deus, entendido como o ser maximamente perfeito, explica Murphy, é o Criador livre e a fonte última de todo o ser; tudo o mais depende Dele, e Ele não depende de nada distinto de Si mesmo. Portanto, parece que, em termos absolutos, Ele não deve nada a nada nem a ninguém. Murphy defende a ideia de que a ética de um ser metafisicamente perfeito não lhe fornece “razões necessárias”27 para promover a existência e a perfeição ou o bem-estar das criaturas (70-75). Murphy fundamenta essa tese na ideia de que as criaturas não possuem valor intrínseco, mas sim valor apenas pela participação na perfeição de Deus (76-77). Segundo Murphy, como somente Deus realiza todo o bem, a bondade participada da criatura não produz um aperfeiçoamento intrínseco adicional à bondade absoluta que o próprio Deus exemplifica (80). Portanto, conclui Murphy, Deus não pode ser racionalmente obrigado pela bondade da criatura a promover a existência e a perfeição das criaturas (80). Para sustentar essa afirmação, Murphy cita o seguinte texto de Tomás de Aquino:

"Deus ama todas as coisas existentes. Pois toda coisa existente, na medida em que existe, é boa, visto que o ser de cada coisa é um certo bem, assim como qualquer uma de suas outras perfeições. Mas foi demonstrado acima que a vontade de Deus é a causa de tudo, e, portanto, é necessário que algo tenha ser ou qualquer outro bem, somente na medida em que é desejado por Deus. Portanto, Deus deseja algum bem para cada coisa existente. Logo, visto que amar nada mais é do que querer o bem para alguém, é evidente que Deus ama tudo o que existe." (ST I.22.2)

A partir desse texto, Murphy conclui que, para Aquino, o amor de Deus não responde à bondade das criaturas, mas sim "podemos atribuir a Deus o amor pelas criaturas em virtude do fato de Deus ter agido para produzir o ser das criaturas em algum grau de ação" (80). Ora, dado que a bondade das criaturas é uma bondade “participada”, isto é, uma bondade limitada recebida de Deus, ela não acrescenta nenhuma perfeição intrínseca à bondade absoluta já manifestada somente por Deus; portanto, Deus “não precisa criar, e não precisa criar com qualquer grau de perfeição/bem-estar, e, portanto, não poderia ser racionalmente obrigado a fazê-lo” (82). Ora, se Deus não pode ser racionalmente obrigado a agir pela bondade das criaturas, parece que podemos supor que Deus não pode ter nenhuma obrigação ou dever para com elas, visto que ter uma obrigação nada mais é do que ser obrigado a dar a cada uma o bem que lhe é devido.

Murphy certamente tem razão ao afirmar que, para Tomás de Aquino, Deus não é racionalmente obrigado a criar, ou a criar com qualquer grau de perfeição, em termos absolutos. O texto de Aquino citado por Murphy visa explicar que a vontade de Deus é a fonte última da bondade das criaturas, mostrando que nada pode ter bondade a menos que a receba de Deus. No entanto, isso não implica, como conclui Murphy, que para Aquino as criaturas não tenham nenhum valor intrínseco. Diz-se que algo tem valor intrínseco quando tem valor “em si mesmo”, ou “por si só”, ou “como tal”, ou “por direito próprio”.28 É claro que Aquino pensa, como Murphy, que as criaturas têm valor apenas na medida em que recebem sua perfeição da vontade de Deus; mas isso não se opõe à ideia de que as criaturas são valiosas e, portanto, desejadas por Deus, “por si mesmas”, como Tomás de Aquino estabelece explicitamente:

“Deus quer a totalidade das criaturas por si mesmas [propter se ipsam], mesmo que também queira que elas existam por si mesmas [propter se ipsum]; pois não há incompatibilidade entre estas duas coisas. Deus quer que as criaturas existam por causa de Sua bondade [propter eius bonitatem], para que elas a imitem e a representem; o que fazem na medida em que dela derivam seu ser e subsistem em sua própria natureza.”29

As criaturas têm valor intrínseco na medida em que subsistem com seu próprio ato de ser, mesmo que só o tenham por participação. As criaturas têm valor apenas por participação porque recebem toda a sua perfeição da bondade de Deus, mas não há oposição entre ter valor intrínseco e ter valor participado. Como explica Tomás de Aquino, embora a perfeição e a bondade das criaturas tenham sua origem última na perfeição e bondade de Deus como sua causa exemplar, diz-se que as criaturas possuem perfeição e bondade por causa de sua própria “forma” inerente e ato de ser, que, naturalmente, lhes é livremente comunicado por Deus:

“Se a primeira bondade produz todo bem, é necessário que ela imprima sua semelhança nas coisas produzidas; e assim, todas as coisas serão chamadas boas em virtude da forma inerente introduzida nelas pela semelhança da bondade suprema e, subsequentemente, pela primeira bondade, em virtude do exemplar que produz toda bondade criada. [...] Portanto, dizemos, segundo a opinião comum, que todas as coisas são formalmente boas por uma bondade criada como por uma forma inerente, mas [também] pela bondade incriada como por uma forma exemplar.”30

Dessa ideia decorre que, segundo Aquino, as criaturas têm o que podemos chamar de “valor intrínseco condicional”, isto é, um valor intrínseco participado que elas exibem em virtude de sua própria forma inerente e o seu ato de ser, mesmo que a posse dessa forma e desse ser dependa, em última análise, da vontade absoluta de Deus. Isso não implica que, em termos absolutos, Deus possa ser racionalmente obrigado pela bondade das criaturas. É claro que Deus não tem deveres absolutos para com as criaturas, porque Ele não é obrigado nem a criar coisas nem a preservá-las na existência. No entanto, na medida em que são criadas e preservadas na existência por Deus, as criaturas têm um valor intrínseco (condicional) que fornece a Deus razões para lhes conceder os bens exigidos por sua natureza. Como Erik Wielenberg corretamente contesta Murphy: “Quando um ser traz livremente à existência um segundo ser intrinsecamente valioso, o primeiro ser adquire, por conseguinte, certas responsabilidades com relação à proteção do bem-estar do segundo ser.”31

A este respeito, o problema com a posição de Murphy reside na ambiguidade na forma como ele utiliza alguns termos. Por um lado, quando afirma que Deus não tem razões que o obriguem a promover a existência e o bem-estar das criaturas, ele se refere a uma conjunção, “existência e bem-estar”, como se os dois termos da conjunção fossem uma única coisa, embora não o sejam. Dado que Deus não é obrigado a criar e preservar as coisas na existência, Murphy conclui que Deus não é obrigado a prover perfeição ou bem-estar. Segundo Tomás de Aquino, como demonstrarei mais claramente na seção seguinte, desde que (e na medida em que) Deus crie e preserve na existência criaturas com suas próprias naturezas — o que Ele não é obrigado a fazer — Ele tem razões que o obrigam a prover as criaturas com a perfeição (ou bem-estar) que a sua natureza correspondente exige. Portanto, não precisa haver contradição em afirmar que Deus é a fonte livre e última de todo o Ser e que Ele tem deveres morais (condicionais) para com as Suas criaturas.

Por outro lado, não está claro a que Murphy se refere quando fala em proporcionar “bem-estar” às criaturas. Ele às vezes o define negativamente, dizendo que Deus não é obrigado a impedir todos os contratempos ao bem das criaturas (67). Ora, essa afirmação é altamente ambígua. É claro que Deus pode não ser obrigado a impedir todos os contratempos que possam afetar Suas criaturas, e Ele pode ter razões legítimas para permitir alguns males no mundo, sem frustrar completamente a capacidade da criatura de atingir seu fim último. O fato de Deus ter obrigações para com Suas criaturas não deve necessariamente implicar que Ele deva prover às criaturas uma ausência absoluta e constante de qualquer tipo de sofrimento ao longo de sua existência. Tampouco deve implicar que Deus seja obrigado a prover às criaturas direta e imediatamente sua perfeição última, isto é, a perfeição que corresponde à realização de seu fim último. As obrigações de Deus são claramente compatíveis com a permissão de alguma contingência e de mal no mundo, causados ​​diretamente por causas secundárias. Não obstante, Deus pode ser condicionalmente obrigado a dar às Suas criaturas a perfeição que corresponde às suas disposições naturais, o que lhes possibilita alcançar a sua perfeição final em algum momento da sua existência, adquirindo-a através das suas próprias ações perfectivas, desde que não frustrem a ajuda de Deus.

Em suma, do facto de, para Tomás de Aquino, Deus não ter deveres absolutos para com as Suas criaturas, não se segue que Ele não possa ter deveres condicionais, racionalmente necessários pela Sua própria decisão de criar e preservar na existência certos seres. Esta conclusão torna-se clara ao ler o tratamento que Aquino dá à justiça de Deus na Suma Teológica I, q. 21, que é a questão que se segue imediatamente ao texto que Murphy citou, e que explicarei em detalhe na próxima secção.

IV. A Justiça de Deus e os Deveres Divinos

Alguns autores argumentaram contra a atribuição de deveres morais a Deus a partir de uma perspectiva diferente. Esses autores afirmam que parece haver um conflito entre a ideia de que Deus tem deveres ou obrigações e a ideia de que Deus, como sustenta o teísmo clássico, é essencial e necessariamente bom. Por um lado, o cumprimento de deveres ou obrigações parece exigir uma concepção libertária do livre-arbítrio moral, como fica claro no caso do cumprimento de uma promessa. Sem a possibilidade de agir de outra forma — neste caso, de se abster de cumprir os próprios deveres — todo o conceito de obrigação moral parece estar em risco. Por outro lado, a bondade moral essencial e necessária parece implicar que Deus não pode deixar de agir de acordo com o que é certo em qualquer circunstância.

Consequentemente, Edward Wierenga sugeriu que podemos dizer que Deus é moralmente bom apenas no sentido de que Ele sempre faz o que consideramos moralmente correto, que Ele tem motivações moralmente apropriadas e que Ele exerce as virtudes morais.32 Thomas Morris propõe uma atribuição analógica de deveres a Deus. Segundo Morris, embora Deus não tenha deveres em sentido literal, Ele ainda age “de acordo com” os princípios que expressariam deveres para um agente moral em suas circunstâncias relevantes.33 Portanto, mesmo que esses princípios, quando aplicados à conduta divina, não sejam deonticamente prescritivos, mas apenas descritivos,

“ainda podemos ter expectativas bem fundamentadas a respeito da conduta divina, conhecendo os princípios morais que governariam a conduta de um agente moral perfeito, obrigado por seus deveres, que agisse como Deus de fato age. Compreendemos e antecipamos a atividade de Deus por analogia com o comportamento de um agente moral completamente bom.”34

Mesmo que nem Wierenga nem Morris tentem fundamentar suas afirmações no pensamento de Tomás de Aquino, suas posições parecem ser semelhantes a algumas das declarações de Aquino sobre essa questão. De fato, segundo Tomás de Aquino, a justiça de Deus se baseia na retidão natural de Sua vontade, que não pode deixar de querer o bem demonstrado por Seu intelecto:

"Como o bem, tal como percebido pelo intelecto, é o objeto da vontade, é impossível para Deus querer algo que não seja o que Sua sabedoria aprova. Esta é, por assim dizer, Sua lei de justiça, segundo a qual Sua vontade é reta e justa. Portanto, o que Ele faz segundo Sua vontade, Ele faz justamente: assim como nós fazemos justamente o que fazemos segundo a lei. Mas enquanto a lei nos vem de algum poder superior, Deus é uma lei para Si mesmo." (ST I.21.1.ad2)

Este texto poderia ser interpretado como uma rejeição da ideia de que Deus possa ter deveres morais em um sentido próprio. A proposição "Deus é justo" pareceria expressar apenas uma comparação entre Deus e as criaturas: da mesma forma que somos chamados de "justos" na medida em que agimos segundo a lei moral, Deus é chamado de "justo" na medida em que age segundo Sua vontade, que é a fonte da lei moral. Mas precisamente porque a Sua vontade é a fonte última da lei moral, Ele não estaria obrigado a cumprir qualquer dever ou obrigação. Portanto, visto que Deus não pode deixar de agir de acordo com a Sua própria vontade, parece que Ele não pode ter deveres ou obrigações propriamente ditas.

Contrariamente a essa interpretação, Tomás de Aquino afirma claramente em outras passagens que a justiça de Deus implica que Ele tem deveres para com as suas criaturas. Como ele explica, ser justo é dar a cada um o que lhe é devido, portanto a justiça sempre pressupõe uma dívida de algum tipo. Como diz Aquino: “No nome ‘dívida’ [debiti]35 está implícita uma certa ordem de exigência ou necessidade de alguém para com [o objeto] ao qual ela se dirige” (ST I.21.1.ad3). Ora, que tipo de dívida Deus pode ter para com algo? Para responder a essa pergunta, precisamos considerar que, para Aquino, existe uma ordem dupla nas coisas criadas: a) primeiro, a ordem pela qual uma coisa criada se dirige a outra, assim como as partes se ordenam ao todo, o acidente se ordena à substância e cada coisa se ordena ao seu próprio fim; b) segundo, a ordem pela qual todas as coisas criadas se ordenam ao próprio Deus (ST I.21.1.ad3). De acordo com essas duas ordens, Tomás de Aquino estabelece uma ordem dupla de deveres nas ações de Deus, a saber, deveres para com as criaturas e deveres para com Si mesmo:

"Portanto, nas obras divinas, a dívida [debitum] pode ser pensada de duas maneiras: uma, segundo a qual algo é devido [debetur] a Deus; outra, segundo a qual algo é devido [debetur] às coisas criadas. E de ambas as maneiras Deus entrega o que lhe é devido [debitum]. É devido [debitum] a Deus que o que está contido em Sua sabedoria e vontade se realize nas coisas, assim como o que manifesta Sua bondade; e, segundo isso, a justiça de Deus respeita Sua decência, segundo a qual [Ele] entrega a Si mesmo o que Lhe é devido [debetur]. Há também algo devido [debitum] à coisa criada, isto é, que ela tenha o que lhe foi ordenado, por exemplo, que os homens tenham mãos e que os outros animais os sirvam. E desta forma Deus também opera a justiça, quando dá a cada um o que lhe é devido[debetur] a eles segundo a sua natureza e condição” (ST I.21.1.ad3).

De acordo com esta dupla ordem de deveres, Deus pode ser chamado de “justo” em dois sentidos diferentes: a) primeiro, Deus é justo na medida em que cumpre os Seus deveres de dar a cada criatura o que lhe é devido, segundo a sua própria natureza; b) segundo, Deus é justo na medida em que age segundo a Sua própria sabedoria. O primeiro deriva do segundo, uma vez que o que é devido a cada coisa é, por sua vez, estabelecido de acordo com a sabedoria divina (ST I.21.1.ad3). Como esclarece Tomás de Aquino, “embora desta forma Deus dê a cada um o que lhe é devido [debitum], Ele próprio não é devedor, uma vez que não está ordenado a outras coisas, mas sim outras coisas estão ordenadas a Ele” (ST I.21.1.ad3).

Ainda assim, pode-se questionar se a atribuição de deveres a Deus por Tomás de Aquino possui um significado deôntico próprio, isto é, um significado prescritivo, ou se é simplesmente uma descrição da conduta necessária de Deus, como sugere Morris. Algumas das afirmações de Aquino parecem corroborar a última alternativa. De fato, para Aquino, a justiça resplandece necessariamente em todas as obras de Deus. Dada a perfeição de Deus, é metafisicamente impossível que as obras de Deus careçam da devida proporção e, portanto, é metafisicamente impossível que Deus não cumpra seus supostos deveres para consigo mesmo e para com suas criaturas:

"A dívida [debitum] que é restituída pela justiça divina, seja ela devida [debitum] a Deus ou a alguma criatura, não pode ser omitida das obras de Deus, visto que Deus não pode fazer algo que não esteja de acordo com sua sabedoria e bondade, segundo as quais dizemos que algo é devido [debitum] a Deus. Da mesma forma, tudo o que [Deus] faz nas coisas criadas, Ele o faz com uma ordem e proporção próprias, nas quais consiste a natureza da justiça. Assim, a justiça está em todas as obras de Deus." (ST I.21.4)

Para interpretar corretamente esta passagem, deve-se dizer que, para Tomás de Aquino, Deus é dotado do que podemos chamar de "livre-arbítrio libertário". Ele é completamente livre para criar ou abster-se de criar qualquer coisa, e é livre para criar as coisas que de fato criou ou outras coisas (ST I.19.10).36 Isso significa que Deus só pode ter os deveres que decidiu ter, na medida em que decidiu criar certas criaturas com suas naturezas correspondentes e, portanto, com suas exigências ou demandas correspondentes.37 Nesse sentido, Tomás de Aquino afirma que toda a ordem da justiça, isto é, a ordem dos deveres de Deus, depende da ordem da vontade de Deus, visto que a vontade de Deus é a causa última da natureza das substâncias criadas, nas quais os deveres de Deus se fundamentam:

"Algo só pode ser devido a uma coisa em virtude de sua natureza ou condição. Ora, a causa da natureza e das propriedades de uma coisa é a vontade divina; portanto, toda a ordem da justiça deve ser originalmente referida à vontade divina."38

Em suma, a vontade de Deus não é absolutamente necessária para cumprir qualquer dever; contudo, uma vez que Ele adquiriu livremente alguns deveres ao criar livremente as coisas, o cumprimento desses deveres torna-se necessário. Em outras palavras, quando Tomás de Aquino afirma que a justiça necessariamente resplandece em todas as obras de Deus, devemos concluir que ele está falando em termos de necessidade condicional e não em termos de necessidade absoluta.39 É claro que não no sentido de que Ele seria injusto se decidisse não criar; nem no sentido de que Ele poderia ter criado as coisas e se comportado injustamente com elas. Nesse sentido, Suas opções eram apenas criar e ser justo com Suas criaturas, ou não criar de forma alguma sem ser injusto. A ideia é que, pelo mesmo ato pelo qual Ele escolheu livremente criar e preservar as coisas existentes — o qual, segundo Tomás de Aquino, é um ato condicionalmente necessário (ST I.19.3) — Ele não só adquiriu livremente todos os deveres que decorrem de Sua decisão, como também se obrigou, de alguma forma, a agir com justiça para com Suas criaturas, sendo assim Sua vontade, livre e condicionalmente, obrigada a prover-lhes a perfeição que sua natureza exige.

V. Justiça, Misericórdia e Atos Supererrogatórios

Há um problema remanescente em relação à maneira como deveres ou obrigações podem ser atribuídos a Deus. Parece haver uma distinção nítida entre o valor dos atos de dever de Deus e o valor de seus atos de supererrogação, uma vez que estes últimos vão além das exigências do dever. Embora seja claro que os últimos têm valor moral, o mesmo não parece ocorrer com os primeiros. Se, dada a perfeição de Deus, o cumprimento de Seus deveres é condicionalmente necessário, parece que Deus não merece louvor moral pelo cumprimento desses deveres ou obrigações (mesmo que os chamemos assim). De fato, pode-se argumentar que ninguém merece louvor por fazer algo que não pode deixar de fazer. Nesse sentido, William Alston afirma que Deus só pode ser louvado como moralmente bom por realizar atos de supererrogação, e nega que Deus tenha obrigações morais, sustentando que o discurso bíblico sobre as promessas e alianças de Deus deve ser entendido como analogias e metáforas, que expressam apenas as intenções futuras de Deus para com Suas criaturas.40

Da mesma forma, Thomas Morris sustenta que a bondade moral e metafísica em Deus são duas espécies de uma categoria mais ampla que ele chama de “bondade axiológica”.41 De acordo com Morris, a disposição de Deus para realizar atos de graça, ou para se envolver em qualquer outro tipo de atividade supererrogatória, não faz parte da bondade metafísica de Deus, mas sim é uma forma de Sua bondade moral, que por sua vez é um componente da bondade axiológica de Deus.42 Por outro lado, quando Deus age necessariamente de acordo com princípios morais, como quando Ele cumpre Seus deveres, esse comportamento não conta como parte da bondade moral de Deus, mas sim como um aspecto da bondade metafísica de Deus, que, Por sua vez, também é um componente de Sua bondade axiológica.43 Se normalmente pensamos no comportamento necessário de Deus em termos de bondade moral em vez de em termos de bondade metafísica, isso se deve ao fato de que, no caso dos seres humanos, tanto os atos de supererrogação quanto os atos realizados de acordo com princípios morais (como o cumprimento de um dever) não são apenas parte da bondade axiológica da criatura, mas também parte de sua bondade moral.44 Assim, embora a atividade supererrogatória de Deus mereça louvor moral, o cumprimento necessário dos deveres por Deus parece carecer de qualquer tipo de valor moral.

Este problema adquire algumas nuances especiais no pensamento de Tomás de Aquino. Para Aquino, o ato livre de vontade por meio do qual Deus adquire deveres para consigo mesmo e para com suas criaturas é um ato que tem significado moral em si mesmo, uma vez que deriva de uma das virtudes morais de Deus, a saber, Sua misericórdia. A misericórdia, como virtude moral, é atribuída a Deus, não na medida em que é uma paixão — ou seja, tristeza pela miséria alheia — mas na medida em que é uma disposição para dissipar a miséria da criatura (ST I.21.3).45 Ora, o ato da criação é a concessão do ato de ser, que para Tomás de Aquino é a perfeição primária e mais radical que encontramos nas criaturas.46 Portanto, o ato da criação, por meio do qual Deus constitui as criaturas e lhes dá suas naturezas, é uma ação que remove ou dissipa o defeito mais radical, isto é, o não-ser absoluto. Nesse sentido, Tomás de Aquino afirma que toda obra de Deus tem a misericórdia como seu fundamento último:

"A obra da justiça divina sempre pressupõe a obra da misericórdia, sendo fundada nela. Visto que nada se deve [debitum] a uma criatura, senão em virtude de algo preexistente ou preconsiderado nela, e, por sua vez, se algo se deve [debitum] à criatura, é em virtude de algo anterior. E como não é possível continuar ao infinito, é necessário chegar a algo que dependa apenas da bondade da vontade divina, que é o fim último. Como quando dizemos que ter mãos se deve [debitum] em virtude da alma racional; e ter uma alma racional [se deve] como ser homem; mas alguém é homem por causa da bondade divina. E assim, em toda obra de Deus, a misericórdia se manifesta como sua raiz primária. E seu poder se conserva em todas as [obras] subsequentes; e opera nelas também com mais veemência, pois a causa primária tem mais influência do que a causa secundária." (ST I.21.4)

Esta última afirmação, porém, apresenta uma dificuldade especial no que diz respeito ao valor moral das obrigações morais de Deus e sua relação com a Sua atividade supererrogatória. Um ato de misericórdia é, por definição, um ato supererrogatório. Portanto, misericórdia e dever são mutuamente exclusivos, como o próprio Tomás de Aquino reconhece.47 Assim, se toda obra de Deus pode ser considerada uma obra de misericórdia, parece que todas as ações de Deus são supererrogatórias e, portanto, todas têm significado moral. Ora, isso leva à conclusão de que Deus não tem deveres reais, o que está em clara contradição com a interpretação de Aquino apresentada na seção anterior.

Uma possível maneira de evitar essa aparente contradição é afirmar que, embora os atos de justiça de Deus sejam, em última análise, impulsionados por Seus atos de misericórdia, os atos de justiça e os atos de misericórdia de Deus são, na verdade, ações distintas. Isso não implica necessariamente que, dado seu caráter condicionalmente necessário, os atos de justiça de Deus careçam de qualquer significado moral. Pode-se argumentar que um ato condicionalmente necessário de cumprir uma obrigação pode manter seu caráter voluntário (e, portanto, moral) mesmo que seja causado por outra ação livre (e, portanto, moral). Considere o seguinte exemplo:48 Suponha que eu tome a decisão supererrogatória de adotar uma criança; ao adotá-la, adquiro novos deveres e obrigações para com ela, como alimentá-la e educá-la. Suponha que, no momento de decidir adotar a criança, eu tome voluntariamente um medicamento ou me submeta a um tratamento semelhante ao de Pavlov, cujo efeito seja tornar impossível para mim não cumprir meus deveres para com a criança. Neste caso, um ato supererrogatório seria o fundamento último de atos subsequentes de justiça que seriam necessários sem perder seu caráter livre e moral.

No entanto, essa maneira de resolver a objeção não funcionaria na perspectiva de Aquino, uma vez que, para Aquino, os atos de misericórdia de Deus e os atos de justiça de Deus não podem ser considerados atos diferentes. Partindo da consideração de seus efeitos, Aquino afirma que podemos distinguir diferentes aspectos da ação de Deus para com as criaturas, como a criação, a conservação, a providência, o governo, etc.; no entanto, esses aspectos não se referem a ações diferentes, mas a uma única ação da parte de Deus, que é a concessão do ato de ser por meio do qual Deus dá toda a perfeição que dá às criaturas (ST I.104.1.ad3). Portanto, embora certas obras ou efeitos da ação de Deus sejam atribuídos à justiça, enquanto outras obras são atribuídas à misericórdia — porque a justiça aparece com mais força em algumas obras e a misericórdia em outras (ST I.21.4.ad1) — toda obra de Deus é o resultado de um mesmo ato divino, considerado sob diferentes aspectos. Considere o seguinte texto:

"Embora a criação não pressuponha nada na natureza das coisas, ela pressupõe algo no conhecimento de Deus. E, de acordo com isso, a natureza da justiça também é preservada na criação, na medida em que as coisas são produzidas no ser, de acordo com o que é adequado à sabedoria e à bondade. E, de alguma forma, a natureza da misericórdia também é preservada, na medida em que as coisas são trazidas do não-ser para o ser."49 (ST I.21.4.ad4)

Para Tomás de Aquino, o ato da criação (entendido em sentido amplo como a doação do ato de ser) é, então, simultaneamente, um ato de misericórdia — na medida em que concede às criaturas o dom imerecido da existência — e um ato de justiça — na medida em que confere às criaturas a perfeição exigida por sua natureza. Como, porém, é possível que uma mesma ação seja uma obra de misericórdia supererrogatória e, ao mesmo tempo, uma obra de justiça obrigatória (e condicionalmente necessária)? Creio que essa questão não representa um desafio particularmente difícil para a posição de Aquino. Considere o seguinte exemplo. Suponha que eu decida dar um carro de presente ao meu filho. Suponha também que, dada a minha natureza e caráter, seja impossível para mim não lhe dar um carro que seja completo (com motor, rodas, bancos, etc.) e de origem responsável (comprado em uma concessionária respeitável, e não em um ferro-velho ou oficina de desmanche). O ato de lhe dar o carro é uma única ação, não duas ações distintas. Não obstante, a ação preenche simultaneamente as condições e os requisitos para ser um ato supererrogatório de doação livre e uma obra de justiça que cumpre o dever adquirido de dar ao meu filho uma dádiva adequada e completa. Visto que toda a ação é livremente intencionada, devemos dizer que ambos os seus aspectos o são, ainda que um dependa condicionalmente do outro. Parece, portanto, perfeitamente possível que um agente adquira e cumpra os seus deveres por meio de um único ato livre de misericórdia e justiça.

VI. Conclusão

Alguns filósofos contemporâneos da religião acreditam que o teísmo clássico é incompatível com a ideia de Deus como um agente moral com virtudes e deveres. Neste artigo, apresentei uma leitura do pensamento de Tomás de Aquino segundo a qual Deus possui virtudes e obrigações morais em sentido estrito, e ainda assim é um ser metafisicamente perfeito. Essa leitura é apresentada não apenas como uma interpretação historicamente plausível de Aquino, mas também como uma contribuição relevante para o debate em curso sobre como compreender o teísmo clássico. Minha leitura da posição de Aquino pode ser resumida da seguinte forma:

a) Podemos atribuir a Deus todas as perfeições que não incluem nenhuma imperfeição ou limitação em sua definição essencial; visto que a bondade metafísica e a bondade moral não incluem nenhuma limitação e são uma e a mesma característica em Deus, podemos legitimamente atribuir ambas a Deus essencialmente, e não apenas em um sentido metafórico ou “causal”, como sugere Brian Davies.

b) O atributo essencial da virtude não consiste em ser uma propriedade acidental, mas em ser uma disposição estável para uma ação perfeita; Portanto, podemos também atribuir a Deus, em sentido próprio e estrito, todas as virtudes morais apropriadas a um ser imaterial dotado de vontade e que dizem respeito à concessão de perfeições por Deus às criaturas, como a justiça e a misericórdia.

c) Na medida em que Deus cria e preserva as coisas na existência, Ele as quer ao mesmo tempo por causa de Sua bondade e por causa delas mesmas, de modo que elas têm valor intrínseco condicional, que consiste em seu ser participado; portanto, contrariamente a Murphy, Deus tem razões necessárias para prover às criaturas a perfeição (ou bem-estar) exigida por sua natureza correspondente.

d) Na medida em que Deus deve a si mesmo agir de acordo com Sua própria sabedoria e deve às Suas criaturas prover-lhes a perfeição exigida por sua natureza, podemos dizer, em sentido estrito, que Deus tem deveres e obrigações morais para consigo mesmo e para com as criaturas.

e) A atribuição de deveres morais a Deus tem um sentido prescritivo, e não simplesmente um sentido descritivo, como sugere Morris; Não obstante, dado que Deus é o autor livre da natureza da criatura, Seus deveres não são absolutos, mas livremente adquiridos por si mesmos, e seu cumprimento é apenas condicionalmente necessário.

f) Finalmente, contrariamente à visão de Alston e Morris, não há exclusão mútua entre os atos de justiça de Deus e Sua atividade supererrogatória; além disso, para Tomás de Aquino, todo ato de Deus para com Suas criaturas cumpre ao mesmo tempo as exigências de justiça e misericórdia.

 

Em conclusão, seguindo o pensamento de Aquino, e ao contrário do que muitos filósofos teístas contemporâneos querem sugerir, não parece haver razão para pensar que o ser metafisicamente perfeito do teísmo clássico não possa ser, ao mesmo tempo, um agente moral justo e misericordioso.50

 

Notas

1 Isso é especialmente notório nos representantes do chamado Personalismo Teísta. Para mais informações, veja Ben Page, “Wherein Lies the Debate? Concerning whether God is a Person”, International Journal for Philosophy of Religion 85, nº 3 (2019): 297–317, pp. 309–10.

2 Êxodo 15:11.

3 Salmo 7:17.

4 Neemias 9:30–31.

5 Josué 23:14, Salmo 89:34, 2 Coríntios 1:19–20, 1 João 2:25.

6 Brian Davies, The Reality of God and the Problem of Evil (Londres/Nova York: Continuum, 2006), pp. 88–101. Doravante citado no texto.

7 Mark C. Murphy, A Ética de Deus: Normas da Agência Divina e o Argumento do Mal (Oxford: Oxford University Press, 2017), 70–5. Doravante citado no texto.

8 Thomas Morris, “Dever e Bondade Divina”, American Philosophical Quarterly 21, nº 3 (1984): 261–8, em 267.

9 William Alston, “Algumas Sugestões para Teóricos do Comando Divino”, em Teísmo Cristão e os Problemas da Filosofia, ed. Michael Beaty (Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 1990), 303–26.

10 Para uma caracterização completa do que ele chama de “Personalismo Teísta”, veja Brian Davies, Uma Introdução à Filosofia da Religião (Oxford/Nova York: Oxford University Press, 2004), 9–14.

11 Tomás de Aquino, ST I, q. 13, a. 2. Todas as referências às obras de Tomás de Aquino foram retiradas de Thomas Aquinas, Opera Omnia, ed. Enrique Alarcón (Pompaelone: ​​Univertatis Studiorum Navarrensis, 2000), https://www.corpusthomisticum.org/iopera.html. Todas as traduções dos textos de Aquino são minhas.

12 Sobre o sentido e o fundamento da distinção entre nomes metafóricos e literais de Deus em Aquino, ver Joshua Lee Harris, “Analogy in Aquinas: The Alston-Wolterstorff Debate Revisited”, Faith and Philosophy 34, nº 1 (2017): 33–56, pp. 37–8.

13 Ver também Aquino, De veritate q. 21, a. 2.

14 Aquino, SCG I, cap. 92.

15 Ibid. 16 Brian Davies, Thomas Aquinas on God and Evil (Oxford/Nova Iorque: Oxford University Press, 2011), 60.

17 Aquino, SCG I, cap. 92.

18 Intelecto e vontade não são “acidentes” no sentido comum do termo, isto é, propriedades contingentes dos indivíduos. Segundo Aquino, eles são “acidentes” no sentido técnico de que só têm ser na medida em que “existem em” uma substância (De potentia q. 7, a. 7). São faculdades ativas da alma que se enquadram na categoria acidental de “qualidade” (ST I. q. 77, a. 1, ad5).

19 Ver Davies, Thomas Aquinas on God and Evil, 80.

20 Aquino, Q.D. De Virtutibus q. 2, a. 6, ad3.

21 Aquino, SCG II, cap. 25.

22 Ibid., I, cap. 95.

23 Tomás de Aquino, Quodlibet IV, q. 2 a. 1.

24 Tomás de Aquino, Super IV Sent. d. 46, q. 1, a. 1, ad1.

25 Davies, Thomas Aquinas on God and Evil, 62.

26 Tomás de Aquino, Super IV Sent. d. 46, q. 1, a. 1, ad1.

27 Murphy define uma razão requisito como “uma razão tal que, se um agente que a possui deixa de agir de acordo com ela, então ou esse agente não é praticamente racional ou esse agente possui alguma razão superior e incompatível que o estava guiando” (59).

28 Michael J. Zimmerman e Ben Bradley, “Intrinsic vs. Extrinsic Value”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy, ed. Edward N. Zalta (Edição de Primavera de 2019) Publicado em 22 de outubro de 2002, acessado em 31 de dezembro de 2021, https://plato.stanford.edu/entries/value-intrinsic-extrinsic/.

29 Tomás de Aquino, De potentia q. 5, a. 4. Segundo Tomás de Aquino, esta é a principal razão pela qual, mesmo que Deus tenha, em termos absolutos, o poder de aniquilar criaturas em qualquer ponto de sua existência, Ele certamente não o fará.

30 Tomás de Aquino, De veritate q. 21, a. 4.

31 Erik Wielenberg, “Valor Intrínseco e Amor: Três Desafios para a Própria Ética de Deus”, Estudos Religiosos 53, nº 4 (2017): 551–7, em 553.

32 Edward R. Wierenga, A Natureza de Deus (Ithaca e Londres: Cornell University Press, 1989), 210.

33 Morris, “Dever e Bondade Divina”, 266.

34 Ibid., 265–6

35 Neste e nos textos seguintes, destaco o substantivo latino debitum e suas diferentes variantes (a forma verbal deberi), que podem ser traduzidas como “dívida” ou “obrigação”. Faço isso para deixar claro que, quando, nos textos seguintes, Tomás de Aquino atribui justiça a Deus, ele não está meramente dizendo que Ele age de acordo com o que “convém” a Ele e às Suas criaturas, como pensa Davies (Thomas Aquinas on God and Evil, 63), mas sim atribuindo obrigações a Deus.

36 Ver também Aquino, De potentia q. 1, a. 6, ad7.

37 Pode-se questionar se Deus pode ter obrigações negativas, mesmo que não crie nada. Por exemplo, pode-se dizer que, mesmo que não crie nada, Deus tem a obrigação de não prejudicar os outros ou a obrigação de não tratar as coisas contrariamente à sua natureza ou condição. Considero que estas são apenas obrigações hipotéticas, não obrigações reais. Para ter obrigações reais, Deus precisa querer a existência de algo diferente de Si mesmo que crie a obrigação.

38 Aquino, Super IV Sent. d. 46, q. 1, a. 2, qc. 1.

39 Sobre o caráter condicionalmente necessário de alguns atos de vontade de Deus, como as promessas, ver Eleonore Stump, Aquinas (Londres: Routledge, 2003), 108–9.

40 Alston, “Some Suggestions”. Para uma crítica detalhada da posição de Alston, ver Eleonore Stump, “God’s Obligations”, Philosophical Perspectives 6, nº 4 (1992): 475–91.

41 Morris, “Duty and Divine Goodness”, 267.

42 Ibid.

43 Ibid.

44 Ibid.

45 Ver também Aquino, Super IV Sent. d. 46, q. 2, a. 1, qc. 1.

46 Aquino, De potentia q. 7, a. 2, ad9; ver também Aquino, ST I, q. 8, a. 1.

47 Tomás de Aquino, Super IV Sent. d. 46, q. 2, a. 1, qc. 2.

48 Este exemplo é parcialmente baseado no exemplo da “Pílula Madre Teresa” em Brian Leftow, “Necessary Moral Perfection”, Pacific Philosophical Quarterly 70 (1989): 240–60.

49 Ver também Tomás de Aquino, Super IV Sent. d. 46, q. 1, a. 2, qc. 1.

50 Sou grato a Brian Leftow, Eleonore Stump, Alexander Pruss, Matthew Sweeney, Tim Pawl, Jeffrey Brower, Gloria Frost, Ben Page, Luke Martin, Johannes Grössl, Daniel De Haan, Ignacio Silva, Juan Martín Pardo, Juan Francisco Franck, Christopher Toner e dois revisores anônimos pelas discussões e comentários sobre versões anteriores e/ou parciais deste artigo. A versão final deste artigo é um resultado do Projeto “O Problema do Mal: ​​De Leibniz à Filosofia Analítica da Religião” (FFI2017–84559-P: Ministerio de Economía y Competitividad, Gobi erno de España). Os anteprojectos foram apoiados por uma subvenção “José Castillejo” (CAS15/00258: Ministerio de Educación, Cultura y Deporte, Gobierno de España). Versões anteriores de diferentes partes deste artigo foram apresentadas no Workshop de Teísmo Clássico da Universidade de St Thomas (St Paul, MN), de 21 a 23 de julho de 2016, na conferência A Natureza de Deus: Conceitos pessoais e apessoais do divino (Innsbruck), de 6 a 8 de agosto de 2018, e na conferência Compaixão e Teodiceia (Centro Ian Ramsey, Oxford), de 18 a 20 de julho de 2019.


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