Extraído do
Livro “The Blackwell Companion to The Problem of Evil” Ed. por Daniel
Howard-Snyder e Justin P. McBreyer – Capítulo 2 – O Problema Lógico do Mal:
Mackie e Plantinga
Introdução
É costume
distinguir o problema lógico do mal do problema evidencial do mal. Uma
instância do problema lógico do mal é um argumento do mal contra a existência
de Deus que tem uma premissa que afirma que a existência de Deus e algum fato
conhecido sobre o mal são incompatíveis, enquanto uma instância do problema
evidencial do mal é um argumento do mal contra a existência de Deus que não
possui tal premissa. Consequentemente, uma instância do problema evidencial do
mal ou não terá uma premissa que diga que a existência de Deus é incompatível
com algum fato sobre o mal, por exemplo, Draper (1989) (ver Capítulo 5), ou
terá tal premissa, mas o fato putativo sobre o mal será desconhecido, mas
possivelmente provável ou razoável de se acreditar, ou algo assim, por exemplo,
Rowe (1979) (ver Capítulo 4). O argumento de Mackie (1955) é atualmente a
instância mais famosa do problema lógico do mal.
O plano do capítulo
é o seguinte. A Seção 1 expõe o argumento de Mackie e esboça uma resposta a ele
no espírito do que é erroneamente denominado "teísmo cético" na
filosofia contemporânea da religião, uma resposta sugerida em Pike (1963) (ver
Capítulo 29). A Seção 2 resume a Defesa do Livre-Arbítrio de Plantinga, seguida
por uma análise de diversas objeções a ela na Seção 3. Uma linha de pensamento
é desenvolvida detalhadamente no restante da Seção 3 e na Seção 4. Na Seção 5,
avalio duas objeções publicadas a essa linha de pensamento, uma de Rowe e outra
de Plantinga.
O Problema Lógico do Mal
de Mackie
Segundo
Mackie, não apenas se pode demonstrar que "as crenças religiosas carecem
de suporte racional", como também se pode demonstrar que
"elas
são positivamente irracionais, que as diversas partes da doutrina teológica
essencial são inconsistentes entre si, de modo que o teólogo... deve estar
preparado para acreditar, não apenas no que não pode ser provado, mas no que
pode ser refutado por outras crenças que ele também sustenta". (Mackie
1955, 200)
A suposta
refutação à qual Mackie alude é o problema do mal. Como Mackie (1955, 200) o
concebeu, o problema do mal é “um problema lógico, o problema de esclarecer e
reconciliar uma série de crenças” que eram “partes essenciais da maioria das
posições teológicas”. As três “crenças” que ele tinha em mente eram estas:
“Deus é onipotente; Deus é totalmente bom; e, no entanto, o mal existe”. Mackie
estava ciente de que não havia nenhuma inconsistência óbvia aqui. Assim, disse
ele,
“para
demonstrá-lo, precisamos de algumas premissas adicionais, ou talvez algumas
regras quase lógicas conectando os termos “bem”, “mal” e “onipotente”. Esses
princípios adicionais são que o bem se opõe ao mal, de tal forma que uma coisa
boa sempre elimina o mal tanto quanto possível, e que não há limites para o que
uma coisa onipotente pode fazer. Disto se segue que uma coisa boa onipotente
elimina o mal completamente, e então as proposições de que uma coisa boa
onipotente existe e de que o mal existe são incompatíveis." (Mackie 1955,
200–201)
Quase 60 anos
se passaram desde que Mackie publicou seu "problema lógico" do mal,
como ele o chamou. Mas qual é, exatamente, o argumento? E o que devemos fazer
com ele?
No nível mais
geral, é este:
D: Deus é
onipotente e Deus é totalmente bom,
é
incompatível com
M: O mal
existe.
Mas M é
verdadeiro; então D é falso. Quanto à incompatibilidade de D e M, Mackie disse
que tudo o que precisávamos para "mostrá-la" era
MB1: Uma
coisa boa sempre elimina o mal tanto quanto possível,
e
L: Não há
limites para o que uma coisa onipotente pode fazer.
A ideia é que
a conjunção de D, MB1 e L implica a negação de M; alternativamente, em qualquer
mundo possível em que D, MB1 e L sejam verdadeiros, M é falso.
Podemos
começar a ver o fracasso do argumento de Mackie observando que a conjunção de D,
MB1 e L implica a negação de M somente se L e MB1 forem ambas verdades
necessárias. Pois, se ambas não forem verdades necessárias, fica em aberto se a
bondade de um Deus totalmente bom exige que Ele impeça o mal tanto quanto
possível, ou se o poder de um Deus onipotente pode não ser suficiente para
impedir o mal completamente. MB1 e L não são ambas verdades necessárias, no
entanto.
Considere MB1.
E se uma coisa totalmente boa tivesse uma razão moralmente justificadora para
permitir algum mal? Nesse caso, ela poderia muito bem não eliminar o mal tanto
quanto possível. MB1, portanto, não é necessariamente verdadeira. Um princípio
moral mais plausível que evita essa objeção e serve aos propósitos de Mackie é
algo como:
MB2: Uma
coisa totalmente boa elimina o mal tanto quanto possível, a menos que tenha uma
razão moralmente justificadora para permitir o mal.
No entanto,
também é questionável. Pois MB2 pode servir aos propósitos de Mackie somente se
sua conjunção com D e L impedir M; mas esse é o caso somente se for uma verdade
necessária que
N: Não há
razão moralmente justificadora para uma coisa totalmente boa permitir o mal.
Nada do que
sabemos, no entanto, impede a possibilidade de que
J: Há uma
razão moralmente justificadora para Deus permitir o mal, uma razão que
desconhecemos, e Ele o permite por essa razão, e o mal resulta.
Observe que J
implica ∼N.
Portanto, nada do que sabemos impede a possibilidade de ∼N. Mas se nada do que sabemos impede a
possibilidade de ∼N,
a incompatibilidade de D e M dificilmente é "demonstrada" por meio de
MB2, L e N. Além disso, como nada do que sabemos impede a possibilidade de que D e J sejam ambos verdadeiros, e a conjunção de D e J implica M, nada do que
sabemos impede a possibilidade de que D e M sejam ambos verdadeiros.1 Consequentemente,
pelo que sabemos, D e M são compatíveis.
A objeção recém-afirmada
tem como alvo o MB1 do argumento original de Mackie. Plantinga, no entanto, tem
como alvo L, argumentando de várias maneiras que L é falsa. Mas, como Plantinga
viu, mesmo que haja limites para o que uma coisa onipotente pode fazer, isso
não significa que D e M sejam compatíveis. Para mostrar que são compatíveis, é
preciso fazer algo mais. M preciso oferecer uma defesa.
A Defesa do
Livre-Arbítrio de Plantinga
Plantinga
identifica como defesa uma tentativa de demonstrar que D e M são compatíveis.
Uma defesa é como uma teodiceia – especifica razões que justificariam a
permissão do mal por Deus – mas, diferentemente de uma teodiceia, não aspira a
especificar razões que envolvam bons estados de coisas que de fato existem; em
vez disso, as razões especificadas em uma defesa precisam envolver apenas bons
estados de coisas que possam existir (ver Capítulos 27 e 28).2 Mais precisamente,
uma defesa visa mostrar que D e M são compatíveis, produzindo uma proposição
que especifica uma razão justificadora para Deus permitir o mal, é compatível
com D e implica M em conjunção com D. Plantinga visa encontrar tal proposição
na seguinte história familiar:
"Um
mundo contendo criaturas que são significativamente livres (e que livremente
realizam mais ações boas do que más) é mais valioso, tudo o mais sendo igual,
do que um mundo que não contém nenhuma criatura livre. Agora, Deus pode criar
criaturas livres, mas Ele não pode causar ou determinar que elas façam apenas o
que é certo. Pois se Ele o faz, então elas não são significativamente livres,
afinal; elas não fazem o que é certo livremente. Para criar criaturas capazes
de bem moral, portanto, Ele deve criar criaturas capazes de mal moral, e Ele
não pode dar a essas criaturas a liberdade de praticar o mal e, ao mesmo tempo,
impedi-las de fazê-lo. Como se viu, infelizmente, algumas das criaturas livres que
Deus criou erraram no exercício de suas liberdades; esta é a fonte do mal
moral. O fato de criaturas livres às vezes errarem, contudo, não conta nem
contra a onipotência de Deus nem contra Sua bondade; pois Ele só poderia ter
prevenido a ocorrência do mal moral removendo a possibilidade do bem
moral."3 (Plantinga 1974b, 30)
Esta história
do livre-arbítrio – e a explicação da permissão divina para o mal que a
acompanha – está sujeita a uma objeção devastadora: mesmo que algumas das
criaturas que Deus criou fossem tais que errariam livremente – na verdade,
mesmo que todas elas fossem tais que errariam livremente – por que Ele não
poderia simplesmente ter criado outras criaturas possíveis que, no exercício de
sua liberdade, sempre e livremente errariam? Certamente isso estava ao Seu
alcance (Mackie 1955, 209).
Para
responder a essa objeção, Plantinga introduz a depravação transmundial (DTMd) e
a aplica a essências individuais:4
DTMd: Uma
essência E sofre de DTMd se, e somente se, para todo mundo Mp tal que E contém
as propriedades, é significativamente livre em Mp e sempre faz o que é certo em
Mp, existe uma ação A e um segmento de mundo máximo (ou “inicial”) T tal que
(1) T inclui
a instanciação de E e a liberdade da instanciação de E em relação a A e o fato de
A ser moralmente significativo para a instanciação de E,
(2) T está
incluído em Mp, mas não inclui a realização de A pela instanciação de E nem a
abstenção de A pela instanciação de E, e
(3) se T
fosse real, então a instanciação de E teria dado errado em relação a A.5
(Como
Plantinga observa em 1974b, 48, devemos lembrar que (3) não é verdadeiro em
nenhum mundo Mp sobre o qual a definição quantifica.) Podemos resumir esta
definição de forma mais breve. Seja “E+” a instanciação de uma essência E, seja
um “mundo E-perfeito” um mundo no qual E é instanciado e E+ é
significativamente livre e sempre faz o que é certo, e seja “T(Mp)” o segmento
máximo do mundo T descrito por (1) e (2) no mundo Mp. Então:
DTMd: Uma
essência E sofre de DTMd se, e somente se, para todo mundo E-perfeito Mp,
houver uma ação A e um segmento máximo do mundo T(Mp) tal que, se T(Mp) fosse
real, E+ teria dado errado em relação a A.
Com DTMd em
mãos, Plantinga apresenta a seguinte proposição:
R: Deus criou
um mundo contendo o bem moral; mas não estava em Seu poder criar um mundo
contendo o bem moral sem criar um contendo o mal moral, visto que toda essência
sofre de TWD.
Segundo
Plantinga, uma vez que R especifica uma razão justificadora para Deus permitir
o mal, é compatível com D e implica M em conjunção com D, D e M são
compatíveis.
O que devemos
concluir de R? Isto é verdade: se toda essência sofre de DTMd, então não estava
ao alcance de Deus criar um mundo contendo bem moral sem criar um contendo mal
moral. Pois suponha que exista um mundo Mp no qual toda essência sofre de DTMd.
Então, se Mp fosse real, Deus se encontraria nesta situação infeliz: para criar
um mundo contendo bem moral, mas nenhum mal moral, Ele deve atualizar T(Mp);
mas, se Deus faz isso, então "não importa quais essências [Ele] instancia,
as pessoas resultantes, se livres em relação a ações moralmente significativas,
sempre realizariam pelo menos algumas ações erradas".6
Avaliando a Defesa do
Livre-Arbítrio de Plantinga
De acordo com
Robert Adams (1985, 226), “é justo dizer que Plantinga resolveu esse problema.
Ou seja, ele argumentou convincentemente a favor da consistência de [D e M]”. E
William Alston (1991, 49) escreve que “Plantinga... estabeleceu a possibilidade
de que Deus não poderia concretizar um mundo contendo criaturas livres que
sempre fazem a coisa certa”. William Rowe (1979, 335, nota 1) concorda:
“Alguns
filósofos têm argumentado que a existência do mal é logicamente inconsistente
com a existência do Deus teísta. Ninguém, creio eu, conseguiu estabelecer uma
afirmação tão extravagante. De fato, admitindo o incompatibilismo, há um
argumento bastante convincente para a visão de que a existência do mal é
logicamente consistente com a existência do Deus teísta”. (Para uma declaração
lúcida deste argumento, veja Alvin Plantinga, God, Freedom and Evil.)
E James Beebe
escreve: “Como uma tentativa de refutar o problema lógico do mal, [a DLA de
Plantinga] é notavelmente bem-sucedida”; de fato, de acordo com Beebe (2005,
seção 4), “todas as partes admitem que a [DLA] de Plantinga refuta com sucesso
o problema lógico do mal como foi formulado pelos ateus em meados do século
XX”.
Beebe
exagera, assim como os outros. Compatibilistas, por exemplo, negam a própria
possibilidade de liberdade incompatibilista que a DLA de Plantinga invoca. Além
disso, R é compatível com D somente se D for possivelmente verdadeiro; mas D é
possivelmente verdadeiro se e somente se for possível que um ser
necessariamente existente e essencialmente onipotente, onisciente e moralmente
perfeito exista (de qualquer forma, esse é o tipo de Deus que Plantinga tem em
mente para sua DLA). Até o momento, no entanto, ninguém jamais demonstrou que é
possível que tal ser exista. Além disso, a DLA de Plantinga só é bem-sucedida
se R for possivelmente verdadeiro, e R só é possivelmente verdadeiro se
Dp:
Possivelmente, toda essência sofre de DTMd.
Mas aqui
pode-se observar que Dp, com sua referência explícita a DTMd, é muito menos
intuitivo do que a proposição em cuja defesa é chamado a servir, isto é, que D
e M são compatíveis. Assim, com base no princípio geral de que o menos
intuitivo não pode servir para mostrar o mais intuitivo, R é inútil na defesa
da compatibilidade de D e M (DeRose 1991). Finalmente, Richard Otte demonstrou
(Otte 2009), e Plantinga (2009, 183) admite, que R não é apenas falso, é
necessariamente falso: “na minha definição original de DLA, R é necessariamente
falso e, portanto, não é compatível com nada, muito menos com D”. Otte oferece
uma nova definição que contorna as objeções que levanta, e Plantinga a adota
para R. A seguir, manterei a definição original, visto que a preocupação que
desejo expressar sobre a DLA de Plantinga se aplica a ela em qualquer uma das
definições, e resumir as objeções de Otte e a nova definição nos levaria longe
demais.
Uma defesa
visa mostrar que D e M são compatíveis, produzindo uma proposição que
especifica uma razão justificadora para Deus permitir o mal, é compatível com D
e implica M em conjunção com D. Isso, no entanto, é insuficiente para o
propósito. Pois mostrar que D é compatível com M é, em parte, uma tarefa
epistemológica; só se obtém sucesso se ela atender a certos padrões
epistêmicos. Especificamente, uma defesa só obtém sucesso se não for razoável
abster-se de acreditar nas afirmações que a constituem. No caso da DLA de
Plantinga, a afirmação central é que R é compatível com D. Mas, como observado
anteriormente, R é compatível com D somente se R for possível, e R é possível
somente se Dp for verdadeiro, isto é, somente se, possivelmente, toda essência
sofre de DTMd. Mas por que supor que isso seja possível? Porque, diz Plantinga
(1974a, 186, 188; 1974b, 53), é "claramente" verdadeiro.
Em resumo,
minha objeção à DLA de Plantinga é esta: Dp não é de forma alguma "claramente"
verdadeiro; de fato, poucas coisas são mais obscuramente verdadeiras do que Dp
(se é que é verdade). De fato, é razoável abster-se de acreditar em Dp;
portanto, a DLA de Plantinga falha.
A razão pela
qual é razoável abster-se de acreditar em Dp é que existe uma proposição que
sabemos ser incompatível com Dp, e não é mais razoável acreditar em Dp do que
nela. Essa proposição é
S:
Necessariamente, alguma essência ou outra desfruta de santidade transmundana (STMd),
onde
STMd: Uma
essência E desfruta de santidade transmundana (STMd) se, e somente se, para
todo mundo Mp tal que E contém as propriedades, é significativamente livre em Mp
e sempre faz o que é certo em Mp, não há ação A e nenhum segmento de mundo
máximo T tal que
(1) T inclui
a instanciação de E e a instanciação de E sendo livre em relação a A e A sendo
moralmente significativo para a instanciação de E,
(2) T está
incluído em Mp, mas não inclui nem a instanciação de E realizando A nem a
instanciação de E se abstendo de A, e
(3) se T
fosse real, então a instanciação de E teria dado errado em relação a A.
(Cuidado: S
não é a proposição de que alguma essência particular desfruta de STMd
essencialmente, o que é impossível.) Usando definições anteriores, podemos
simplificar:
E por que
acreditar que S é incompatível com Dp? Bem, suponha que sejam compatíveis.
Então, existe um mundo em que toda essência sofre de DTMd e alguma essência
desfruta de STMd. Ou seja, existe um mundo em que alguma essência, E, sofre de DTMd
e desfruta de STMd. Agora, considere qualquer mundo E-perfeito Mp. Por DTMd,
existe alguma ação A e algum segmento de mundo máximo T(Mp) tal que, se T(Mp)
fosse real, E+ teria dado errado em relação a A, mas por STMd, não existe tal
ação nem tal segmento de mundo máximo. A suposição de que S e Dp são
compatíveis implica uma contradição; portanto, são incompatíveis.
É claro que,
mesmo que S seja incompatível com Dp, pode ser mais razoável acreditar em Dp do
que em S. Por que supor que não seja? Em suma, porque sugestões em contrário
falham. Por exemplo, pode-se sugerir que é mais razoável acreditar em Dp do que
em S, já que Dp é uma afirmação de possibilidade e S é uma afirmação de
necessidade. Mas, como concorda Plantinga (2009, 185), "não é o caso de
que alegações de possibilidade automaticamente gozem de vantagem aqui.
Necessariamente, 2 + 1 = 3 é muito menos arriscado do que possivelmente, seres
humanos são objetos materiais". Um julgamento semelhante recai sobre
outras sugestões.7 O que se segue é um caso mais positivo para a alegação de
que não é mais razoável acreditar em Dp do que em S, um caso inicialmente
apresentado em Howard-Snyder e O'Leary Hawthorne (1998).
Plenitude Intermundial e
Plenitude Intramundial
Lembre-se de
que cada essência individual é uma propriedade complexa e, como tal, existe em
todos os mundos possíveis, embora nenhuma essência criatural seja instanciada
em todos os mundos. Entre as essências criaturais estão aquelas cujos
contrafactuais de liberdade seriam verdadeiras ou falsas em suas instanciações.
Essas são as essências com as quais estamos preocupados. Agora, considere
qualquer combinação de contrafactuais de liberdade, C, desde que seja possível
para uma essência ter C e C seja compartilhável. (Deixo esta qualificação
tácita daqui em diante.) Aqui está uma pergunta natural: quantas essências têm
C? Existem diferentes maneiras de responder a essa pergunta, maneiras que
revelam imagens abrangentes incompatíveis da distribuição de contrafactuais de
liberdade para essências.
Uma maneira
começa reconhecendo que é difícil, na verdade, praticamente impossível dizer
exatamente quantas essências têm C, mas o que pode ser dito é o seguinte:
existe um mundo em que nenhuma essência tem C, existe um mundo em que algumas,
mas não todas as essências, têm C, e existe um mundo em que toda essência tem
C. De fato, para cada permutação entre nenhuma e toda, existe um mundo em que
essa é a quantidade de essências que têm C. Podemos colocar a imagem da
distribuição de contrafactuais de liberdade para essências oferecidas de forma
um pouco mais precisa da seguinte forma:
Plenitude
Intermundial Fraca: Para qualquer combinação de contrafactuais de liberdade, C,
e para qualquer quantificador Q, existe um mundo Mp tal que Q-muitas essências
em Mp têm C.
Os mundos
podem diferir de muitas maneiras além de quantas essências têm C. Suponha que,
em Mp, n essências tenham C. Não poderia haver outro mundo, Mp′, tal que, em Mp′,
n essências também tenham C, mas Mp′ difere de Mp de alguma outra forma? De
fato, se considerarmos seriamente a variedade de maneiras pelas quais os mundos
podem diferir independentemente de quantas essências têm C, poderíamos
naturalmente hipotetizar que existem infinitos mundos nos quais existem
Q-muitas essências com C. Ou seja,
Plenitude
Intermundo Forte: Para qualquer combinação de contrafactuais de liberdade, C, e
para qualquer quantificador Q, existem infinitos mundos Mp tais que Q-muitas
essências em Mp têm C.
A Plenitude
Intermundo, seja fraca ou forte, não é a única resposta para a questão de
quantas essências têm C. Quando, para alguma combinação de contrafactuais de
liberdade, C, perguntamos quantas essências a têm, podemos nos perguntar se,
para qualquer diferença em relação aos contrafactuais de liberdade que possa
existir entre um par de essências, existe pelo menos um par de essências em
cada mundo tal que essa diferença exista entre eles. Se seguirmos essa linha de
pensamento, uma resposta bem diferente à nossa pergunta nos virá à mente, uma
que exiba uma plenitude de essências em cada mundo, em vez de uma plenitude de
essências entre mundos, como foi o caso da Plenitude Intermundial. Podemos
colocar essa imagem alternativa da distribuição de contrafactuais de liberdade
para essências de forma um pouco mais precisa da seguinte forma:
Plenitude
Intramundial Fraca: Para qualquer combinação de contrafactuais de liberdade, C,
e para qualquer mundo Mp, alguma essência em Mp tem C.
(A Plenitude
Intramundial Fraca foi introduzida pela primeira vez em Howard-Snyder e O'Leary
Hawthorne 1998, 13.) É claro que as essências podem diferir de muitas maneiras
além de terem C. Suponha que, em Mp, E tenha C. Não poderia haver outra
essência, E', tal que, em Mp, E' também tenha C, embora diferindo de E de
alguma outra maneira? De fato, se considerarmos seriamente a variedade de
maneiras pelas quais as essências podem diferir independentemente de C, seja
qualitativamente ou haecceitisticamente, podemos muito bem hipotetizar que
existem infinitas essências em cada mundo que possuem C. Ou seja,
Forte
Plenitude Intramundana: Para qualquer combinação de contrafactuais de liberdade,
C, e para qualquer mundo Mp, infinitas essências em Mp possuem C.
Plenitude
Intermundana e Plenitude Intramundana constituem quadros abrangentes
incompatíveis da distribuição de contrafactuais de liberdade para essências.8
Com esses diferentes quadros em mente, voltemos a S e Dp:
S:
Necessariamente, uma ou outra essência desfruta de STMd.
Dp:
Possivelmente, toda essência sofre de DTMd.
Observe que
se uma essência desfruta de STMd ou se sofre de DTMd depende da combinação de
contrafactuais de liberdade que ela possui. Se houver uma combinação que inclua
um contrafactual segundo o qual sua instanciação daria errado nas condições
relevantes, então ele sofre de DTMd; se não incluir tal contrafactual, então
ele desfruta de STMd. Observe também duas outras coisas: primeiro, se a
Plenitude Intramundana representa com precisão a distribuição de contrafactuais
de liberdade para essências, então S é verdadeiro e Dp é falso; segundo, se a
Plenitude Intermundana representa com precisão a distribuição de contrafactuais
de liberdade para essências, então S é falso e Dp é verdadeiro.
E agora surge
uma questão importante: qual imagem (se houver) representa com precisão a
distribuição de contrafactuais de liberdade para essências? Cada imagem é
internamente consistente e cada uma é consistente com tudo o que sabemos ou
acreditamos razoavelmente. Então, qual é? Eu afirmo que nenhum de nós está em
posição de responder a essa pergunta. Não estamos em posição de dizer qual
imagem (se houver) é precisa. Mas, nesse caso, não estamos em posição de dizer
se S ou Dp é verdadeiro. E se não estamos em posição de dizer se S ou Dp é
verdadeiro, então não é mais razoável para nós acreditar em Dp do que em S e,
portanto, é razoável para nós nos abstermos de acreditar em Dp, caso em que a DLA
de Plantinga falha.
Duas Objeções
Rowe e
Plantinga discordam (Rowe 1998; Plantinga 2009). De qualquer forma, eles
disseram algumas coisas contra S e a favor de D.
De acordo com
Rowe, temos boas razões para pensar que S é falsa. A razão é esta. Comece com
um modelo de brinquedo: "suponha que existam apenas duas essências de
criatura, E1 e E2" (Rowe 1998, 118). Suponha ainda, como é sem dúvida
verdade, que nenhuma essência tem STMd ou DTMd essencialmente. Nesse caso, diz
Rowe, ◊ (E1 sofre de DTMd) e ◊ (E2 sofre de DTMd). Ele continua: se em todos os
mundos, uma ou outra essência desfruta de STMd, então, em nosso modelo de
brinquedo, é necessário que, se E1 é DTMd, E2 não é DTMd. “Mas claramente tal
condicional não pode ser necessária. Pois se fosse e E1 sofresse de DTMd, não
caberia a E2 decidir se ele sofre de DTMd.” A ideia é que o fato de E1+ agir
livremente de forma errada no segmento de mundo inicial relevante não pode
implicar o fato de E2+ agir livremente de forma correta no segmento de mundo
inicial relevante; pois, por definição de DTMd, cabe a E2+, no segmento de
mundo inicial relevante, decidir se E2 sofre de DTMd. Portanto, dado nosso
modelo de brinquedo, ◊ (E1 sofre de DTMd e E2 sofre de DTMd); além disso, como
não há outras essências no modelo, segue-se que, no modelo, é possível que toda
essência sofra de DTMd. Rowe continua:
"Agora,
isso pode ser muito bom. Mas e se não estivermos considerando apenas duas
essências de criaturas? E se houver muitas, talvez infinitamente muitas,
essências que estivermos considerando? Como podemos ter certeza de que ◊ (toda
essência sofre de DTMd)?" (Rowe 1998, 119)
Boa pergunta.
Aqui está a resposta de Rowe:
"Não
importa quantos conjuntos da forma "Ex sofre de DTMd" estejam dentro
do escopo do operador de possibilidade, a adição de qualquer número de outros
conjuntos não pode fazer com que a conjunção resultante não seja logicamente
possível. Sendo assim, podemos concluir que ◊ [Toda essência (criatural) sofre
de DTMd]."
O argumento
de Rowe aqui é o seguinte: suponha que existam infinitas proposições da forma ◊
(Ex sofre de DTMd). Então, para infinitas essências, ◊ (E1 sofre de DTMd
& E2 sofre de DTMd & E3 sofre de DTMd & . . . & En sofre de DTMd
& . . .). Portanto, ◊ (Toda essência (criatural) sofre de DTMd).
O que devemos
concluir deste argumento? Bem, isto é verdade: dada a Plenitude Intramundana, a
segunda inferência é obviamente inválida. Isso porque a possibilidade de que
infinitas essências sofram de DTMd (premissa de Rowe) é compatível com a
Plenitude Intramundana, e a Plenitude Intramundana implica que não é possível
que toda essência criatural sofra de DTMd (a negação da conclusão de Rowe). De
fato, a versão forte da Plenitude Intramundana implica tanto que infinitas
essências sofrem de DTMd quanto que infinitas essências não sofrem de DTMd.
Portanto, a segunda inferência de Rowe é válida apenas na suposição de que a Plenitude
Intramundana representa imprecisamente a distribuição de contrafactuais de
liberdade para as essências. Rowe não tem direito a essa suposição, no entanto;
ele não está em posição de dizer que a Plenitude Intramundana é imprecisa.
Plantinga
argumenta contra S de maneira semelhante. Ele escreve:
"Seja
{E} o conjunto de essências e escolha qualquer essência E* específica que você
goste. Se (S) for verdadeiro, então
Necessariamente,
se nenhum dos membros de {{E}-E*} desfruta de STMd, então E* desfruta de STMd.
Mas isso
parece paradoxal. E*, é claro, não desfruta essencialmente de STMd; mas então
por que o fato de essas outras essências não desfrutarem de STMd implicaria que
E* desfruta? O que o fato de elas terem ou não essa propriedade tem a ver com o
fato de E* tê-la ou não?" (Plantinga 2009, 187–188)
Do ponto de
vista da Plenitude Intramundana (a versão forte), nada aqui é o mínimo
paradoxal, visto que, desse ponto de vista, {E} tem infinitos membros que
desfrutam de STMd, e portanto {{E}-E*} tem infinitos membros que também
desfrutam de STMd. Portanto, do ponto de vista da Plenitude Intramundana, o
antecedente da condicional que Plantinga nos pede para considerar é impossível,
isto é, é impossível que "nenhum dos membros de {{E}-E*} desfrute de STMd".
Existem diferentes visões sobre como interpretar condicionais com antecedentes
impossíveis e quais valores de verdade atribuir a eles. Seja qual for a visão
que você preferir, use-a aqui como em outros lugares. Não há paradoxo nisso;
pelo menos, nenhum paradoxo acima e além da visão que você usa. Quanto às
perguntas que Plantinga faz em um esforço para induzir um ar de paradoxalidade,
observe que, do ponto de vista da Plenitude Intramundana, a primeira pergunta –
"por que o fato de essas outras essências não desfrutarem de STMd implica
que E* a desfrute?" – emprega uma pressuposição falsa, a saber, que é um
fato que essas outras essências não desfrutam de STMd; e a segunda pergunta –
"O que o fato de elas terem ou não essa propriedade tem a ver com o fato
de E* tê-la ou não?" – é respondida de forma adequada e sem paradoxos por:
nada.
Plantinga
(2009, 187) também aduz contra S o pensamento de que “Não há razão estrutural
pela qual pelo menos uma das essências deva desfrutar de STMd”. Plantinga não
deixa claro o que quer dizer com “razão estrutural”, mas é claro que, do ponto
de vista da Plenitude Intramundana, há uma razão simples e básica pela qual
pelo menos uma das essências deva desfrutar de STMd, a saber: se uma essência
desfruta de STMd depende da combinação de contrafactuais de liberdade que ela
possui, e para qualquer combinação de contrafactuais de liberdade, C, e para
qualquer mundo Mp, infinitas essências em Mp têm C.
Até onde
posso ver, as razões de Rowe e Plantinga contra S pressupõem que a Plenitude
Intramundana representa imprecisamente a distribuição de contrafactuais de
liberdade para as essências. Nenhum deles tem direito a essa suposição.
Plantinga, no
entanto, vai além. Ele afirma não apenas ter fornecido razões para negar S; Ele
afirma que “(S) não tem suporte intuitivo” e que “sua negação (∼S)... desfruta de suporte intuitivo”.
Em defesa da primeira afirmação, ele escreve:
"Verdadeiro:
certamente parece possível que alguma essência desfrute de STMd. Além disso,
talvez alguma essência realmente tenha essa propriedade; mas por que pensar que
é necessário que seja assim? Esta proposição simplesmente não parece ser
necessária." (Plantinga 2009, 188)
O que devemos
concluir dessas palavras? Quatro observações são pertinentes.
Primeiro, do
ponto de vista da Plenitude Intramundana, há uma razão perfeitamente válida
para que seja necessário que alguma essência desfrute de STMd.
Segundo, a
afirmação de que “a proposição de que alguma essência desfruta de STMd não
parece necessária” é ambígua entre (i) não é o caso de que a proposição de que
alguma essência desfruta de STMd pareça necessária e (ii) parece que a
proposição de que alguma essência desfruta de STMd não é necessária. A
colocação do operador de negação importa. Como Plantinga está defendendo a
afirmação de que S carece de suporte intuitivo, entendo que ele quer dizer (i)
e não (ii).
Terceiro,
quando um intérprete caridoso ouve alguém afirmar algo como "não é o caso
de que p pareça necessário", ele não ouvirá "não é o caso de que p
pareça necessário aos cidadãos do grande Estado de Washington"; nem ouvirá
"não é o caso de que p pareça necessário ao público em geral". Não, o
que ele ouvirá é isto: "não é o caso de que p me pareça necessário".
Entendo que, quando Plantinga afirma que não é o caso de que alguma essência
goze de STMd pareça necessário, ele não está atribuindo a ausência de certos
estados aparentes aos cidadãos de Washington, ou ao público em geral, ou algo
do tipo; em vez disso, ele está atribuindo a si mesmo uma certa ausência de um
estado aparente: "não é o caso de que a proposição de que alguma essência
goze de STMd me pareça necessária".
Em quarto
lugar, uma afirmação da forma “não é o caso de que p pareça necessário a x” é
primariamente uma afirmação sobre x. Uma afirmação da forma “p não tem suporte
intuitivo” é uma afirmação primariamente sobre p; ela atribui a p a falta de
uma certa propriedade, ou o complemento lógico da propriedade de desfrutar de
suporte intuitivo. Agora, Plantinga afirma que “(S) não tem suporte intuitivo”.
O que ele nos dá é “não é o caso de que alguma essência desfrute de STMd parece
necessário para mim”, isto é, para o próprio Plantinga. Aqui, devemos ter
cautela. Um estudante de lógica introdutória não compreende a necessidade da
condicional correspondente para o modus ponens. “Não me parece necessário!”,
exclama ele com exasperação. Deveríamos inferir que ela – a proposição de que,
necessariamente, se p e p somente se q, então q – carece de suporte intuitivo?
Dificilmente. O mesmo vale para Plantinga. Justo: não é o caso de que a
proposição de que alguma essência desfrute de STMd lhe pareça necessária. Mas
não nos deixemos levar. Dificilmente se segue que S não desfruta de suporte
intuitivo.
Agora, apesar
do que Plantinga tem a dizer em defesa da afirmação de que S não desfruta de
suporte intuitivo, espero que ele esteja certo. Isso porque espero que quase
ninguém com competência para entender S se sinta intelectualmente atraído por
ele. Portanto, concordo com a primeira afirmação de Plantinga.
E quanto à
sua segunda afirmação: “(∼S)...
em si desfruta de suporte intuitivo”? Assim como com sua primeira afirmação,
devemos ter cautela. Uma coisa é uma proposição particular parecer verdadeira
para você; outra bem diferente é ela ter uma certa propriedade, a propriedade
de desfrutar de suporte intuitivo. Encontramos um residente na ala psiquiátrica
local que afirma ser Napoleão Bonaparte. Sem dúvida, parece-lhe que a
proposição de que ele é Napoleão Bonaparte é verdadeira. Mas você realmente
quer dizer que essa proposição, portanto, desfruta de suporte intuitivo? Claro
que não. O mesmo vale para Plantinga. Sem dúvida, parece-lhe que a proposição
de que possivelmente nenhuma essência desfruta de STMd é verdadeira. Mas não
tiremos conclusões precipitadas. Em particular, não tiremos conclusões
precipitadas de que, possivelmente, nenhuma essência desfruta de STMd,
portanto, desfruta de suporte intuitivo.
Aqui está o
que Plantinga diz em defesa de sua afirmação de que ∼S goza de suporte intuitivo:
"Por que
não poderia ser que nenhuma essência gozasse dessa propriedade? Isso não
exigiria, é claro, que qualquer essência sofresse de DTMd; requer apenas que
para cada essência E exista um mundo Mp e [segmento de mundo inicial T(Mp)] tal
que, se [T(Mp)] fosse real, E+ teria dado errado em pelo menos uma ocasião.
Mais simplesmente, o que requer é que para cada essência E exista um conjunto S
de circunstâncias tal que, se S tivesse sido real, E+ teria feito algo errado.
Isso não parece possível?" (Plantinga 2009, 188)
Tenho duas
coisas a dizer sobre essas palavras.
Primeiro,
quanto à pergunta inicial – Por que não poderia ser que nenhuma essência
gozasse de STMd? – a resposta do ponto de vista da Plenitude Intramundana é
esta: não poderia ser que nenhuma essência desfrutasse de STMd, porque se uma
essência desfruta de STMd depende de qual combinação de contrafactuais de
liberdade ela possui, e para qualquer combinação de contrafactuais de
liberdade, C, e para qualquer mundo Mp, pelo menos alguma essência em Mp,
talvez até infinitas, possui C. É claro que não estou sugerindo que esta
resposta esteja correta. Estou apenas apontando que é uma resposta à pergunta
de Plantinga. Talvez uma pergunta mais importante do que a pergunta inicial de
Plantinga seja esta: que razão Plantinga, Rowe, ou qualquer outra pessoa, nesse
caso, tem para pressupor que a Plenitude Intramundana representa incorretamente
a distribuição de contrafactuais de liberdade para as essências?
Em segundo
lugar, Plantinga nos lembra que tudo o que é preciso para que seja possível que
nenhuma essência seja STMd é que seja possível que “para cada essência E exista
um mundo [n E-perfeito] Mp e [segmento de mundo inicial T(Mp)] tal que se [T(Mp)]
fosse real, E+ teria dado errado em pelo menos uma ocasião.” Então ele
pergunta: “Isso não parece possível?” Observe que Plantinga não está
perguntando se parece possível que para alguma essência E, exista um mundo
E-perfeito Mp e um segmento de mundo inicial T(Mp) tal que se T(Mp) fosse real,
E+ teria dado errado pelo menos uma vez. Em vez disso, ele está perguntando se
parece possível que para toda e qualquer essência E, exista um mundo E-perfeito
Mp e um segmento de mundo inicial T(Mp) tal que se T(Mp) fosse real, E+ teria
dado errado pelo menos uma vez. Além disso, ele não está perguntando se é uma
possibilidade epistêmica. Ou seja, ele não está perguntando se, para tudo o que
alguém sabe — ou, talvez, se para tudo o que você, seu leitor, sabe — toda
essência é tal que existe um mundo E-perfeito Mp e um segmento de mundo inicial
T(Mp) tal que, se T(Mp) fosse real, E+ teria dado errado pelo menos uma vez.9
Não, Plantinga está fazendo uma pergunta sobre como os contrafactuais da
liberdade podem ser distribuídos para essências individuais. Em particular, ele
pergunta se parece haver um mundo possível no qual o seguinte seja verdadeiro:
para toda e qualquer essência E, existe algum mundo Mp tal que E contém as
propriedades, é significativamente livre em Mp e sempre faz o que é certo em Mp,
e existe algum segmento inicial de mundo T(Mp) e alguma ação A tal que
(1) T(Mp)
inclui E sendo instanciadas e E+ sendo livres em relação a A e A sendo
moralmente significativos para E+,
(2) T(Mp)
está incluído em W, mas não inclui E+ realizando A nem E+ se abstendo de A, e
(3) se T(Mp)
fosse real, E+ teria dado errado em pelo menos uma ocasião.
Bem, cada um
de nós terá que responder à pergunta de Plantinga – "Isso não parece
possível?" – por si mesmo. De minha parte, posso garantir que não me
parece que exista um mundo no qual cada essência satisfaça a descrição de
Plantinga. (É claro que também não é o caso de me parecer que tal mundo não
exista; mas isso não vem ao caso.)
O ponto mais
importante aqui é este. O apelo explícito de Plantinga à intuição está um pouco
defasado. Isso não quer dizer que a intuição em si seja algo ruim. Em vez
disso, significa que, neste ponto da conversa, precisamos de alguma razão,
qualquer razão, para supor que os contrafactuais da liberdade se desenvolvem de
tal forma que é possível que nenhuma essência seja STMd. Pois, se a Plenitude
Intramundana representa com precisão o terreno modal nesta área, então é
necessário que uma essência seja STMd, e a impressão que Plantinga tem de que
isso não é necessário o leva à falsidade. Mas Plantinga não tem nenhuma boa
razão para supor que a Plenitude Intramundana seja imprecisa. Se tivesse, teria
nos contado sobre isso. Não, o fato é que, como o resto de nós, ele está
completamente no escuro sobre o assunto. Consequentemente, como o resto de nós,
ele deveria se abster de acreditar em ∼S
com base na impressão que lhe dá de que é possível que nenhuma essência goze de
STMd.
Eis o que
acontece com o caso de Plantinga contra S. O que ele tem a dizer em nome de Dp?
Quarenta anos atrás, ele declarou que era "claramente" verdade e
deixou por isso mesmo. Ele tem um pouco mais a dizer agora. Aqui está na
íntegra:
"Quando
penso profundamente sobre (Dp), parece-me ser verdade. Não parece possível que
os contrafactuais da liberdade se desenrolem de tal forma que cada essência E
seja tal que, para todo mundo E-perfeito, exista algum segmento inicial desse
mundo tal que, se esse segmento fosse real (se Deus o atualizasse fracamente),
E daria errado em relação a alguma ação? O que os impediria de se desenrolá-los
dessa forma? (Dp) tem suporte intuitivo. E não é como se (Dp) fosse uma
daquelas proposições peculiares tais que tanto elas quanto suas negações
parecem ter suporte intuitivo:
(∼Dp) Necessariamente, algumas essências
não sofrem de DTMd
não tem
suporte intuitivo. Parece não haver razão alguma para pensar que deve ser o
caso de algumas essências não apresentarem DTMd.
Portanto,
digo que (Dp) tem suporte intuitivo; parece verdade" (Plantinga 2009,
188).
Essas
palavras constituem um avanço em relação à declaração de Plantinga de 1974 de
que Dp é "claramente" verdadeiro?
Infelizmente,
não. Pois, em primeiro lugar, ninguém na conversa jamais sugeriu que "(Dp)
é uma daquelas proposições peculiares tais que tanto elas quanto suas negações
parecem ter suporte intuitivo". Em segundo lugar, vemos duas vezes mais a
predileção de Plantinga pela falácia "p me parece verdadeiro; portanto, p
tem suporte intuitivo". Talvez se ele defendesse a ideia de que Dp parecia
ser verdadeiro para uma amostra representativa da humanidade (ou mesmo para uma
amostra representativa daqueles competentes para entendê-lo), isso contribuiria
de alguma forma para apoiar sua afirmação de que Dp tem suporte intuitivo. Mas,
na ausência de evidências como essa, não temos razão alguma para supor que Dp
desfrute de suporte intuitivo. Em terceiro lugar, vemos uma nova maneira de
declarar que Dp é "claramente" verdadeiro, uma maneira que utiliza o
jargão atualmente em voga do "parece-falar": "parece-me ser
verdadeiro". Nenhum avanço aí. Já sabíamos disso. Por fim, nos é oferecida
uma pergunta, em um aparente esforço para estimular nossas intuições: o que
impediria que os contrafactuais da liberdade se desintegrassem de tal forma
que, possivelmente, toda essência sofresse de DTMd? Mas a resposta a essa
pergunta deveria ser clara: Plenitude Intramundana. É isso que impediria que os
contrafactuais da liberdade se desintegrassem dessa forma.
O que
precisamos neste ponto da conversa é de uma boa razão para favorecer a
Plenitude Intermundana, ou algo funcionalmente comparável a ela, em detrimento
da Plenitude Intramundana. Isso avançaria a conversa. Mas Plantinga não nos oferece
tal coisa. Em vez disso, ele embeleza sua fala de 1974 de que Dp é
"claramente" verdadeiro com uma saia nova e chique: "Dp me
parece ser verdadeiro". Na melhor das hipóteses, isso encerra a conversa.
Notas
1 Mackie
acabou desistindo do problema lógico do mal contido em Mackie (1955). Em vez
disso, ele ofereceu uma versão do problema evidencial, o que chamou de “o
problema dos males não absorvidos”, males que não seriam justificadamente
permitidos por Deus. Ver Mackie (1982, 150-176, especialmente 155).
2 Não é bem
assim que Plantinga traça a distinção. Ele afirma que um teodicista visa “nos
dizer qual é realmente a razão de Deus para permitir o mal”, enquanto um
defensor visa, no máximo, dizer “qual poderia ser a razão de Deus” (Plantinga
1974b, 28). Essa maneira de traçar a linha entre teodiceia e defesa implica que
Deus existe; aquele no texto, não.
3 Algumas
definições de Plantinga (1974b, 29-30) serão úteis aqui. (1) Se uma pessoa é
livre em relação a uma determinada ação, então ela é livre para realizar essa
ação e livre para se abster de realizá-la; nenhuma condição antecedente e/ou
lei causal determina que ela realizará a ação, ou que não a realizará. Está em
seu poder, no momento em questão, tomar ou realizar a ação e em seu poder
abster-se dela. (2) Uma ação é moralmente significativa, para uma determinada
pessoa, se for errado para ela realizá-la, mas certo abster-se dela, ou
vice-versa. (3) Uma pessoa é significativamente livre, em um momento, se ela
for livre em relação a uma ação moralmente significativa.
4 De acordo
com Plantinga, cada coisa que existe em qualquer mundo possível possui uma
propriedade única (e talvez complexa) que distingue esse indivíduo de todas as
outras coisas possíveis. Essa propriedade é uma “essência individual”. Como uma
essência individual – ou “essência”, para abreviar – é uma propriedade, e
propriedades necessariamente existem, cada essência existe em todos os mundos
possíveis. Muitos indivíduos são coisas contingentes, eles não existem em todos
os mundos possíveis; no entanto, suas essências o fazem.
5 Plantinga
(1974b, 52–53); cf. Plantinga (1974a, 188). Plantinga confessa não ser
totalmente claro sobre como explicitar essa noção de um segmento de mundo
máximo (ou inicial). Uma expressão aproximada da ideia é esta: imagine uma
pessoa que é livre para fazer A em t e que é livre para se abster de A em t. Se
ela faz A em t, então ela faz com que um certo mundo, Mp, seja real; no
entanto, se ela se abstém de A em t, ela faz com que outro mundo, Mp′, seja
real. Observe que tanto Mp quanto Mp′ compartilham um segmento de um mundo até
o momento em que ela age ou se abstém de agir. Um segmento de mundo máximo (ou
inicial) é aquele segmento de cada um de Mp e Mp′ que é (intrinsecamente) o
mesmo até t. Para mais informações sobre o assunto, veja Plantinga (1974a,
175-176; 1974b, 46; 1985, 50-52).
6 Plantinga
(1974b, 53). Como as essências são seres necessários, Deus não tem o poder de
criar essências diferentes daquelas que existem e instanciá-las.
7
Howard-Snyder e O’Leary-Hawthorne (1998: 8-13).
8 Devo as
distinções aqui a John Hawthorne.
9 Essa opção
sensata lhe foi oferecida em Howard-Snyder e O’Leary-Hawthorne (1998, 14-18),
mas ele a rejeitou.
Leituras recomendadas
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