Extraído do Livro “The Blackwell Companion to The Problem of Evil” Ed. por Daniel Howard-Snyder e Justin P. McBreyer – Capítulo 7 – A Experiência do Mal e o Suporte ao Ateísmo
Introdução
Arthur
Schopenhauer estava convencido de que experiências repetidas de males horrendos
levariam justificadamente uma pessoa a acreditar que Deus não existe. Eis aqui
parte do que Schopenhauer escreveu sobre isso em O Mundo como Vontade e
Representação:
"Se
conduzíssemos o otimista convicto pelos hospitais, enfermarias e salas de
cirurgia, pelas prisões, câmaras de tortura e canis de escravos, pelos campos
de batalha e locais de execução; se lhe abríssemos todas as moradas sombrias da
miséria, onde ela se esconde do olhar da fria curiosidade, e, finalmente, lhe
permitíssemos vislumbrar o calabouço faminto de Ugolino, ele também
compreenderia finalmente a natureza deste "melhor dos mundos possíveis".
Pois de onde Dante tirou os materiais para o seu inferno senão deste nosso
mundo real?... As misérias da vida podem aumentar tanto, e isso acontece todos
os dias, que a morte, que até então tem sido temida acima de todas as coisas, é
avidamente agarrada." (Schopenhauer 1909, I, 419)
Nesta
citação, devemos imaginar que, quando uma pessoa experimenta muitos males
horrendos, ela passa a acreditar que a vida é irremediavelmente desagradável e
brutal, a partir da qual, Schopenhauer pretendia, ela formaria a crença de que
Deus não existe.
Meu primo
Binyamin tornou-se descrente devido aos seus anos testemunhando e suportando
atrocidades nazistas horríveis. Uma de suas experiências grotescas ocorreu na
véspera de Natal de 1943, no campo de trabalho de Auschwitz, Buna. Os oficiais
nazistas ordenaram que Binyamin e todos os judeus do campo fossem para o pátio
principal, ordenando que formassem fileiras, imóveis. A alegria natalina estava
por toda parte. Os oficiais nazistas estavam orgulhosamente em seus uniformes
de gala. Uma enorme, gloriosa e magnificamente ornamentada árvore de Natal
anunciava as Boas Novas; e, em um palco festivamente decorado, a banda tocava
canções natalinas doces e cativantes. Em seguida, enforcaram sete judeus nos
galhos da árvore natalina. E a banda continuou tocando.
Binyamin
viveu como judeu ortodoxo até a guerra. Depois disso, abandonou a religião e
Deus por tristeza e sofrimento. Ao visitar Binyamin no asilo onde morava em
Jerusalém, ele me contou que, no sábado anterior, havia visitado a sinagoga do
asilo. Perguntei a Binyamin: "Isso significa que você está começando a
retornar à religião?"
Binyamin
olhou para longe, como se visse algo através da distância do tempo, e disse:
"Vi pessoas justas que estavam cheias de Torá, cuja vida inteira foi
servir a Deus, elas não sabiam de nada mais e não desejavam nada mais, e foram
brutalmente assassinadas, diante dos meus olhos, das formas mais horríveis que
se possa imaginar." E então acrescentou: "Sinto falta disso. Anseio
por isso. Foi o amor da minha juventude. Quero rezar. Mas você não pode me
convencer... Você não pode me convencer." Meu primo Binyamin havia perdido
a crença em Deus, ainda que lamentavelmente, devido às suas experiências de
males horrendos.
A partir de
experiências de males horrendos, uma pessoa poderia formular um argumento
típico a partir do mal vivenciado (ver Capítulo 4). Seria um argumento que
usasse uma premissa que descrevesse males vivenciados ("Senti dores
excruciantes por seis semanas"), juntamente com premissas sobre a natureza
de Deus e princípios sobre o que poderíamos esperar de Deus em relação ao mal.
A conclusão seria que o mal não era (ou provavelmente não era) justificado e
Deus não existia (ou provavelmente não existia).
Parece-me
que, em casos como a digressão de Schopenhauer por males horrendos e o
testemunho e a tolerância de atrocidades do meu primo Binyamin, a crença na
inexistência de Deus pode advir não de um argumento a partir da experiência do
mal, mas de outros tipos de apoio. Consequentemente, deixarei de lado os
argumentos típicos a partir do mal vivenciado. Em vez disso, meu primeiro foco
será em como experiências do mal podem fundamentar o ateísmo por analogia com a
forma como filósofos têm afirmado que experiências aparentemente divinas fundamentam
a crença teísta. Posteriormente, esboçarei outras maneiras pelas quais o
ateísmo se fundamenta em experiências do mal, maneiras não análogas à forma
como os filósofos têm pensado a experiência teísta, mas ainda não exatamente
argumentos a partir da experiência do mal.
Direi que a
experiência, E, do mal, apoia uma crença, B, para uma pessoa, S, quando E fornece
justificação epistêmica B para S, ou então E fundamenta B para S. Eu distingo
entre apoio direto e mediado para o ateísmo vindo da experiência do mal. Direi
que uma experiência (ou um conjunto de experiências) E do mal dá um apoio
direto, D, para uma crença, A, no ateísmo quando: (1) E apoia A, e (2) não há
nenhum elemento em D essencial para o apoio de E a A que seja causado por E
(exceto, no máximo, a crença de S de que E ocorreu). Uma maneira da experiência
do mal apoiar diretamente o ateísmo seria uma pessoa simplesmente
"ver" ali mesmo no mal experimentado que Deus não existe. Este é o
tipo de apoio fundamental que ser aparentemente uma árvore dá a alguém que
apenas vê que há uma árvore à sua frente. Outra forma de apoio direto seria
quando uma pessoa infere, a partir da ocorrência de E, por si só, que
(provavelmente) Deus não existiu.
Eu direi que
E produz um suporte mediado, M, para A quando (1) Em M, E não suporta A
diretamente, e (2) em M, E suporta A dando origem a elementos essenciais para o
suporte de A para S. E pode fornecer suporte direto e mediado para A. Eu direi
que a experiência, E, do mal dá um suporte proposicionalmente mediado, P, para
a crença, A, de que Deus não existe, para uma pessoa S, quando (1) em P, E não
dá suporte direto para A, e (2) em P, E dá suporte direto para a crença, I, de
que o mal experimentado é irredimível, e ou S infere A de I, ou A é
fundamentado para S no estado de crença de S em I.1 No suporte
proposicionalmente mediado para o ateísmo, ou uma pessoa vê ali mesmo na
experiência que esse mal é irredimível, ou infere isso diretamente da
experiência, e então infere o ateísmo, ou então tem o ateísmo formado nela a
partir de sua crença de que esse mal é irredimível. O apoio ao ateísmo advém de
uma proposição interveniente entre E e a crença de que Deus não existe.
A primeira
parte deste capítulo abordará o apoio direto e mediado proposicionalmente que o
ateísmo obtém das experiências do mal. A segunda parte esboçará formas mediadas
de apoio ao ateísmo, além do apoio mediado proposicionalmente, formas que os
filósofos têm negligenciado. Minha conclusão será que as experiências do mal
fornecem apoio ao ateísmo. Disso não se segue que a experiência do mal forneça
apoio adequado ao ateísmo. O apoio vem em graus, incluindo apoio inadequado.
Além disso, mesmo o apoio adequado da experiência de um mal horrendo pode ser
derrotado por contra-apoio. De fato, como argumento em outro lugar, os teístas
podem argumentar em favor do apoio a partir de supostas experiências de Deus da
mesma forma que esboço aqui o apoio ao ateísmo. (Gellman, no prelo) Portanto,
as experiências teístas oferecem contra-apoio ao apoio que, por meio deste,
concedo às experiências do mal. Minha conclusão aqui, então, é a cautelosa de
que o ateísmo obtém algum apoio não argumentativo da experiência do mal, talvez
até uma quantidade razoável.
Há três
posições principais de filósofos analíticos em defesa da importância epistêmica
positiva das experiências teístas para a crença em Deus, sem passar por uma
argumentação: (1) o Princípio da Credulidade de Richard Swinburne, (2) a
Abordagem da Prática Doxástica de William Alston e (3) o Funcionalismo Próprio
de Alvin Plantinga. Considero cada uma delas uma analogia ao apoio direto ou
proposicionalmente mediado ao ateísmo a partir da experiência do mal.2
Princípio da Credulidade
de Richard Swinburne
Richard
Swinburne endossa um princípio que ele chama de “Princípio da Credulidade”:
"(PC) É
um princípio de racionalidade que (na ausência de considerações especiais) se
parece (epistemicamente) a um sujeito que x está presente, então provavelmente
x está presente." (Swinburne 1991, 254)
No sentido
"epistêmico" de "parece", para Swinburne, "Parece a S
que O está presente" significa que S está inclinado a acreditar que O está
presente com base em sua experiência presente. "Considerações
especiais" referem-se a razões para pensar ou suspeitar que x não esteve
presente para o sujeito, ou razões para pensar que a experiência do sujeito é
impugnada por outras evidências. Assim, Swinburne escreve que “uma experiência
religiosa aparentemente de Deus deve ser considerada verídica, a menos que se
possa demonstrar, por outros motivos significativamente mais prováveis do que
há ausência de Deus” (Swinburne 1991, 254).
O Princípio
da Credulidade de Swinburne aplica-se à experiência do mal para a crença de que
Deus não existe. O princípio de Swinburne aplica-se à aparente presença de um
objeto específico. No caso de apoio direto ao ateísmo, o objeto que parece
estar presente seria um mal irredimível. Por analogia ao Princípio da
Credulidade de Swinburne, se parece a uma pessoa que ela está testemunhando um
mal irredimível, então existe uma razão a favor de acreditar que o mal é
irredimível, da qual decorre o ateísmo. Ela terá apoio proposicionalmente
mediado para acreditar que Deus não existe.
No entanto, a
ideia por trás do Princípio da Credulidade não impõe restringi-lo à aparente
visão de um objeto. Pois no cerne do princípio reside a ideia de que, para
evitar o ceticismo, devemos assumir que o que nos parece experiencialmente é o
caso.3 Swinburne formulou seu princípio para um objeto aparentemente presente
apenas porque estava interessado em aplicá-lo a experiências onde Deus parece
estar presente. Com a mesma justificativa contra o ceticismo, Swinburne poderia
ter formulado seu princípio para qualquer par de crenças epistêmicas
experienciais aparentes. Portanto, se uma pessoa experimenta um mal que parece
ser irredimível, então a crença de que ele é irredimível teria apoio swinburneano.
A seguinte
objeção foi levantada por um leitor anônimo astuto: Não parece possível que o
ser irredimível de um mal seja dado na experiência. Ser irredimível
simplesmente não é o tipo de coisa que pode ser um objeto de experiência.
Afinal, um mal é irredimível apenas se for injustificado em todos os mundos
possíveis ou, pelo menos, em todos os mundos possíveis relevantemente
semelhantes ao nosso. Como esse caráter modal de irredimibilidade poderia ser
experimentado? Parece que o princípio de Swinburne não poderia ser aplicado
aqui. Em resposta, devo salientar que essa objeção causará problemas para quem
endossa a justificação swinburneana direta para o teísmo a partir de supostas
experiências com Deus. Afinal, supõe-se que Deus seja perfeitamente bom,
poderoso, conhecedor e eterno. Essa caracterização inclui elementos modais. Por
exemplo, que Deus é perfeitamente poderoso implica o que Deus pode fazer em
todos os mundos possíveis, ou, pelo menos, em todos os mundos possíveis
relevantemente semelhantes ao nosso. Se for fornecer suporte direto para a
crença em Deus, sem qualquer outra contribuição, o Princípio da Credulidade
terá que apoiar esses elementos modais diretamente. Se assim for, os usuários
do princípio não podem facilmente negar seu uso para a crença no mal
irredimível com base em fundamentos modais.
Agora, uma
resposta direta. O objetor pode estar pensando que, para que a irredimibilidade
de um mal seja dada na experiência, a irredimibilidade deve ser um dado
experienciado, como a cor de uma mesa é um dado observado dentro de uma
experiência de uma mesa. No entanto, é difícil imaginar como a irredimibilidade
poderia ser um dado da experiência. No entanto, ao dizer que a irredimibilidade
de um mal é experienciada, não precisamos querer dizer o que o objetor poderia
querer dizer com isso. Dizer que a irredimibilidade é experienciada não precisa
significar mais do que que, quando confrontado com o mal, ele parece ser
irredimível. A irredimibilidade não precisa ser um dado na experiência, como a
cor de uma mesa. Não quero dizer que o mal pareça irredimível ao sujeito porque
ele supõe que é irredimível ou é incapaz de pensar em uma justificativa moral
para ele. No próprio ato de vivenciar o mal, a pessoa é atingida por sua
irredimibilidade, vivencia-o como um mal irredimível, de forma semelhante a
como uma pessoa, ao vivenciar um amor avassalador e invisível, pode ser
atingida por ser o amor de Deus e vivenciá-lo como tal. Pense no mal como sendo
vivenciado como tão horrendo que, para o sujeito, ele ostenta sua clara
injustificativa moral de forma demonstrativa. Swinburne argumenta que devemos
permitir que as aparências epistêmicas tenham importância epistêmica positiva
prima facie se quisermos escapar do ceticismo. Se for assim, as aparências de
irredimibilidade devem ser incluídas.
Concluo que,
se seguirmos Swinburne, devemos considerar a experiência capaz de sustentar a
crença de que o mal irredimível existe, assim como pode sustentar a crença de
que Deus existe. O valor experiencial para o primeiro é tão bom quanto para o
segundo? Uma experiência que gera a crença em Deus é reforçada por uma longa
história de eventos semelhantes em diferentes culturas e por diferentes tipos
de pessoas. Isso reforça o valor epistêmico das experiências com a aparente
presença de Deus. Será que as experiências de um mal aparentemente irredimível
que levam ao ateísmo correspondem em frequência e variedade às experiências com
a aparente presença de Deus? Não vou insistir nessa questão aqui. Basta dizer
que uma abordagem como a de Swinburne pode fornecer apoio direto à inexistência
de Deus.
A Abordagem da Prática
Doxástica de William Alston
William
Alston afirma que uma prática doxástica “envolve uma série de maneiras de ir de
fundamentos – doxásticos e experienciais, e talvez outros – a uma crença com um
determinado conteúdo” (Alston 1991, 100). E: “Uma prática doxástica pode ser
pensada como um sistema ou constelação de disposições ou hábitos... cada um dos
quais produz uma crença como resultado que está relacionada de certa forma a um
dado de entrada” (Alston 1991, 153). Uma prática doxástica, portanto, é uma
prática de formar e avaliar epistemicamente crenças (o “resultado”) a partir de
vários dados de entrada cognitivos, juntamente com um sistema de substituição.
Alston definiu um “sistema de substituição” como aquilo que “determina como passamos
da justificação prima facie para a justificação irrestrita; como tal, tem uma
influência crucial sobre quais resultados são finalmente aprovados” (Alston
1991, 189).
Alston
argumenta que a justificação de toda prática doxástica é "epistemicamente circular",
ou seja, sua confiabilidade não pode ser estabelecida independentemente da
própria prática. O suporte para a confiabilidade de qualquer prática doxástica,
incluindo seu sistema de substituição, é sempre um suporte interno, que já
pressupõe a confiabilidade da prática. No entanto, não podemos evitar o
envolvimento em práticas doxásticas. Portanto, é racional envolver-se nas
práticas doxásticas que praticamos, desde que não haja uma boa razão para
pensar que elas não são confiáveis. A falta de confiabilidade pode advir, por
exemplo, do surgimento de inconsistência interna na prática ou da
inconsistência entre uma prática e outras práticas que têm poder de veto sobre
ela.
Existe uma
prática doxástica mística cristã, diz Alston. Ela exige que se tome certos
tipos de experiências como entrada, que se passe por um sistema de substituição
e que se formem crenças religiosas, como a de que Deus está me ajudando em
minha vida. Portanto, como acontece com todas as práticas doxásticas, em termos
práticos, é racional que uma pessoa que participa de uma prática mística cristã
continue a praticá-la até que se possa demonstrar que se trata de uma prática
não confiável. A prática doxástica cristã confere importância epistêmica
positiva a experiências designadas para a crença de que Deus existe ou de que
Deus age de várias maneiras em relação a nós.
Ao questionar
se pode haver suporte alstoniano para a crença de que alguém experimentou um
mal irredimível, pode-se apontar que, para Alston, uma prática doxástica deve
ser socialmente estabelecida. No entanto, não há prática doxástica socialmente
estabelecida que endosse a transição do que parece ser um mal irredimível para
a crença de que ele é irredimível. Portanto, há uma falta de paridade entre o
suporte alstoniano para uma crença em Deus baseada na experiência e uma crença
na inexistência de Deus baseada na experiência. A crença na inexistência de
Deus baseada na experiência do mal não merece o suporte alstoniano.
O próprio
Alston não é consistente ao caracterizar práticas doxásticas. Por um lado,
quando Alston caracteriza formalmente a noção de "prática doxástica",
como nas citações que citei anteriormente, ele deixa de incluir a natureza
social de uma prática doxástica. No que diz respeito a essas caracterizações,
as maneiras de passar da experiência à crença não precisam ser socialmente
estabelecidas. No entanto, Alston também afirma que "as práticas
doxásticas são completamente sociais" (Alston 1991, 163). De qualquer
forma, a justificação alstoniana não deve depender de uma prática doxástica ser
socialmente estabelecida. A razão é esta. Alston escreve:
"O ponto
básico é este. Dado que inevitavelmente cairemos em circularidade epistêmica em
algum(ns) ponto(s) em qualquer tentativa de fornecer argumentos diretos para a
confiabilidade de uma ou outra prática doxástica, devemos concluir que não há
apelo além das práticas que encontramos firmemente estabelecidas, psicológica
ou socialmente... Que alternativa existe ao emprego das práticas que usamos,
com as quais nos encontramos firmemente comprometidos e que poderíamos
abandonar ou substituir apenas com extrema dificuldade, se tanto?" (Alston
1991, 149)
O argumento
de Alston é que não faz sentido abandonar uma prática doxástica já praticada
por um concorrente não menos propenso à circularidade epistêmica. Por que, ele
pergunta, abandonar práticas socialmente arraigadas com as quais estamos
comprometidos e que acharíamos difícil substituir, psicológica ou socialmente,
por um concorrente que não é mais capaz de ser demonstrado confiável do que o
nosso? O argumento de Alston não deveria depender do establishment social como
o motivo da dificuldade de abandonar uma prática doxástica por outra. Se a
dificuldade é o problema, então a dificuldade psicológica também é. Eu poderia ter
uma prática doxástica profundamente arraigada, privada do meu pequeno grupo ou
mesmo apenas de mim, que eu poderia abandonar por um concorrente apenas com
extrema dificuldade psicológica. Portanto, eu não teria razão para abandoná-la
por um concorrente que não é mais capaz de ser demonstrado confiável do que
minha prática pessoal atual. Alston é bastante explícito ao afirmar que o
número de pessoas envolvidas em uma prática doxástica não determina a
racionalidade prática de se envolver nela (Alston 1991, 198). Concluo que o
estabelecimento social não é um requisito para que uma prática doxástica tenha
racionalidade alstoniana.4
No entanto,
há vantagens em uma prática amplamente estabelecida socialmente em relação a
uma prática pessoal ou de pequenos grupos (ver Alston 1991, 171). Quanto mais
participantes e quanto mais tempo uma prática existir, maior a autoconsistência
interna que ela pode acumular. Quanto mais abundante for o histórico de
autoconsistência que uma prática puder demonstrar, maior será seu autossuporte.
A confiabilidade comprovada desse tipo é menor para um pequeno grupo de
praticantes e, de fato, pobre para um único praticante. Além disso, uma prática
doxástica é aderida juntamente com outras práticas, e há uma verificação
cruzada entre nossas práticas doxásticas. Quanto mais rica a população de
adeptos, maiores serão as verificações sobre uma prática doxástica em relação a
outras práticas e maior será a consistência entre as práticas. Outro fator que
melhora o autossuporte é que um sistema de substituição mais rico se acumula
com um fundo mais rico de participantes. Isso ajuda a garantir que a prática
seja bem estruturada. Concluo que a racionalidade prática de uma prática
doxástica não depende de sua consolidação social, embora seja melhor, tudo o
mais constante, que uma prática doxástica seja uma prática socialmente
consolidada do que não ser.
Ainda assim,
uma prática doxástica não precisa ser socialmente consolidada para validar a
crença na inexistência de Deus a partir da experiência do mal. De qualquer
forma, não está claro que práticas doxásticas relevantes e socialmente
consolidadas não existam. Atualmente, existem associações de ateus
"praticantes". Esses grupos não têm todos as mesmas ênfases, assim
como não têm todos os grupos cristãos ou judaicos. No entanto, tais grupos
comumente endossam a tomada da quantidade e do grau do mal como base para negar
a existência de Deus. Dentro de tal prática ateísta, uma pessoa que passa por
experiências de um mal horrendo será capacitada a acreditar que Deus não
existe. Essa prática possui um rico sistema de substituição, incluindo os
escritos de grandes ateus do passado e do presente. Dada a consolidação social
de tais práticas e o alto grau de convicção envolvido, concluo que uma pessoa
que se envolve em tal prática seria racional alstoniana ao fazê-lo.
O Funcionalismo Adequado
(ou Próprio/Apropriado) de Alvin Plantinga
Alvin
Plantinga apresenta a seguinte explicação resumida de sua epistemologia do
funcionalismo adequado:
"Uma
crença tem garantia para uma pessoa S somente se essa crença for produzida por
faculdades cognitivas funcionando adequadamente (sujeitas a nenhuma disfunção)
em um ambiente cognitivo apropriado para o tipo de faculdades cognitivas de S,
de acordo com um plano de design que visa com sucesso a verdade."
(Plantinga 2000, 156)
Plantinga
argumentou que, se o Deus do teísmo existe, então Deus nos criaria de forma que
tivéssemos uma crença garantida em Deus. Então, esperaríamos que houvesse uma
faculdade cognitiva para esse propósito, atendendo aos requisitos de Plantinga
para conferir garantia. Tal faculdade foi chamada de sensus divinitas
(divinitatis). Várias experiências fundamentam ou aprimoram adequadamente a
crença em Deus por meio dessa faculdade. Essas experiências incluem perceber a
beleza na natureza, sentir o perdão de Deus e sentir Deus falando com você
enquanto lê a Bíblia. Quando assim formada, o status epistêmico positivo que a
proposição de que Deus existe tem para uma pessoa não depende de evidências
para essa proposição, mas da própria experiência religiosa. A crença é
fundamentada de forma não proposicional na experiência e é uma crença
propriamente básica.
Plantinga
compara fundamentos experienciais não proposicionais para a crença teísta aos
fundamentos experienciais não proposicionais para crenças perceptivas, de
memória e a priori:
"O
sensus divinitas assemelha-se à percepção, à memória e à crença a priori... a
crença em Deus surge espontaneamente nessas circunstâncias, as circunstâncias
que desencadeiam a operação do sensus divinitas." (Plantinga 2000,
175-176)
Um episódio
de experiência para crença guiado pelo funcionamento adequado de um
"Sentido Divino", colocado em nós por Deus, é análogo à percepção, à
memória e às crenças a priori, e tem importância epistêmica positiva, assim
como esses outros episódios de experiência para crença. Portanto, se Deus
existe, as experiências apropriadas fundamentam, com razão, nossa crença em
Deus. A razão pela qual nem todos acreditam em Deus é que as estruturas
noéticas humanas são obscurecidas pelo pecado, fazendo com que o sensus
divinitas funcione mal para o pecador.
Plantinga
argumenta que, se Deus existe, a crença em Deus será garantida por certas
experiências que as pessoas têm, proporcionadas por um sentido divino. Podemos
dizer algo análogo sobre experiências do mal? Vamos tentar. Suponha que Deus
não exista, mas exista uma deusa má, chamemo-la de "Equidna", em
homenagem à deusa da mitologia grega. Nossa Equidna é muito poderosa,
instruída, astuta e má. Ela planeja fazer as pessoas sofrerem, causando a elas
ou a seus entes queridos grandes males que são desprovidos de redenção
positiva. Equidna também planeja causar ainda mais sofrimento às pessoas,
informando-as da triste verdade de que males horrendos que as atingem não têm
justificativa. Isso aumenta sua sensação de frustração, perda e desespero.
Equidna deseja também que as pessoas saibam que Deus não existe, para privá-las
da ilusão reconfortante de que o mal que conhecem ainda pode ter redenção.
Equidna determinou que o mundo é tão maravilhosamente ruim que a pior coisa
para as pessoas seria ter um conhecimento confiável de como o mundo é. Assim,
ao criar e projetar o mundo, Equidna cria faculdades cognitivas confiáveis e
funcionais, incluindo uma faculdade cognitiva especial que funcionará
adequadamente (sujeita a nenhuma disfunção) em um ambiente cognitivo
apropriado, de acordo com o plano de projeto de Equidna, que visa com sucesso a
verdade de que o mundo contém um mal massivo e sem sentido, a partir do qual se
formará nas pessoas a crença de que Deus não existe. Pessoas nas quais o plano
de projeto está funcionando conforme o planejado terão crenças justificadas de
que existe um mal injustificado no mundo quando essa crença for desencadeada
por experiências de mal de uma forma prevista pelo plano de projeto. A partir
daí, elas podem obter crenças justificadas de que Deus não existe.
O plano de
design de Equidna é frequentemente frustrado, infelizmente, pela analogia do
pecado na epistemologia de Plantinga, que é o pensamento positivo. Este último
infecta o equipamento noético das pessoas para levá-las a criar uma crença em
Deus que as ajuda a evitar o desespero que, de outra forma, sofreriam. Equidna
age para desiludir as pessoas dessa fuga, fortalecendo sua capacidade de sentir
o mal injustificado, e ela obtém sucesso em um grande número de casos. Em
muitos outros casos, pessoas com quem Equidna obteve sucesso mantêm suas
verdadeiras crenças ateístas em segredo, continuando a fingir crença teísta em
público. Outros, no entanto, venderam suas almas ao anjo do pensamento positivo
e não podem ser alcançados. No entanto, há aqueles que são tão voluntariamente
convencidos que ousam emergir à luz do dia como ateus. Há também casos em que
Equidna simplesmente permite que as pessoas permaneçam com sua ilusão, causada
por um mau funcionamento, de que Deus existe, quando Equidna sabe que isso será
pior para a pessoa do que o contrário, o que para Equidna é muito bom.
Dessa forma,
experiências do mal poderiam ter fundamento plantinguiano. Infelizmente, as
pessoas não acreditam muito que Equidna existe e faz seus truques sujos,
enquanto muitas pessoas acreditam em Deus. Portanto, não encontraremos muitas
pessoas dispostas a acreditar que têm fundamento para o ateísmo com base em tais
argumentos. (Alguns adoradores de Satanás podem muito bem ser atraídos pela
possibilidade de terem fundamento plantinguiano para sua crença de que Deus não
existe!) Portanto, o fundamento plantinguiano não será uma opção muito viável
para fundamentar o ateísmo dessa maneira.
Minha
conclusão inicial: Nas três visões apresentadas, experiências do mal poderiam
criar uma importância epistêmica positiva para o ateísmo por analogia com
experiências que têm fundamento epistêmico positivo para a crença na existência
de Deus. Muitas presumivelmente têm pelo menos apoio swinburneano ou
alstoniano.
Em outro
lugar, argumento que as três visões anteriores em favor da importância
epistêmica positiva das experiências teístas abrangem apenas uma gama restrita
de tais experiências.5 Elas falham, argumento, em explicar adequadamente as
formas de suporte epistêmico que emergem das experiências teístas,
especialmente as experiências de conversão (Gellman, no prelo). Uma experiência
de conversão teísta é independente ou é o ápice de uma cadeia de experiências
que produz uma crença inicial em Deus ou que amplia suficientemente uma crença
anterior em Deus para aprofundar profundamente a crença de alguém. Para
explicar o suporte epistêmico das experiências de conversão teístas, argumento
em outro lugar que devemos reconhecer que as experiências teístas (A) podem
engendrar atitudes proposicionais positivas além da crença, a saber, aceitação
e aceitação provisória, e (B) podem envolver vários tipos de suporte mediado
além do suporte mediado proposicionalmente, principalmente aquele fornecido
pela reconstrução noética e pela reforma valorativa. Correspondentemente,
ofereço agora uma proposta de como experiências do mal podem criar suporte para
a aceitação e a aceitação provisória do ateísmo, e de como o ateísmo pode obter
suporte mediado a partir de experiências do mal por meio da reconstrução
noética e da reforma da atitude e dos valores. Um ponto importante a emergir
será que o suporte experiencial para a crença ou aceitação ateísta não precisa
se limitar ao suporte direto, que está disponível no momento da formação da
crença ou aceitação. Quando uma pessoa passa a acreditar ou aceitar uma
proposição teísta como resultado de uma experiência teísta, e está atualmente
justificada em fazê-lo, não se segue que a pessoa tenha tido suporte ou o grau
atual de suporte desde o início. O suporte atual pode vir do suporte mediado, o
que a crença ou aceitação recebe subsequentemente ao momento inicial de sua
formação, suporte rastreável até a experiência teísta.
Aceitação e Aceitação
Provisória
“Aceitação”
tem sido caracterizada de várias maneiras. Direi que S aceita p quando
(1) S não
possui um sentimento de crença de que p.
(2) S decide
usar p como premissa no raciocínio teórico e prático quando apropriado, e tem
uma tendência a fazê-lo.
(3) Quando S
considera se p é o caso, S tende a ter uma atitude epistêmica positiva em
relação à verdade de p.
(4) Se alguém
perguntar a S se p, S tenderá a responder afirmativamente.
(5) S tenderá
a agir de maneiras que seriam apropriadas se p fosse o caso, dados os
objetivos, aversões e outras atitudes proposicionais de S.
(A lista é
vagamente baseada em Alston 1996. Veja também Gellman 2007.) A aceitação difere
da crença de duas maneiras. Ao aceitar uma proposição, uma pessoa pode ser
impressionada por razões para pensar que p é verdadeiro, mas não se pega
acreditando em p, simplesmente não tem aquele sentimento de crença familiar
sobre p. As razões para pensar que p é verdadeiro podem não ser fortes o
suficiente para gerar uma crença de que p, mas fortes o suficiente para a
pessoa querer aceitar esse p. Além disso, decide-se aceitar uma proposição,
enquanto normalmente não se pode simplesmente decidir em que acreditar.
A aceitação
provisória difere da aceitação simples, pois, com a aceitação provisória, uma
pessoa aceita uma proposição para ver o que resultará dela, para ver como ela
se encaixará com experiências e informações futuras. A pessoa tem uma atitude
positiva o suficiente em relação à verdade de p para aceitá-la provisoriamente,
mas não o suficiente para simplesmente torná-la sua. O resultado de ter
aceitado provisoriamente uma proposição pode variar desde a rejeição posterior
até a concretização da crença plena. A aceitação provisória difere da mera adoção
de uma hipótese, pois, com esta última, não é necessário ter uma atitude
positiva em relação à verdade de p, apenas desejar testar sua verdade. Com a
aceitação provisória, uma pessoa tem uma atitude positiva o suficiente em
relação à verdade de p para torná-la sua – mas apenas provisoriamente.
Reconstrução Noética
Por
"reconstrução noética", entendo uma modificação nova, extensa e
sistemática do conteúdo noético de uma pessoa. Isso pode ocorrer a partir de
uma mudança repentina, passando a "ver" as coisas de uma maneira
radicalmente nova, ou resultando do surgimento de um profundo descontentamento
noético. A reconstrução pode ser intencional ou algo que simplesmente acontece
com a pessoa, ou uma mistura de ambos. A reconstrução noética afeta: (a) as proposições
atualmente presentes na estrutura noética de alguém e (b) as maneiras como as
proposições estão conectadas, incluindo dedução, indução, abdução e
causalidade, ou simplesmente a maneira como as proposições se coadunam para
qualquer propósito específico. A reconstrução subsequente envolverá
realinhamentos sérios das proposições existentes, bem como a aquisição de novas
proposições, algumas substituindo as antigas.
Uma
experiência de conversão ateísta pode ser a causa da reconstrução noética,
dando origem, de uma só vez, a uma ingressão radical na estrutura noética de
alguém, de modo que se veja a vida e a realidade de uma maneira totalmente
nova. Alternativamente, pode causar uma ruptura radical na estrutura noética de
alguém, resultando em descontentamento noético que, por sua vez, resulta em
reparação noética seguindo linhas ateístas. Consequentemente, a ordem da
reconstrução noética e o suporte epistêmico da crença ateísta adquirida podem
assumir diferentes formas. A ordem do suporte mediado pode ser semelhante a
estes exemplos (onde “reconstrução ateísta” se refere à reconstrução noética
profundamente ingressiva ao longo de linhas ateístas, “➡” significa “causa” e “⇒” significa “suporta epistemicamente”):
(1)
Experiência do mal ➡
reconstrução noética ateísta ⇒
crença ateísta.
(2)
Experiência do mal ➡
crença ateísta ➡
descontentamento noético ➡
reconstrução noética ateísta ⇒
crença ateísta.
(3)
Experiência do mal ➡
descontentamento noético ➡
reconstrução noética ateísta ⇒
crença ateísta.
Em (1),
devemos imaginar uma experiência que leva a uma nova compreensão ateísta, com
um novo complexo noético ateísta correspondente. Características (veja mais
adiante no texto) do novo complexo noético ateísta fornecerão suporte mediado
para a crença na inexistência de Deus, crença essa que está inserida e é
constitutiva da reconstrução. Em (2), a crença ateísta é formada antes da
reconstrução noética; no entanto, seu suporte epistêmico depende, pelo menos em
parte, do sucesso da reconstrução subsequente, na qual a crença desempenha um
papel constitutivo. A crença obtém suporte epistêmico quando o inevitável
descontentamento noético surge e produz um complexo noético ateísta emergente
que produz gratificação noética. O novo complexo noético ateísta fornece
suporte para a crença ateísta retroativamente. Em (3), se a pessoa tivesse sido
teísta até então, por exemplo, a experiência abalaria sua confiança em sua
estrutura noética atual. Ela agora enxergaria através de suas compreensões
anteriores. A vida e o mundo perdem repentinamente o significado que ela
pensava que tinham. Dado o descontentamento noético e a experiência do mal, a
pessoa constrói uma nova compreensão seguindo linhas ateístas. Características
dessa nova compreensão (a serem discutidas na próxima seção) apoiarão a crença
de que Deus não existe. Em tudo isso, o poder da experiência do mal é o que
inicia a reconstrução noética.
Por que o Suporte
Mediado Funciona
Como a
reconstrução noética ateísta e a reforma ateísta de valores e atitudes fornecem
suporte mediado à crença ateísta? Aqui estão algumas características de
suporte. Listo cada uma separadamente, embora elas inevitavelmente interajam e
se misturem, e possam se apoiar mutuamente.
Apoio da coerência e abrangência
noéticas
Na
reconstrução noética ateísta e na reforma ateísta de valores e atitudes, o
ateísmo se insere como um princípio organizador central em uma nova e
impressionante estrutura noética. A nova construção é muito mais coerente e
abrangente do que a anterior. A nova estrutura é tão convincente nessas
características que o sujeito pode imaginar que não poderia haver alternativa
mais satisfatória. Essa constelação noética agora oferece respostas melhores,
isto é, mais coerentes e abrangentes, e fornece as perguntas certas para
prosseguir. Não se trata apenas de o ateísmo ser coerente, mas de o ateísmo ser
a força central na criação de uma nova e coerente estrutura noética pessoal.
Quando gerada pela experiência do mal, a reconstrução noética ateísta
bem-sucedida fornece à pessoa uma razão para o ateísmo.
Apoio por um complexo de atitudes e
valores modificado
A experiência
de um mal horrendo pode causar um colapso massivo no complexo de atitudes e
valores de alguém, especialmente se a pessoa fosse teísta, como meu primo
Binyamin, ou otimista schopenhaueriano. A crença ateísta, então, ganharia apoio
epistêmico ao fornecer um complexo de atitudes e valores convincente,
apropriado e recém-moldado, congruente com a experiência da pessoa. Atitudes e
valores são profundamente sentidos, penetrantes e convincentes, e exigem uma
ontologia correlata para explicar adequadamente sua adequação ao mundo. Dessa
forma, atitudes e valores poderiam apoiar a crença ateísta. Considere quando as
pessoas acham certas experiências empíricas convincentes, mas não possuem uma
ontologia satisfatória para explicar sua ocorrência. Seria justificado que elas
fizessem novas suposições ontológicas em prol da explicação. Essa é uma maneira
pela qual a ciência avança. Da mesma forma, uma pessoa pode adquirir um
complexo de atitudes e valores profundamente convincente, mas não possuir uma
ontologia para explicar o que o torna adequado à realidade. Por analogia a
experiências empíricas convincentes, a formulação de novas suposições
ontológicas seria justificada para uma explicação satisfatória de por que
certas atitudes de valor são as corretas. (Uma linha de argumentação um tanto
semelhante, para a justificação "télica", foi apresentada por
Fleischacker 2011.)
Quando
lançada por uma experiência de conversão ateísta em uma transformação
convincente de atitude de valor, essa crença na inexistência de Deus fará o
melhor sentido de valores recém-emergentes e profundamente sentidos, contando a
favor da verdade dessa crença. Quando se encontra outros com a mesma
mentalidade, o poder explicativo de valor do ateísmo é ampliado.
Ponto de vista epistêmico superior
Antes de uma
experiência de conversão ateísta do mal, a pessoa havia experimentado o mundo e
a si mesma de forma diferente, talvez religiosa ou agnosticamente. Em uma
experiência de conversão do mal, a pessoa enxerga através de sua visão de mundo
anterior. Uma experiência de enxergar através fornece uma razão epistêmica para
aquiescer ao que se vê agora. A relação entre a visão antiga e a nova visão
ateísta pode ser comparada à mudança de aparência do teto da Capela Sistina
após sua restauração na década de 1990. Antes da restauração, as pinturas da
Capela Sistina estavam cobertas de sujeira e fuligem e borradas pelos danos
causados pela água. As pinturas haviam sido parcialmente cobertas por tinta,
em tentativas equivocadas de restaurar o que as pessoas pensavam que deveria
estar lá por baixo. Da mesma forma, uma experiência de conversão ateísta do mal
pode dar a alguém a sensação de que sua visão anterior era como olhar a vida
sem perceber através da fuligem e da sujeira, e que havia sofrido com
tentativas falhas de apresentar o que então não podia ser visto claramente. A
partir de uma experiência de conversão ateísta do mal, pode-se entender por que
pessoas religiosas podem pensar que estão vendo corretamente e entender por que
continuam a não ver o que agora se vê corretamente. Pessoas religiosas pensam
que estão vendo o que está lá, por assim dizer, mas só veem através de um meio
interferente, camadas de aculturação e pensamento positivo. É como se alguém
tivesse vivenciado uma Capela Sistina restaurada. Perceber o ateísmo dessa
forma, como resultado da experiência do mal, fornece um grau de apoio à crença
ateísta de alguém.
Para usar
outra analogia, uma pessoa em uma experiência de conversão ateísta do mal
poderia ter justificativa para se ver como tendo se tornado uma espécie de
"especialista" e, portanto, em uma posição epistêmica superior em
relação aos novatos. O fato de os novatos não verem o que ela vê ao observar
uma Câmara de Nuvens não invalida o que um físico de partículas vê. Este
último, afinal, é um especialista, e sua expertise justifica sua crença de que
vê o que não é acessível aos outros. Ela vê algo mais profundo nos rastros de
névoa visíveis da câmara, reconhecendo partículas que passam pelo meio da
câmara. Da mesma forma, não são apenas a coerência noética e atitudinal e o
poder explicativo que são relevantes para a sustentação do ateísmo em uma
experiência de conversão ateísta. A experiência traz consigo uma perspectiva
recém-concedida de estar agora em uma posição epistêmica superior à anterior,
porque, a partir de agora, pode-se ver o que os outros normalmente não veem. Isso
conta a favor da crença ateísta gerada pela experiência do mal. Quando se
consegue identificar outros “especialistas” em experiências do mal, a convicção
se solidifica justificadamente.
Tipicamente,
os dois ingredientes: (1) a coerência e a abrangência ateístas contrastadas com
o que existia antes, e (2) uma orientação de valores convincente, interagem em
um processo espiral de nutrição e apoio mútuos. A reforma de valores em
evolução nutrirá e apoiará a reconstrução noética, que, à medida que esta evolui,
acrescentará motivos para a evolução contínua da reforma de valores, e assim
por diante.
Volto a
Arthur Schopenhauer e meu primo Binyamin. A turista hipotética de Schopenhauer,
que visita localidades onde vivencia um mal horrendo, era, por hipótese, uma
otimista em relação à vida. Talvez ela acreditasse no que William James certa
vez descreveu como a perspectiva religiosa otimista, de que “as melhores coisas
são as coisas mais eternas, as coisas sobrepostas, as coisas no universo que
atiram a última pedra, por assim dizer, e dizem a palavra final” (James 1956,
25). Sua nova crença de que Deus não existe, supondo que o plano de
Schopenhauer tenha sucesso, pode ser diretamente apoiada por suas experiências
ou então por mediação proposicional. Mais provavelmente, eu afirmo, seria a
conversão por outro suporte mediado. Experiências de um mal horrendo quebrarão
sua estrutura atitudinal de otimismo e confiança, criando a crença de que Deus
não existe como a melhor maneira de compreender o mundo e a própria vida, dado
seu novo conjunto de atitudes e valores. Ou a conversão poderia vir da
experiência do mal, causando uma ampla remodelação de seu complexo noético.
Meu primo
Binyamin pode ter perdido sua crença em Deus por suas experiências de um mal
horrendo, por meio do suporte direto de suas experiências ou por meio do
suporte proposicionalmente mediado. Ou seja, ele poderia ter perdido sua fé ao
ver ali mesmo, no mal, que o mundo era sem Deus ou que o mal era tão repugnante
a ponto de ser irredimível. Isso não seria diferente do poeta William Blake
escrevendo sobre ver o paraíso em uma flor silvestre ou de mortais comuns que
veem a obra de Deus na beleza e simetria de um floco de neve. No entanto, pelo
menos tão plausível seria que Binyamin não pudesse mais endossar suas antigas
atitudes de valor, que eram adequadas ao mundo de Deus. A estrutura de atitudes
de valor de Binyamin, que havia sido apropriada ao mundo de Deus, não se
ajustava mais à realidade. Ele teve que abrir mão de sua crença em Deus para
dar sentido à sua crise de valor e reformar seu complexo de atitudes de valor
para contornos recém-apropriados. A profundidade da convicção de Binyamin pode
ser melhor explicada dessa forma, juntamente com a reestruturação noética que
surgiu como resultado do colapso e reposicionamento de valores. Binyamin
expressou-me o desejo de orar. Esta era uma lembrança nostálgica de sua antiga
vida, que ainda tinha características atraentes para ele. No entanto, ele não
consegue mais ver a vida e o mundo de uma maneira que tornasse a vida dessa
maneira apropriada. As experiências de Binyamin com males horrendos
sustentariam seu ateísmo de forma mediada, por meio da reforma de valores e da
reconstrução noética.
Minha
conclusão é que a crença (ou aceitação) de que Deus não existe não precisa
obter apoio de experiências de males horrendos por meio de um argumento ou por
apoio mediado direto ou proposicionalmente. O ateísmo pode obter apoio
epistêmico positivo a partir de um apoio mediado rico e complexo que emerge de
experiências do mal, apoio que surge somente após uma formação inicial de
crença ou decisão de aceitação. Se tal apoio é suficiente para justificar o
ateísmo, considerando todos os aspectos, é uma questão completamente diferente.
Não creio que seja, mas não discutirei isso aqui.
Agradecimentos
Sou grato a
dois leitores anônimos que fizeram críticas muito boas a um rascunho anterior
deste capítulo. Jonathan Malino forneceu correções e contestações importantes,
cujo desempenho continua a classificá-lo como um leitor do qual nenhum melhor
pode ser concebido.
Notas
1 É uma longa
história, não por enquanto, mas estou assumindo um conceito bastante padrão de
Deus que exclui o teísmo aberto. Neste último caso, pode-se concluir que o mal
irredimível é compatível com a existência de Deus.
2 Há escassez
de literatura sobre o tema deste ensaio. Veja meu tratamento anterior deste
tópico em Gellman (1992). Veja também Plantinga (2000, 481ff.).
3 Swinburne
argumentou o seguinte contra filósofos que desaprovavam seu princípio:
"Tais
escritores não me parecem estar cientes do atoleiro cético em que a não
aceitação do Princípio da Credulidade para outras experiências os levará. Se é
correto usá-lo para outras experiências, eles precisam de um bom argumento para
mostrar que não é correto usá-lo para experiências religiosas."
(Swinburne, 1991, 254, nota de rodapé 1)
Critiquei o
argumento de Swinburne a partir do ceticismo para o Princípio da Credulidade em
Gellman (2008).
4 Alguns
verão isso como uma fraqueza na justificação alstoniana, por ser bastante
promíscua em conceder seus favores. Aqui, contudo, não estou preocupado com a
aceitabilidade da justificação alstoniana, apenas com a possibilidade de o
ateísmo merecer a justificação alstoniana. Para uma crítica minha a Alston
sobre a Prática Mística Cristã, veja Gellman (2011).
5
Infelizmente, considero-me entre aqueles que tiveram uma visão tão estreita.
Veja Gellman (1997; 2001).
Referências
bibliográficas
Alston, W.
(1991). Perceiving God, The Epistemology of Religious Experience. Ithaca, NY;
London: Cornell University Press.
Alston, W.
(1996). Belief, Acceptance and Religious Faith. In Faith, Freedom, and
Rationality, edited by J. Jordan and D. Howard-Snyder. Lanham, MD; London:
Rowman and Littlefield.
Fleischacker,
S. (2011). Divine Teaching and the Way of the World. Oxford: Oxford University
Press.
Gellman, J.
(1992). A New Look at the Problem of Evil. Faith and Philosophy 9: 210–216.
Gellman, J.
(1997). Experience of God and the Rationality of Theistic Belief. Ithaca, NY;
London: Cornell University Press.
Gellman, J.
(2001). Mystical Experience of God, a Philosophical Enquiry. London: Ashgate
Publishers.
Gellman, J.
(2007). Beyond Belief: On the Uses of Creedal Confession. Faith and Philosophy
23: 299–313.
Gellman, J.
(2008). Credulity and Experience of God. Philo 10: 114–124.
Gellman, J.
(2011). A Problem for Alston’s Doxastic Practice. Philo 13: 23–38.
Gellman, J.
(Forthcoming). Thick Support for Theism from Theistic Experience. In Handbook
of Contemporary Philosophy of Religion, edited by G. Oppy. Durham, UK: Acumen
Publishing.
James, W.
(1956). “The Will to Believe,” The Will to Believe and Other Essays in Popular
Philosophy. New York: Dover Publications.
Plantinga, A.
(2000). Warranted Christian Belief. Oxford; New York: Oxford University Press.
Schopenhauer,
A. (1909). The World as Will and Representation, translated by. R.B. Haldane
and J. Kemp, 2 vols. London: Kegan Paul.
Swinburne, R.
(1991). The Existence of God, revised edition. Oxford: Clarendon Press.
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