Resumo
Diz-se que o
feminismo é o movimento para acabar com a opressão das mulheres (hooks 2000,
26). Uma maneira possível de entender "mulher" nessa afirmação é
tomá-la como um termo sexual: "mulher" identifica as fêmeas humanas e
ser uma fêmea humana depende de várias características biológicas e anatômicas
(como a genitália). Historicamente, muitas feministas entenderam
"mulher" de forma diferente: não como um termo sexual, mas como um
termo de gênero que depende de fatores sociais e culturais (como a posição
social). Ao fazê-lo, elas distinguiram sexo (ser feminino ou masculino) de
gênero (ser mulher ou homem), embora a maioria dos usuários da linguagem comum
pareça tratar os dois de forma intercambiável. Na filosofia feminista, essa
distinção gerou um debate acalorado. As questões centrais incluem: O que
significa gênero ser distinto de sexo, se é que significa alguma coisa? Como
devemos entender a afirmação de que gênero depende de fatores sociais e/ou
culturais? O que significa ser mulher, homem ou genderqueer? Este verbete
descreve e discute debates distintamente feministas sobre sexo e gênero,
considerando posições históricas e mais contemporâneas.
1. A
distinção entre sexo e gênero.
1.1
Determinismo biológico
1.2
Terminologia de gênero
2. Gênero
como construção social
2.1
Socialização de gênero
2.2 Gênero
como personalidade feminina e masculina
2.3 Gênero
como sexualidade feminina e masculina
3. Problemas
com a distinção entre sexo e gênero
3.1 O gênero
é uniforme?
3.1.1
Argumento da particularidade
3.1.2
Argumento da normatividade
3.2 A
classificação sexual é apenas uma questão de biologia?
3.3 Sexo e
gênero são distintos?
3.4 A
distinção entre sexo e gênero é útil?
4. Mulheres
como grupo
4.1
Nominalismo de gênero
4.1.1 Séries
sociais de gênero
4.1.2
Nominalismo de semelhança
4.2
Neorrealismo de gênero
4.2.1
Subordinação social e gênero
4.2.2
Uniessencialismo de gênero
4.2.3 Gênero
como posicionalidade
5. Além do
binário
6. Conclusão
Referências
bibliográficas
1. A distinção
sexo/gênero
Os termos
"sexo" e "gênero" significam coisas diferentes para
diferentes teóricas feministas e nenhum deles é fácil ou direto de
caracterizar. Esboçar um pouco da história feminista dos termos fornece um
ponto de partida útil.
1.1 Determinismo biológico
A maioria das
pessoas normalmente parece pensar que sexo e gênero são coextensivos: mulheres
são fêmeas humanas, homens são machos humanos. Muitas feministas historicamente
discordaram e endossaram a distinção sexo/gênero. Provisoriamente:
"sexo" denota fêmeas e machos humanos dependendo de características
biológicas (cromossomos, órgãos sexuais, hormônios e outras características
físicas); "gênero" denota mulheres e homens dependendo de fatores
sociais (papel social, posição, comportamento ou identidade). A principal
motivação feminista para fazer essa distinção foi contrariar o determinismo
biológico ou a visão de que a biologia é o destino.
Um exemplo
típico de uma visão determinista biológica é a de Geddes e Thompson, que, em
1889, argumentaram que os traços sociais, psicológicos e comportamentais eram
causados pelo estado metabólico. As mulheres supostamente conservam energia
(sendo "anabólicas"), o que as torna passivas, conservadoras, lentas,
estáveis e desinteressadas em política. Os homens gastam sua energia
excedente (sendo "catabólicos"), o que os torna ávidos, enérgicos, apaixonados,
variáveis e, portanto, interessados em questões políticas e sociais. Esses
"fatos" biológicos sobre estados metabólicos foram usados não
apenas para explicar diferenças comportamentais entre mulheres e homens, mas
também para justificar o que deveriam ser nossos arranjos sociais e políticos.
Mais especificamente, foram usados para argumentar a favor da privação das
mulheres de direitos políticos concedidos aos homens porque (de acordo com
Geddes e Thompson) "o que foi decidido entre os protozoários pré-históricos
não pode ser anulado por um Ato do Parlamento" (citado em Moi 1999, 18).
Seria inadequado conceder direitos políticos às mulheres, visto que elas
simplesmente não são adequadas para tê-los; também seria fútil, visto que as
mulheres (devido à sua biologia) simplesmente não estariam interessadas em
exercer seus direitos políticos. Para combater esse tipo de determinismo
biológico, feministas argumentam que as diferenças comportamentais e
psicológicas têm causas sociais, e não biológicas. Por exemplo, Simone de
Beauvoir afirmou, com a famosa afirmação de que não se nasce mulher, mas sim se
torna mulher, e que “a discriminação social produz nas mulheres efeitos morais
e intelectuais tão profundos que parecem ser causados pela natureza”
(Beauvoir 1972 [original 1949], 18; para mais informações, veja o verbete sobre
Simone de Beauvoir). Traços comportamentais comumente observados associados a
mulheres e homens, portanto, não são causados pela anatomia ou pelos
cromossomos. Em vez disso, são culturalmente aprendidos ou adquiridos.
Embora o
determinismo biológico do tipo defendido por Geddes e Thompson seja incomum
hoje em dia, a ideia de que as diferenças comportamentais e psicológicas entre
mulheres e homens têm causas biológicas não desapareceu. Na década de 1970, as
diferenças sexuais foram usadas para argumentar que as mulheres não deveriam se
tornar pilotos de avião, uma vez que ficariam hormonalmente instáveis uma vez
por mês e, portanto, incapazes de desempenhar suas funções tão bem quanto os
homens (Rogers 1999, 11). Mais recentemente, diferenças nos cérebros masculino
e feminino foram apontadas como explicações para diferenças comportamentais; em
particular, acredita-se que a anatomia do corpo caloso, um feixe de nervos que
conecta os hemisférios cerebrais direito e esquerdo, seja responsável por
várias diferenças psicológicas e comportamentais. Por exemplo, em 1992, um
artigo da revista Time analisou as então proeminentes explicações biológicas
das diferenças entre mulheres e homens, alegando que o corpo caloso mais
espesso das mulheres poderia explicar em que se baseia a "intuição
feminina" e prejudicar a capacidade das mulheres de realizar algumas
habilidades visoespaciais especializadas, como ler mapas (Gorman 1992). Anne
Fausto-Sterling questionou a ideia de que diferenças no corpo caloso causam
diferenças comportamentais e psicológicas. Em primeiro lugar, o corpo caloso é
uma parte anatômica altamente variável; como resultado, generalizações sobre
seu tamanho, forma e espessura, válidas para mulheres e homens em geral, devem
ser vistas com cautela. Em segundo lugar, diferenças em corpos calosos humanos
adultos não são encontradas em bebês; isso pode sugerir que diferenças físicas
no cérebro, na verdade, se desenvolvem como respostas a tratamentos diferenciados.
Em terceiro lugar, dado que habilidades visoespaciais (como leitura de mapas)
podem ser aprimoradas pela prática, mesmo que os corpos calosos de mulheres e
homens sejam diferentes, isso não torna as diferenças comportamentais
resultantes imutáveis. (Fausto-Sterling 2000b, capítulo 5).
1.2 Terminologia de gênero
Para
distinguir diferenças biológicas de sociais/psicológicas e para falar sobre
estas últimas, as feministas se apropriaram do termo "gênero".
Psicólogos que escreviam sobre transexualidade foram os primeiros a empregar a
terminologia de gênero nesse sentido. Até a década de 1960, "gênero"
era frequentemente usado para se referir a palavras masculinas e femininas,
como "le" e "la" em francês. No entanto, para explicar por
que algumas pessoas se sentiam "presas nos corpos errados", o
psicólogo Robert Stoller (1968) começou a usar os termos "sexo" para
identificar características biológicas e "gênero" para identificar o
grau de feminilidade e masculinidade que uma pessoa exibia. Embora (em geral) o
sexo e o gênero de uma pessoa se complementassem, separar esses termos parecia
fazer sentido teórico, permitindo que Stoller explicasse o fenômeno da
transexualidade: sexo e gênero dos transexuais simplesmente não combinam.
Juntamente
com psicólogos como Stoller, as feministas acharam útil distinguir sexo e
gênero. Isso permitiu que argumentassem que muitas diferenças entre mulheres e
homens eram produzidas socialmente e, portanto, mutáveis. Gayle Rubin (por
exemplo) usa a expressão “sistema sexo/gênero” para descrever “um conjunto de
arranjos pelos quais a matéria-prima biológica do sexo e da procriação humana é
moldada pela intervenção humana e social” (1975, 165). Rubin empregou esse
sistema para articular a “parte da vida social que é o locus da opressão das
mulheres” (1975, 159), descrevendo gênero como a “divisão socialmente imposta
dos sexos” (1975, 179). O pensamento de Rubin era que, embora as diferenças
biológicas sejam fixas, as diferenças de gênero são os resultados opressivos de
intervenções sociais que ditam como mulheres e homens devem se comportar. As
mulheres são oprimidas como mulheres e “por terem que ser mulheres” (Rubin
1975, 204). No entanto, como o gênero é social, acredita-se que seja mutável e
alterável por reformas políticas e sociais que, em última análise, poriam fim à
subordinação das mulheres. O feminismo deve ter como objetivo criar uma
“sociedade sem gênero (embora não assexuada), na qual a anatomia sexual de uma
pessoa seja irrelevante para quem ela é, o que ela faz e com quem ela faz amor”
(Rubin 1975, 204).
Em algumas
interpretações anteriores, como a de Rubin, sexo e gênero eram considerados
complementares. O slogan “Gênero é a interpretação social do sexo” captura essa
visão. Nicholson chama isso de “visão de cabideiro” do gênero: nossos corpos
sexuados são como cabideiros e “fornecem o local sobre o qual o gênero [é]
construído” (1994, 81). Gênero concebido como masculinidade e feminilidade é
sobreposto ao “cabide” do sexo, à medida que cada sociedade impõe aos corpos
sexuados suas concepções culturais de como homens e mulheres devem se
comportar. Isso constrói socialmente as diferenças de gênero – ou a quantidade
de feminilidade/masculinidade de uma pessoa – sobre nossos corpos sexuados. Ou
seja, de acordo com essa interpretação, todos os humanos são machos ou fêmeas;
seu sexo é fixo. Mas as culturas interpretam corpos sexuados de forma diferente
e projetam normas diferentes sobre esses corpos, criando, assim, pessoas
femininas e masculinas. Distinguir sexo e gênero, no entanto, também permite
que os dois se separem: eles são separáveis, pois alguém pode ser sexuado
masculino e, ainda assim, ser generificado mulher, ou vice-versa (Haslanger
2000b; Stoljar 1995).
Assim, esse
grupo de argumentos feministas contra o determinismo biológico sugeriu que as
diferenças de gênero resultam de práticas culturais e expectativas sociais.
Hoje em dia, é mais comum denotar isso dizendo que gênero é socialmente
construído. Isso significa que gêneros (mulheres e homens) e traços de gênero
(como ser carinhoso ou ambicioso) são os "produtos intencionais ou não
intencionais de uma prática social" (Haslanger 1995, 97). Mas quais
práticas sociais constroem gênero, o que é construção social e o que significa
ser de um determinado gênero são grandes controvérsias feministas. Não há
consenso sobre essas questões. (Veja o verbete sobre interseções entre
feminismo analítico e continental para mais informações sobre diferentes
maneiras de compreender gênero.)
2. Gênero como
construção social
2.1 Socialização de gênero
Uma maneira
de interpretar a afirmação de Beauvoir de que não se nasce mulher, mas sim se
torna mulher, é tomá-la como uma afirmação sobre socialização de gênero: as
mulheres se tornam mulheres por meio de um processo pelo qual adquirem
características femininas e aprendem comportamentos femininos. Acredita-se que
masculinidade e feminilidade sejam produtos da criação ou da educação dos
indivíduos. São construídas causalmente (Haslanger 1995, 98): as forças sociais
desempenham um papel causal na criação de indivíduos de gênero ou (em algum
sentido substancial) moldam a maneira como somos enquanto mulheres e homens. E
o mecanismo de construção é a aprendizagem social. Por exemplo, Kate Millett
considera que as diferenças de gênero têm “bases essencialmente culturais, em
vez de biológicas”, que resultam de tratamento diferenciado (1971, 28-9). Para
ela, gênero é “a soma total das noções dos pais, dos pares e da cultura sobre o
que é apropriado para cada gênero em termos de temperamento, caráter,
interesses, status, valor, gestos e expressão” (Millett 1971, 31). As normas de
gênero femininas e masculinas, no entanto, são problemáticas, pois o
comportamento de gênero se adapta convenientemente à subordinação feminina e a
reforça, de modo que as mulheres são socializadas em papéis sociais
subordinados: elas aprendem a ser passivas, ignorantes, dóceis e companheiras
emocionais dos homens (Millett 1971, 26). No entanto, como esses papéis são
simplesmente aprendidos, podemos criar sociedades mais igualitárias
"desaprendendo" papéis sociais. Ou seja, as feministas devem buscar
diminuir a influência da socialização.
Teóricas da
aprendizagem social sustentam que uma enorme gama de influências diferentes nos
socializa como mulheres e homens. Sendo assim, é extremamente difícil combater
a socialização de gênero. Por exemplo, os pais muitas vezes tratam
inconscientemente seus filhos do sexo feminino e masculino de forma diferente.
Quando os pais foram solicitados a descrever seus bebês de 24 horas de vida,
eles o fizeram usando uma linguagem estereotipada de gênero: os meninos são
descritos como fortes, alertas e coordenados, e as meninas como pequenas,
delicadas e dóceis. O tratamento dado pelos pais aos seus filhos reflete ainda
mais essas descrições, estejam eles cientes disso ou não (Renzetti & Curran
1992, 32). Parte da socialização é mais evidente: as crianças são
frequentemente vestidas com roupas e cores estereotipadas de gênero (meninos se
vestem de azul, meninas de rosa) e os pais tendem a comprar brinquedos
estereotipados de gênero para seus filhos. Eles também tendem (intencionalmente
ou não) a reforçar certos comportamentos "apropriados". Embora a
forma precisa de socialização de gênero tenha mudado desde o início da segunda
onda do feminismo, ainda hoje as meninas são desencorajadas a praticar esportes
como futebol ou a brincar de "briga e confusão" e são mais propensas
do que os meninos a receber bonecas ou brinquedos de cozinha para brincar; os
meninos são instruídos a não "chorar como um bebê" e são mais
propensos a receber brinquedos masculinos, como caminhões e armas (para mais
informações, ver Kimmel 2000, 122–126).[1]
De acordo com
os teóricos da aprendizagem social, as crianças também são influenciadas pelo
que observam no mundo ao seu redor. Isso, mais uma vez, dificulta o combate à
socialização de gênero. Por exemplo, os livros infantis retratam homens e
mulheres de maneiras flagrantemente estereotipadas: por exemplo, homens como
aventureiros e líderes, e mulheres como ajudantes e seguidoras. Uma maneira de
abordar os estereótipos de gênero em livros infantis tem sido retratar as
mulheres em papéis independentes e os homens como não agressivos e protetores
(Renzetti & Curran 1992, 35). Algumas editoras tentaram uma abordagem
alternativa, tornando seus personagens, por exemplo, animais neutros em termos
de gênero ou criaturas imaginárias sem gênero (como os Teletubbies da TV). No
entanto, pais que leem livros com personagens neutros em termos de gênero ou
sem gênero frequentemente prejudicam os esforços das editoras, lendo-os para
seus filhos de maneiras que retratam os personagens como femininos ou
masculinos. De acordo com Renzetti e Curran, os pais rotularam a esmagadora
maioria dos personagens neutros em termos de gênero como masculinos, enquanto
aqueles personagens que se encaixam em estereótipos de gênero feminino (por
exemplo, por serem prestativos e atenciosos) foram rotulados como femininos
(1992, 35). Influências socializadoras como essas ainda são consideradas como
transmissoras de mensagens implícitas sobre como mulheres e homens devem agir e
como se espera que ajam, moldando-nos em pessoas femininas e masculinas.
2.2 Gênero como personalidade feminina
e masculina
Nancy
Chodorow (1978; 1995) criticou a teoria da aprendizagem social por considerá-la
simplista demais para explicar as diferenças de gênero (ver também Deaux &
Major 1990; Gatens 1996). Em vez disso, ela sustenta que gênero é uma questão
de ter personalidades femininas e masculinas que se desenvolvem na primeira
infância como respostas às práticas parentais predominantes. Em particular,
personalidades de gênero se desenvolvem porque as mulheres tendem a ser as
principais cuidadoras de crianças pequenas. Chodorow sustenta que, como as mães
(ou outras mulheres proeminentes) tendem a cuidar de bebês, o desenvolvimento
psíquico masculino e feminino dos bebês difere. Em termos simples: a relação
mãe-filha difere da relação mãe-filho porque as mães são mais propensas a se
identificar com suas filhas do que com seus filhos. Isso inconscientemente leva
a mãe a encorajar seu filho a se individualizar psicologicamente dela,
levando-o a desenvolver limites de ego bem definidos e rígidos. No entanto, a
mãe inconscientemente desencoraja a filha de se individualizar, levando-a a
desenvolver limites de ego flexíveis e confusos. A socialização de gênero na
infância se baseia e reforça ainda mais esses limites do ego inconscientemente
desenvolvidos, produzindo, por fim, pessoas femininas e masculinas (1995,
202–206). Essa perspectiva tem suas raízes na teoria psicanalítica freudiana,
embora a abordagem de Chodorow difira em muitos aspectos da de Freud.
Personalidades
de gênero supostamente se manifestam em comportamentos estereotipados comuns de
gênero. Tomemos como exemplo a dependência emocional. As mulheres são
estereotipicamente mais emocionais e emocionalmente dependentes de outras
pessoas ao seu redor, supostamente tendo dificuldade em distinguir seus
próprios interesses e bem-estar dos interesses e bem-estar de seus filhos e
parceiros. Diz-se que isso se deve aos seus limites de ego vagos e (um tanto)
confusos: as mulheres têm dificuldade em distinguir suas próprias necessidades
das necessidades das pessoas ao seu redor porque não conseguem se
individualizar suficientemente das pessoas próximas a elas. Em contraste, os
homens são estereotipicamente emocionalmente distantes, preferindo uma carreira
onde o pensamento imparcial e distanciado seja uma virtude. Diz-se que essas
características resultam dos limites bem definidos do ego masculino, que lhes
permitem priorizar suas próprias necessidades e interesses, às vezes em
detrimento das necessidades e interesses dos outros.
Chodorow
acredita que essas diferenças de gênero devem e podem ser alteradas. As
personalidades feminina e masculina desempenham um papel crucial na opressão
das mulheres, pois tornam as mulheres excessivamente atentas às necessidades
dos outros e os homens emocionalmente deficientes. Para corrigir a situação,
pais e mães devem se envolver igualmente na criação dos filhos (Chodorow 1995,
214). Isso ajudaria a garantir que as crianças desenvolvam sensos de identidade
suficientemente individualizados sem se tornarem excessivamente distantes, o
que, por sua vez, ajuda a erradicar comportamentos estereotipados de gênero
comuns.
2.3 Gênero como sexualidade feminina e
masculina
Catharine
MacKinnon desenvolve sua teoria de gênero como uma teoria da sexualidade. Em
linhas gerais: o significado social do sexo (gênero) é criado pela
objetificação sexual das mulheres, por meio da qual as mulheres são vistas e
tratadas como objetos para satisfazer os desejos dos homens (MacKinnon 1989). A
masculinidade é definida como dominância sexual, a feminilidade como submissão
sexual: os gêneros são “criados por meio da erotização da dominância e da
submissão. A diferença homem/mulher e a dinâmica dominância/submissão se
definem mutuamente. Este é o significado social do sexo” (MacKinnon 1989, 113).
Para MacKinnon, o gênero é constitutivamente construído: ao definir gêneros (ou
masculinidade e feminilidade), devemos fazer referência a fatores sociais (ver
Haslanger 1995, 98). Em particular, devemos fazer referência à posição que se
ocupa na dinâmica sexualizada de dominância/submissão: os homens ocupam a posição
sexualmente dominante, as mulheres, a sexualmente submissa. Como resultado, os
gêneros são, por definição, hierárquicos e essa hierarquia está
fundamentalmente ligada a relações de poder sexualizadas. A noção de
"igualdade de gênero", portanto, não faz sentido para MacKinnon. Se a
sexualidade deixasse de ser uma manifestação de dominância, os gêneros
hierárquicos (definidos em termos de sexualidade) deixariam de existir.
3. Problemas com a
distinção sexo/gênero
3.1 O gênero é uniforme?
As posições
delineadas acima compartilham uma perspectiva metafísica subjacente sobre
gênero: o realismo de gênero. [2] Ou seja, presume-se que as mulheres, como
grupo, compartilhem alguma característica, experiência, condição comum ou
critério que define seu gênero e cuja posse torna alguns indivíduos mulheres
(em oposição a, digamos, homens). Considera-se que todas as mulheres diferem de
todos os homens nesse aspecto (ou aspectos). Por exemplo, MacKinnon pensava que
ser tratada de maneira sexualmente objetificante é a condição comum que define
o gênero das mulheres e o que as mulheres, como mulheres, compartilham. Todas
as mulheres diferem de todos os homens nesse aspecto. Além disso, apontar
mulheres que não são sexualmente objetificadas não fornece um contraexemplo à
visão de MacKinnon. Ser sexualmente objetificada é constitutivo de ser mulher;
uma mulher que escapa da objetificação sexual, portanto, não contaria como
mulher.
Pode-se
criticar os três relatos delineados, rejeitando os detalhes particulares de
cada relato. (Por exemplo, veja Spelman [1988, capítulo 4] para uma crítica dos
detalhes da visão de Chodorow.) Uma crítica mais completa tem sido dirigida à
perspectiva metafísica geral do realismo de gênero que subjaz a essas posições.
Ela tem sido alvo de ataques constantes por dois motivos: primeiro, por não
levar em conta as diferenças raciais, culturais e de classe entre as mulheres
(argumento da particularidade); segundo, por postular um ideal normativo de
feminilidade (argumento da normatividade).
3.1.1 Argumento da particularidade
Elizabeth
Spelman (1988) argumentou de forma influente contra o realismo de gênero com
seu argumento da particularidade. Em linhas gerais: os realistas de gênero
assumem erroneamente que o gênero é construído independentemente de raça, classe,
etnia e nacionalidade. Se o gênero fosse separável, por exemplo, de raça e
classe dessa maneira, todas as mulheres vivenciariam a feminilidade da mesma
maneira. E isso é claramente falso. Por exemplo, Harris (1993) e Stone (2007)
criticam a visão de MacKinnon, de que a objetificação sexual é a condição comum
que define o gênero das mulheres, por não levar em conta as diferenças nas
origens das mulheres que moldam sua sexualidade. A história da opressão racista
ilustra que, durante a escravidão, as mulheres negras eram
"hipersexualizadas" e consideradas sempre sexualmente disponíveis,
enquanto as mulheres brancas eram consideradas puras e sexualmente virtuosas.
De fato, o estupro de uma mulher negra era considerado impossível (Harris,
1993). Portanto, (o argumento prossegue) a objetificação sexual não pode servir
como condição comum para a feminilidade, visto que varia consideravelmente
dependendo da raça e da classe. [3]
Para Spelman,
a perspectiva do "solipsismo branco" subjaz ao erro dos realistas de gênero.
Elas presumiam que todas as mulheres compartilhavam uma "pepita de ouro da
feminilidade" (Spelman 1988, 159) e que as características constitutivas
dessa pepita eram as mesmas para todas as mulheres, independentemente de suas
origens culturais específicas. Em seguida, feministas brancas ocidentais de
classe média explicaram as características compartilhadas simplesmente
refletindo sobre as características culturais que condicionam seu gênero como
mulheres, supondo, assim, que "a feminilidade sob a pele da mulher negra é
a de uma mulher branca, e, no fundo, a mulher latina é uma mulher
anglo-saxônica esperando para romper um véu cultural obscuro" (Spelman
1988, 13). Ao fazê-lo, afirma Spelman, feministas brancas ocidentais de classe
média passaram sua visão particular de gênero como "uma verdade
metafísica" (1988, 180), privilegiando algumas mulheres e marginalizando
outras. Ao não enxergarem a importância de raça e classe na construção de
gênero, as feministas ocidentais brancas de classe média confundiram “a
condição de um grupo de mulheres com a condição de todas” (Spelman 1988, 3).
O conhecido
trabalho de Betty Friedan (1963) é um exemplo claro de solipsismo branco. [4]
Friedan via a domesticidade como o principal veículo de opressão de gênero e
conclamava as mulheres em geral a encontrar empregos fora de casa. Mas ela não
percebeu que mulheres de origens menos privilegiadas, frequentemente pobres e
não brancas, já trabalhavam fora de casa para sustentar suas famílias. A
sugestão de Friedan, portanto, era aplicável apenas a um subgrupo específico de
mulheres (donas de casa ocidentais brancas de classe média). Mas foi
erroneamente considerada aplicável à vida de todas as mulheres — um erro gerado
pela falha de Friedan em levar em conta as diferenças raciais e de classe das
mulheres (hooks 2000, 1-3).
Spelman
sustenta ainda que, uma vez que o condicionamento social cria a feminilidade e
as sociedades (e subgrupos) que a condicionam diferem entre si, a feminilidade
deve ser condicionada de forma diferente em diferentes sociedades. Para ela,
"as mulheres se tornam não simplesmente mulheres, mas tipos específicos de
mulheres" (Spelman 1988, 113): mulheres brancas da classe trabalhadora,
mulheres negras da classe média, mulheres judias pobres, mulheres europeias
ricas da aristocracia, e assim por diante.
Essa linha de
pensamento tem sido extremamente influente na filosofia feminista. Por exemplo,
Young sustenta que Spelman demonstrou definitivamente que o realismo de gênero
é insustentável (1997, 13). Mikkola (2006) argumenta que isso não é verdade. Os
argumentos de Spelman não minam a ideia de que exista alguma característica,
experiência, condição comum ou critério que defina o gênero das mulheres; eles
simplesmente apontam que algumas maneiras particulares de expressar o que
define a feminilidade são equivocadas. Portanto, embora Spelman esteja certa em
rejeitar as narrativas que erroneamente tomam a característica que condiciona o
gênero das feministas ocidentais brancas de classe média como condicionante do
gênero das mulheres em geral, isso deixa em aberto a possibilidade de que as
mulheres, enquanto mulheres, compartilhem algo que define seu gênero. (Ver
também Haslanger [2000a] para uma discussão sobre por que o realismo de gênero
não é necessariamente insustentável, e Stoljar [2011] para uma discussão sobre
a crítica de Mikkola a Spelman.)
3.1.2 Argumento da normatividade
Judith Butler
critica a distinção sexo/gênero com base em dois fundamentos. Elas criticam o
realismo de gênero com seu argumento da normatividade (1999 [original 1990],
capítulo 1); elas também sustentam que a distinção sexo/gênero é ininteligível
(isso será discutido na seção 3.3). O argumento da normatividade de Butler não
se dirige diretamente à perspectiva metafísica do realismo de gênero, mas sim à
sua contraparte política: a política identitária. Esta é uma forma de
mobilização política baseada na filiação a algum grupo (por exemplo, racial,
étnico, cultural, de gênero) e a filiação ao grupo é considerada delimitada por
algumas experiências, condições ou características comuns que definem o grupo
(Heyes 2000, 58; ver também a entrada sobre Política Identitária). A política
identitária feminista, portanto, pressupõe o realismo de gênero, visto que a
política feminista é mobilizada em torno das mulheres como um grupo (ou
categoria) em que a filiação a esse grupo é fixada por alguma condição,
experiência ou característica que as mulheres supostamente compartilham e que
define seu gênero.
O argumento
da normatividade de Butler faz duas afirmações. A primeira é semelhante ao
argumento da particularidade de Spelman: noções unitárias de gênero não levam
em conta as diferenças entre as mulheres, falhando, portanto, em reconhecer “a
multiplicidade de interseções culturais, sociais e políticas nas quais o
conjunto concreto de ‘mulheres’ é construído” (Butler 1999, 19-20). Em sua
tentativa de minar as formas biologicamente deterministas de definir o que
significa ser mulher, as feministas inadvertidamente criaram novas narrativas
socialmente construídas de uma feminilidade supostamente compartilhada. A
segunda afirmação de Butler é que tais falsas narrativas realistas de gênero
são normativas. Ou seja, na tentativa de fixar o tema do feminismo, as
feministas, involuntariamente, definiram o termo "mulher" de uma
forma que implica a existência de uma maneira correta de ser definida como
mulher (Butler 1999, 5). O fato de a definição do termo "mulher" ser
fixa supostamente "opera como uma força policial que gera e legitima
certas práticas, experiências, etc., e restringe e deslegitima outras"
(Nicholson 1998, 293). Seguindo essa linha de pensamento, poder-se-ia dizer
que, por exemplo, a visão de gênero de Chodorow sugere que mulheres
"reais" têm personalidades femininas e que essas são as mulheres com
as quais o feminismo deveria se preocupar. Se alguém não exibe uma
personalidade distintamente feminina, a implicação é que não é
"realmente" membro da categoria feminina, nem se qualifica
adequadamente para a representação política feminista. A segunda afirmação de
Butler baseia-se na visão de que “[a]s categorias de identidade [como a das
mulheres] nunca são meramente descritivas, mas sempre normativas e, como tal,
excludentes” (Butler 1991, 160). Ou seja, o erro das feministas criticadas por
Butler não foi terem fornecido a definição incorreta de “mulher”. Em vez disso,
(segundo o argumento) o erro delas foi tentar definir o termo “mulher”. A visão
de Butler é que “mulher” nunca pode ser definida de uma forma que não prescreva
alguns “requisitos normativos tácitos” (como ter uma personalidade feminina)
aos quais as mulheres devem se conformar (Butler 1999, 9). Butler considera
isso uma característica de termos como “mulher”, que pretendem selecionar (o
que elas chamam de) “categorias de identidade”. Elas parecem presumir que
“mulher” nunca pode ser usada de forma não ideológica (Moi 1999, 43) e que
sempre codificará condições que não são satisfeitas por todas as pessoas que
consideramos mulheres. Uma explicação para isso vem da visão de Butler de que
todos os processos de definição de distinções categóricas envolvem compromissos
avaliativos e normativos; estes, por sua vez, envolvem o exercício do poder e
refletem as condições daqueles que são socialmente poderosos (Witt 1995).
Para melhor
compreender a crítica de Butler, considere sua abordagem da performatividade de
gênero. Para elas, as abordagens feministas tradicionais consideram que
indivíduos generificados possuem algumas propriedades essenciais enquanto
indivíduos generificados ou um núcleo de gênero em virtude do qual alguém é
homem ou mulher. Essa visão pressupõe que mulheres e homens, enquanto mulheres
e homens, são portadores de vários atributos essenciais e acidentais, onde os
primeiros asseguram a persistência de pessoas generificadas ao longo do tempo
como tal generificadas. Mas, de acordo com Butler, essa visão é falsa: (i) não
existem tais propriedades essenciais e (ii) gênero é uma ilusão mantida por
estruturas de poder predominantes. Primeiro, diz-se que as feministas pensam
que os gêneros são socialmente construídos, pois possuem os seguintes atributos
essenciais (Butler 1999, 24): mulheres são fêmeas com traços comportamentais
femininos, sendo heterossexuais cujo desejo é direcionado a homens; homens são
machos com traços comportamentais masculinos, sendo heterossexuais cujo desejo
é direcionado a mulheres. Esses são os atributos necessários para indivíduos
generificados e aqueles que permitem que mulheres e homens persistam ao longo
do tempo como mulheres e homens. Indivíduos têm “gêneros inteligíveis” (Butler
1999, 23) se exibirem essa sequência de características de maneira coerente
(onde o desejo sexual decorre da orientação sexual que, por sua vez, decorre de
comportamentos femininos/masculinos que se acredita serem decorrentes do sexo
biológico). As forças sociais em geral consideram que indivíduos que exibem
sequências de gênero incoerentes (como lésbicas) estão fazendo seu gênero
"errado" e desencorajam ativamente tal sequenciamento de
características, por exemplo, por meio de xingamentos e discriminação
homofóbica explícita. Lembre-se do que foi dito acima: ter uma certa concepção
de como as mulheres são, que espelha as condições de mulheres socialmente
poderosas (brancas, de classe média, heterossexuais, ocidentais), funciona para
marginalizar e policiar aquelas que não se enquadram nessa concepção.
Esses núcleos
de gênero, supostamente codificando as características acima, no entanto, nada
mais são do que ilusões criadas por ideais e práticas que buscam uniformizar o
gênero por meio do heterossexismo, a visão de que a heterossexualidade é
natural e a homossexualidade é desviante (Butler 1999, 42). Os núcleos de
gênero são construídos como se, de alguma forma, pertencessem naturalmente a
mulheres e homens, criando assim o dimorfismo de gênero ou a crença de que se
deve ser um homem masculino ou uma mulher feminina. Mas o dimorfismo de gênero
serve apenas a uma ordem social heterossexista, ao implicar que, uma vez que
mulheres e homens são fortemente opostos, é natural desejar sexualmente o sexo
ou gênero oposto.
Além disso,
ser feminina e desejar homens (por exemplo) são tradicionalmente assumidos como
expressões do gênero de alguém como mulher. Butler nega isso e sustenta que o
gênero é, na verdade, performativo. Não é "uma identidade estável ou locus
de agência do qual decorrem vários atos; em vez disso, o gênero é...
instituído... por meio de uma repetição estilizada de atos [habituais]"
(Butler 1999, 179): por meio do uso de certas roupas codificadas por gênero, do
andar e sentar de certas maneiras codificadas por gênero, do pentear o cabelo
de maneira codificada por gênero e assim por diante. Gênero não é algo que
alguém é, é algo que alguém faz; é uma sequência de atos, um fazer em vez de um
ser. E o envolvimento repetido em atos de "feminização" e
"masculinização" congela o gênero, fazendo com que as pessoas pensem
erroneamente que gênero é algo que elas são naturalmente. O gênero só surge por
meio desses atos de generificação: uma mulher que faz sexo com homens não expressa
seu gênero como mulher. Essa atividade (entre outras) a torna generificada como
mulher.
Os atos
constitutivos que os indivíduos de gênero criam criam gêneros como
"ilusões convincentes" (Butler 1990, 271). Nosso esquema de
classificação de gênero é uma forte construção pragmática: fatores sociais
determinam completamente nosso uso do esquema e o esquema falha em representar
com precisão quaisquer "fatos da questão" (Haslanger 1995, 100). As
pessoas pensam que existem gêneros verdadeiros e reais, e aqueles considerados como
estando "errados" em relação ao seu gênero não são socialmente
sancionados. Mas os gêneros são verdadeiros e reais apenas na medida em que são
praticados (Butler 1990, 278-9). Não faz sentido, portanto, dizer de uma pessoa
trans de homem para mulher que ela é, na verdade, um homem que apenas aparenta
ser uma mulher. Em vez disso, homens que se vestem e agem de maneiras
associadas à feminilidade “mostram que [como Butler sugere] ‘ser’ feminino é
apenas uma questão de realizar certas atividades” (Stone 2007, 64). Como
resultado, o gênero da pessoa trans é tão real ou verdadeiro quanto o de
qualquer outra pessoa que seja uma mulher ‘tradicionalmente’ feminina ou um
homem masculino (Butler 1990, 278). [5] Sem o heterossexismo que obriga as
pessoas a se envolverem em certos atos de generificação, não haveria gênero
algum. E, em última análise, o objetivo deve ser abolir as normas que obrigam
as pessoas a agir dessas maneiras de generificação.
Para Butler,
dado que gênero é performativo, a resposta apropriada às políticas identitárias
feministas envolve duas coisas. Primeiro, as feministas devem entender
"mulher" como algo aberto e "um termo em processo, um devir, uma
construção que não se pode legitimamente dizer que origina ou termina... está
aberto à intervenção e à ressignificação" (Butler 1999, 43). Ou seja, as
feministas não devem tentar definir "mulher" de forma alguma.
Segundo, a categoria de mulheres "não deve ser o fundamento da política
feminista" (Butler 1999, 9). Em vez disso, as feministas devem se
concentrar em fornecer uma explicação de como o poder funciona e molda nossa
compreensão da feminilidade, não apenas na sociedade em geral, mas também
dentro do movimento feminista.
3.2 A classificação sexual é uma
questão exclusivamente biológica?
Muitas
pessoas, incluindo muitas feministas, têm comumente considerado as atribuições
sexuais como uma questão exclusivamente biológica, sem dimensão social ou
cultural. É comum pensar que existem apenas dois sexos e que as classificações
sexuais biológicas são totalmente isentas de problemas. Em contrapartida,
algumas feministas argumentam que as classificações sexuais não são isentas de
problemas e que não são exclusivamente uma questão biológica. Para entender
isso, é útil distinguir a construção objetal da construção de ideias (ver
Haslanger 2003b para mais informações): pode-se dizer que as forças sociais
constroem certos tipos de objetos (por exemplo, corpos sexuados ou indivíduos
com gênero) e certos tipos de ideias (por exemplo, conceitos de sexo ou
gênero). Primeiro, considere a construção objetal de corpos sexuados. As
características sexuais secundárias, ou as características fisiológicas e
biológicas comumente associadas a homens e mulheres, são afetadas por práticas
sociais. Em algumas sociedades, o status social mais baixo das mulheres fez com
que elas fossem menos alimentadas e, portanto, a falta de nutrição teve o
efeito de torná-las menores em tamanho (Jaggar 1983, 37). A uniformidade na
forma, tamanho e força muscular dentro das categorias sexuais não é causada
inteiramente por fatores biológicos, mas depende fortemente das oportunidades
de exercício: se homens e mulheres tivessem as mesmas oportunidades de
exercício e igual incentivo para se exercitarem, acredita-se que o dimorfismo
corporal diminuiria (Fausto-Sterling 1993a, 218). Vários fenômenos médicos
envolvendo ossos (como a osteoporose) têm causas sociais diretamente
relacionadas às expectativas sobre gênero, dieta das mulheres e suas oportunidades
de exercício (Fausto-Sterling 2005). Esses exemplos sugerem que características
fisiológicas consideradas características específicas de cada sexo, não
afetadas por fatores sociais e culturais, são, afinal, em certa medida,
produtos do condicionamento social. O condicionamento social, então, molda
nossa biologia.
Em segundo
lugar, considere a construção de ideias dos conceitos de sexo. Nosso conceito
de sexo é considerado um produto de forças sociais, no sentido de que o que
conta como sexo é moldado por significados sociais. Normalmente, aqueles com
cromossomos XX, ovários que produzem óvulos grandes, genitália feminina, uma
proporção relativamente alta de hormônios "femininos" e outras
características sexuais secundárias (tamanho corporal relativamente pequeno,
menos pelos corporais) contam como biologicamente femininos. Aqueles com
cromossomos XY, testículos que produzem espermatozoides pequenos, genitália
masculina, uma proporção relativamente alta de hormônios "masculinos"
e outras características sexuais secundárias (tamanho corporal relativamente
grande, quantidades significativas de pelos corporais) contam como masculinos.
Essa compreensão é bastante recente. A visão científica predominante, desde os
gregos antigos até o final do século XVIII, não considerava os sexos feminino e
masculino como categorias distintas com características específicas; em vez
disso, um "modelo de sexo único" sustentava que homens e mulheres
eram membros da mesma categoria sexual. Os genitais femininos eram considerados
iguais aos masculinos, mas simplesmente direcionados para dentro do corpo;
ovários e testículos (por exemplo) eram designados pelo mesmo termo, e o
contexto esclarecia se o termo se referia ao primeiro ou ao último (Laqueur
1990, 4). Foi somente no final do século XVIII que os cientistas começaram a
considerar as anatomias feminina e masculina como radicalmente diferentes,
afastando-se do "modelo de um sexo" de um espectro sexual único para
o (hoje prevalente) "modelo de dois sexos" de dimorfismo sexual.
(Para uma visão alternativa, veja King 2013.)
Fausto-Sterling
argumentou que esse "modelo de dois sexos" também não é simples
(1993b; 2000a; 2000b). Com base em um metaestudo de pesquisa médica empírica,
ela estima que 1,7% da população não se enquadra perfeitamente nas
classificações sexuais usuais, possuindo várias combinações de diferentes
características sexuais (Fausto-Sterling 2000a, 20). Em seu trabalho anterior,
ela afirmou que indivíduos intersexo constituem (pelo menos) três classes
sexuais adicionais: 'herms' que possuem um testículo e um ovário; 'merms' que
possuem testículos, alguns aspectos da genitália feminina, mas nenhum ovário; e
'ferms' que têm ovários, alguns aspectos da genitália masculina, mas nenhum
testículo (Fausto-Sterling 1993b, 21). (Em seu [2000a], Fausto-Sterling observa
que esses rótulos foram apresentados de brincadeira.) O reconhecimento de
pessoas intersexo sugere que as feministas (e a sociedade em geral) estão
erradas ao pensar que os humanos são mulheres ou homens.
Para ilustrar
melhor a construção de ideias sobre sexo, considere o caso da atleta Maria
Patiño. Patiño possui genitália feminina, sempre se considerou mulher e foi
considerada assim por outros. No entanto, descobriu-se que ela possuía
cromossomos XY e foi impedida de competir em esportes femininos
(Fausto-Sterling 2000b, 1-3). A genitália de Patiño estava em desacordo com
seus cromossomos, e estes foram coletados para determinar seu sexo. Patiño
lutou com sucesso para ser reconhecida como atleta feminina, argumentando que
seus cromossomos, por si só, não eram suficientes para não torná-la mulher.
Pessoas intersexo, como Patiño, ilustram que nossas compreensões sobre sexo
diferem e sugerem que não há uma maneira imediatamente óbvia de definir o que o
sexo significa puramente biológica ou cientificamente. Decidir o que é sexo
envolve julgamentos avaliativos que são influenciados por fatores sociais. Na
medida em que nossas concepções culturais afetam nossa compreensão do sexo, as
feministas devem ser muito mais cuidadosas com as classificações sexuais e
repensar o que o sexo significa (Stone 2007, capítulo 1). Mais especificamente,
pessoas intersexo ilustram que características sexuais associadas a mulheres e
homens nem sempre precisam andar juntas e que os indivíduos podem apresentar
alguma mistura dessas características. Isso sugere a Stone que sexo é um
conceito de agrupamento: basta satisfazer um número suficiente de
características sexuais que tendem a se agrupar para ser considerado de um
determinado sexo. Mas não é necessário satisfazer todas essas características
ou alguma característica sexual supostamente necessária escolhida
arbitrariamente, como cromossomos (Stone 2007, 44). Isso torna o sexo uma
questão de grau e as classificações sexuais devem ocorrer em um espectro:
pode-se ser mais ou menos mulher/homem, mas não há uma distinção nítida entre
os dois. Além disso, pessoas intersexo (junto com pessoas trans) estão
localizadas no centro do espectro sexual e, em muitos casos, seu sexo será
indeterminado (Stone 2007).
Mais
recentemente, Ayala e Vasilyeva (2015) defenderam uma concepção inclusiva e
ampliada de sexo: assim como certas ferramentas podem ser vistas como capazes
de estender nossas mentes além dos limites de nossos cérebros (por exemplo,
bengalas brancas), outras ferramentas (como vibradores) podem estender nosso
sexo além dos limites de nossos corpos. Essa visão visa motivar a ideia de que
o que conta como sexo não deve ser determinado por meio de uma análise interna
da genitália ou de outras características anatômicas. Em uma linha diferente,
Ásta (2018) argumenta que o sexo é uma propriedade social conferida. Isso segue
sua estrutura conferencialista mais geral para analisar todas as propriedades
sociais: propriedades que são conferidas por outros, gerando assim um status
social que consiste em restrições e habilitações contextualmente específicas ao
comportamento individual. O esquema geral para propriedades conferidas é o
seguinte (Ásta 2018, 8):
Propriedade conferida: qual propriedade é conferida.
Quem: quem são os sujeitos.
O quê: qual atitude, estado ou ação dos
sujeitos importa.
Quando: sob quais condições a atribuição
ocorre.
Propriedade base: o que os sujeitos estão tentando
rastrear (conscientemente ou não), se é que estão tentando rastrear algo.
Tendo em
mente ser de um determinado sexo (por exemplo, masculino, feminino), Ásta
sustenta que se trata de uma propriedade conferida que visa apenas rastrear
características físicas. Portanto, sexo é uma propriedade social – ou, na
verdade, institucional – e não natural. O esquema para sexo é o seguinte (72):
Propriedade conferida: ser mulher, homem.
Quem: autoridades legais, com base na opinião especializada
de médicos e outros profissionais da área médica.
O quê: “o registro de um sexo em documentos
oficiais... O julgamento dos médicos (e outros) sobre qual papel sexual pode
ser o mais adequado, dadas as características biológicas presentes.”
Quando: no nascimento ou após
cirurgia/tratamento hormonal.
Propriedade base: “o objetivo é rastrear o máximo
possível de características estereotipadas de sexo, e os médicos realizam
cirurgias nos casos em que isso pode ajudar a alinhar as características
físicas ao estereótipo de masculino e feminino.”
Isto (entre
outras coisas) oferece uma análise desmascaradora do sexo: pode parecer uma
propriedade natural, mas na análise conferencialista é melhor entendido como um
status legal conferido. Ásta sustenta que gênero também é uma propriedade
conferida, mas contrariamente à discussão na seção seguinte, ela não acha que
isso destrói a distinção entre sexo e gênero: sexo e gênero são conferidos de
forma diferente, embora ambos satisfaçam o esquema geral observado acima. No
entanto, na estrutura conferencialista, o que subjaz tanto ao sexo quanto ao
gênero é a ideia de construção social como significância social:
características estereotipadas de sexo são consideradas contexto socialmente
significativas especificamente, por meio das quais se tornam a base para
conferir sexo aos indivíduos e isso traz consigo várias restrições e
capacitações sobre os indivíduos e seu comportamento. Isso se encaixa nas
construções de objeto e ideia introduzidas acima, embora ofereça uma estrutura
geral diferente para analisar o assunto em questão.
3.3 Sexo e gênero são distintos?
Além de
argumentar contra as políticas identitárias e a favor da performatividade de
gênero, Butler sustenta que distinguir sexo biológico de gênero social é
ininteligível. Para ela, ambos são socialmente construídos:
"Se o
caráter imutável do sexo for contestado, talvez esse constructo chamado 'sexo'
seja tão culturalmente construído quanto o gênero; na verdade, talvez sempre
tenha sido gênero, com a consequência de que a distinção entre sexo e gênero
acaba não sendo distinção alguma." (Butler 1999, 10-11)
(Butler não
está sozinha ao afirmar que não há distinções sustentáveis entre
natureza/cultura, biologia/construção e sexo/gênero. Veja também: Antony 1998;
Gatens 1996; Grosz 1994; Prokhovnik 1999.) Butler faz duas afirmações
diferentes na passagem citada: que sexo é uma construção social e que sexo é
gênero. Para destrinchar a visão dela, considere as duas afirmações
separadamente. Em primeiro lugar, a ideia de que sexo é uma construção social,
para Butler, resume-se à visão de que nossos corpos sexuados também são
performáticos e, portanto, não têm “nenhum status ontológico à parte dos vários
atos que constituem [sua] realidade” (1999, 173). Prima facie, isso implica
implausivelmente que corpos femininos e masculinos não têm existência
independente e que, se as atividades de definição de gênero cessassem, o mesmo
ocorreria com os corpos físicos. Esta não é a afirmação de Butler; em vez
disso, sua posição é que os corpos, vistos como os fundamentos materiais sobre
os quais o gênero é construído, são eles próprios construídos como se
fornecessem tais fundamentos materiais (Butler, 1993). As concepções culturais
sobre gênero figuram “no próprio aparato de produção pelo qual os próprios
sexos são estabelecidos” (Butler, 1999, 11).
Para Butler,
corpos sexuados nunca existem fora dos significados sociais, e a forma como
entendemos o gênero molda a forma como entendemos o sexo (1999, 139). Corpos
sexuados não são matéria vazia sobre a qual o gênero é construído e as
categorias sexuais não são escolhidas com base em características objetivas do
mundo. Em vez disso, nossos corpos sexuados são eles próprios construídos
discursivamente: eles são como são, pelo menos em grande medida, por causa do
que é atribuído aos corpos sexuados e como eles são classificados (para construção
discursiva, ver Haslanger 1995, 99). A atribuição de sexo (chamar alguém de
feminino ou masculino) é normativa (Butler 1993, 1). [6] Quando o médico chama
um recém-nascido de menina ou menino, ele/ela não está fazendo uma afirmação
descritiva, mas normativa. Na verdade, o médico está realizando um ato de fala
ilocucionário (ver a entrada sobre Atos de Fala). Com efeito, a declaração do
médico transforma bebês em meninas ou meninos. Nós, então, nos envolvemos em
atividades que fazem parecer que os sexos vêm naturalmente em dois e que ser
feminino ou masculino é uma característica objetiva do mundo, em vez de ser uma
consequência de certos atos constitutivos (isto é, em vez de ser performativo).
E é isso que Butler quer dizer ao afirmar que corpos físicos nunca existem fora
de significados culturais e sociais, e que o sexo é tão socialmente construído
quanto o gênero. Ela não nega a existência de corpos físicos. Mas considera
nossa compreensão dessa existência como um produto do condicionamento social: o
condicionamento social torna a existência de corpos físicos inteligível para
nós ao construir discursivamente corpos sexuados por meio de certos atos
constitutivos. (Para uma introdução útil às visões de Butler, veja Salih 2002.)
Para Butler,
a atribuição de sexo é sempre, em algum sentido, opressiva. Novamente, isso
parece se dever à desconfiança geral de Butler em relação à classificação: a
classificação sexual nunca pode ser meramente descritiva, mas sempre possui um
elemento normativo que reflete as reivindicações avaliativas daqueles que são
poderosos. Conduzir uma genealogia feminista do corpo (ou examinar por que
corpos sexuados são considerados naturalmente femininos e masculinos),
portanto, deve fundamentar a prática feminista (Butler 1993, 28-9). As
feministas devem examinar e descobrir maneiras pelas quais a construção social
e certos atos que constituem o sexo moldam nossa compreensão de corpos
sexuados, que tipos de significados os corpos adquirem e quais práticas e atos
de fala ilocucionários "transformam" nossos corpos em sexos. Fazer
isso permite que as feministas identifiquem como os corpos sexuados são
socialmente construídos a fim de resistir a tal construção.
No entanto,
dado o que foi dito acima, está longe de ser óbvio o que devemos concluir da
afirmação de Butler de que sexo "sempre foi gênero" (1999, 11). Stone
(2007) entende que isso significa que sexo é gênero, mas continua a
questioná-lo, argumentando que a construção social tanto de sexo quanto de
gênero não torna sexo idêntico a gênero. De acordo com Stone, seria mais
preciso para Butler dizer que afirmações sobre sexo implicam normas de gênero.
Ou seja, muitas afirmações sobre características sexuais (como "as
mulheres são fisicamente mais fracas do que os homens"), na verdade, carregam
implicações sobre como se espera que mulheres e homens se comportem. Até certo
ponto, a afirmação descreve certos fatos. Mas também implica que não se espera
que as mulheres façam muito trabalho pesado e que provavelmente não seriam boas
nisso. Portanto, afirmações sobre sexo não são idênticas às afirmações sobre
gênero; em vez disso, elas implicam afirmações sobre normas de gênero (Stone
2007, 70).
3.4 A distinção sexo/gênero é útil?
Algumas
feministas sustentam que a distinção sexo/gênero não é útil. Para começar,
acredita-se que ela reflita um pensamento dualista politicamente problemático
que enfraquece os objetivos feministas: a distinção é considerada como reflexo
e replicação de oposições androcêntricas entre (por exemplo) mente/corpo,
cultura/natureza e razão/emoção, que têm sido usadas para justificar a opressão
das mulheres (por exemplo, Grosz 1994; Prokhovnik 1999). A ideia é que, em
oposições como essas, um termo é sempre superior ao outro e que o termo
desvalorizado é geralmente associado às mulheres (Lloyd 1993). Por exemplo, a
subjetividade e a agência humanas são identificadas com a mente, mas, como as
mulheres geralmente são identificadas com seus corpos, elas são desvalorizadas
como sujeitos e agentes humanos. Diz-se que a oposição entre mente e corpo se
estende a outras distinções, como razão/emoção, cultura/natureza,
racional/irracional, onde um lado de cada distinção é desvalorizado (as
características corporais são geralmente menos valorizadas que a mente, a
racionalidade é geralmente mais valorizada que a irracionalidade) e as mulheres
são associadas aos termos desvalorizados: elas são consideradas mais próximas
das características corporais e da natureza do que os homens, irracionais,
emocionais e assim por diante. Diz-se que isso é evidente (por exemplo) em
entrevistas de emprego. Os homens são tratados como pessoas neutras em termos
de gênero e não são questionados se planejam tirar uma folga para constituir
família. Em contraste, o fato de as mulheres enfrentarem tais questionamentos
ilustra que elas estão mais intimamente associadas do que os homens a
características corporais relacionadas à procriação (Prokhovnik 1999, 126). A
oposição entre mente e corpo, então, é considerada como sendo mapeada para a
oposição entre homens e mulheres. Ora, diz-se também que o dualismo mente/corpo
se mapeia na distinção sexo/gênero (Grosz 1994; Prokhovnik 1999). A ideia é que
gênero se mapeia na mente, sexo no corpo. Embora não seja usado por aqueles que
endossam essa visão, a ideia básica pode ser resumida pelo slogan "Gênero
está entre as orelhas, sexo está entre as pernas": a implicação é que,
embora o sexo seja imutável, gênero é algo sobre o qual os indivíduos têm
controle – é algo que podemos alterar e mudar por meio de escolhas individuais.
No entanto, como se diz que as mulheres estão mais intimamente associadas a
características biológicas (e, portanto, se mapeiam no lado corporal da
distinção mente/corpo) e os homens são tratados como pessoas neutras em termos
de gênero (mapeando no lado mental), a implicação é que "homem é igual a
gênero, que está associado à mente e à escolha, à liberdade do corpo, à
autonomia e à realidade pública; enquanto mulher é igual a sexo, associado ao
corpo, à reprodução, aos ritmos 'naturais' e à esfera privada" (Prokhovnik
1999, 103). Diz-se que isso torna a distinção sexo/gênero inerentemente
repressiva e a esvazia de qualquer potencial de emancipação: em vez de
facilitar a escolha de papéis de gênero para as mulheres, ela "na verdade
funciona para reforçar sua associação com o corpo, o sexo e os ritmos
'naturais' involuntários" (Prokhovnik 1999, 103). Ao contrário do que
feministas como Rubin argumentaram, a distinção sexo/gênero não pode ser usada
como uma ferramenta teórica que dissocia concepções de feminilidade de
características biológicas e reprodutivas.
Moi
argumentou ainda que a distinção sexo/gênero é inútil, considerando certos
objetivos teóricos (1999, capítulo 1). Isso não quer dizer que seja totalmente
inútil; segundo Moi, a distinção sexo/gênero funcionou bem para demonstrar que
o determinismo biológico historicamente prevalente era falso. No entanto, para
ela, a distinção não tem utilidade "quando se trata de produzir uma boa
teoria da subjetividade" (1999, 6) e "uma compreensão histórica
concreta do que significa ser mulher (ou homem) em uma dada sociedade"
(1999, 4-5). Ou seja, a distinção da década de 1960 entendia o sexo como algo
fixado pela biologia, sem quaisquer dimensões culturais ou históricas. Essa
compreensão, no entanto, ignora as experiências vividas e a corporeidade como
aspectos da feminilidade (e da masculinidade), separando o sexo do gênero e
insistindo que a feminilidade tem a ver com este último. Em vez disso, a
corporeidade deve ser incluída na teoria que tenta descobrir o que é ser mulher
(ou homem).
Mikkola
(2011) argumenta que a distinção sexo/gênero, subjacente a visões como as de
Rubin e MacKinnon, possui certos compromissos ontológicos não intuitivos e
indesejáveis que a tornam politicamente inútil. Primeiro, afirmar que o
gênero é socialmente construído implica que a existência de mulheres e homens é
uma questão dependente da mente. Isso sugere que podemos eliminar mulheres e
homens simplesmente alterando algumas práticas, convenções ou condições sociais
das quais o gênero depende (quaisquer que sejam). No entanto, agentes sociais
comuns consideram isso não intuitivo, visto que (normalmente) sexo e gênero não
são distinguidos. Segundo, afirmar que gênero é um produto de forças sociais
opressivas sugere que eliminar mulheres e homens deveria ser o objetivo
político do feminismo. Mas isso abriga compromissos ontologicamente
indesejáveis, visto que muitos agentes sociais comuns veem seu gênero como uma
fonte de valor positivo. Portanto, o feminismo parece querer eliminar algo que
não deveria ser eliminado, o que dificilmente motivará os agentes sociais a
agirem de maneiras que visem à justiça de gênero. Diante desses problemas,
Mikkola argumenta que as feministas deveriam abandonar a distinção por motivos
políticos práticos.
Tomas
Bogardus (2020) argumentou em um sentido ainda mais radical contra a distinção
sexo/gênero: do jeito que as coisas estão, ele sustenta, as filósofas
feministas simplesmente presumiram e afirmaram que a distinção existe, em vez
de terem oferecido bons argumentos para ela. Em outras palavras, as filósofas
feministas supostamente ainda não ofereceram boas razões para pensar que
"mulher" não seleciona simplesmente fêmeas humanas adultas. Alex
Byrne (2020) argumenta de forma semelhante: o termo "mulher" não
seleciona um tipo social como as filósofas feministas "assumiram". Em
vez disso, "as mulheres são fêmeas humanas adultas – nada mais, nada
menos" (2020, 3801). Byrne oferece seis considerações para fundamentar
essa concepção AHF (adulta, humana, fêmea).
1. Reproduz a
definição de "mulher" no dicionário.
2. Seria de
se esperar que o inglês tivesse uma palavra que selecionasse a categoria de
fêmea humana adulta, e "woman" é a única candidata.
3. AHF
explica como às vezes sabemos que um indivíduo é uma mulher, apesar de não
sabermos nada mais relevante sobre ela além do fato de ser uma fêmea humana
adulta.
4. AHF se
sustenta ou fracassa com a tese análoga para meninas, que pode ser sustentada
independentemente.
5. AHF prevê
o veredito correto em casos de inversão de papéis de gênero.
6. AHF é
apoiada pelo fato de que "woman" e "female" são
frequentemente usados apropriadamente como variantes estilísticas um do
outro, mesmo em contextos hiperintensionais.
Robin
Dembroff (2021) responde a Byrne e destaca vários problemas com o argumento de
Byrne. Primeiro, o enquadramento: Byrne assume desde o início que termos de
gênero como "mulher" têm um único significado invariante, falhando
assim em discutir a possibilidade de termos como "mulher" terem
múltiplos significados – algo que é uma afirmação familiar feita por teóricas
feministas de várias disciplinas. Além disso, Byrne (de acordo com Dembroff)
assume sem argumentação que existe uma categoria única e universal de mulher –
novamente, algo que tem sido extensivamente discutido e criticado por filósofas
e teóricas feministas. Segundo, a concepção de Byrne do significado
"dominante" de mulher é considerada seletiva e ignora uma riqueza de
contextos fora da filosofia (como a mídia e o direito) onde "mulher"
tem um significado diferente de AHF. Terceiro, a própria distinção de Byrne
entre categorias biológicas e sociais falha em estabelecer o que ele pretendia
estabelecer: a saber, que "mulher" seleciona um tipo biológico em vez
de social. Portanto, Dembroff sustenta que o caso de Byrne falha por si só.
Byrne (2021) responde à crítica de Dembroff.
Outras, como
as "feministas críticas de gênero", também defendem visões sobre a
distinção sexo/gênero em um espírito semelhante ao de Bogardus e Byrne. Por
exemplo, Holly Lawford-Smith (2021) considera que a distinção predominante
entre sexo/gênero, onde "feminino"/"masculino" são usados
como termos sexuais e "mulher"/"homem" como termos de
gênero, não é útil. Em vez disso, ela considera todos esses termos como termos
sexuais e sustenta que (as normas de) feminilidade/masculinidade se referem à
normatividade de gênero. Como grande parte da discussão das feministas críticas
de gênero em que as filósofas se envolveram ocorreu nas mídias sociais, em
fóruns públicos e em outras fontes fora da filosofia acadêmica, este artigo não
se concentrará nessas discussões.
4. Mulheres como grupo
As diversas
críticas à distinção sexo/gênero questionaram a viabilidade da categoria
mulheres. Feminismo é o movimento para acabar com a opressão que as mulheres,
como grupo, enfrentam. Mas, como a categoria de mulheres deve ser entendida se
as feministas aceitam os argumentos acima de que a construção de gênero não é
uniforme, que uma distinção nítida entre sexo biológico e gênero social é falsa
ou (pelo menos) inútil, e que várias características associadas às mulheres
desempenham um papel no que é ser mulher, nenhuma das quais é individualmente
necessária e conjuntamente suficiente (como uma variedade de papéis sociais,
posições, comportamentos, traços, características corporais e experiências)? As
feministas devem ser capazes de abordar as diferenças culturais e sociais na
construção de gênero se o feminismo quiser ser um movimento genuinamente
inclusivo e ter cuidado para não postular semelhanças que mascarem maneiras
importantes pelas quais as mulheres enquanto mulheres diferem. Essas
preocupações (entre outras) geraram uma situação em que (como Linda Alcoff
coloca) as feministas buscam falar e fazer demandas políticas em nome das
mulheres, ao mesmo tempo rejeitando a ideia de que existe uma categoria
unificada de mulheres (2006, 152). Se as críticas feministas à categoria
mulheres forem bem-sucedidas, então o que (se houver algo) une as mulheres, o
que é ser mulher e que tipos de exigências as feministas podem fazer em nome
das mulheres?
Muitos
consideraram a fragmentação da categoria de mulheres problemática por razões
políticas (por exemplo, Alcoff 2006; Bach 2012; Benhabib 1992; Frye 1996;
Haslanger 2000b; Heyes 2000; Martin 1994; Mikkola 2007; Stoljar 1995; Stone
2004; Tanesini 1996; Young 1997; Zack 2005). Por exemplo, Young sustenta que
relatos como o de Spelman reduzem a categoria de mulheres a uma coleção
fabricada de indivíduos sem nada para uni-los (1997, 20). Mulheres negras
diferem de mulheres brancas, mas membros de ambos os grupos também diferem uns
dos outros com relação à nacionalidade, etnia, classe, orientação sexual e
posição econômica; isto é, mulheres brancas ricas diferem de mulheres brancas
da classe trabalhadora devido às suas posições econômicas e de classe. Esses
subgrupos são, eles próprios, diversos: por exemplo, algumas mulheres brancas
da classe trabalhadora na Irlanda do Norte estão fortemente divididas por
questões religiosas. Portanto, se aceitarmos a posição de Spelman, corremos o
risco de acabar com mulheres individuais e sem nada que as una. E isso é
problemático: para responder à opressão das mulheres em geral, as feministas
precisam entendê-las como uma categoria em algum sentido. Young escreve que,
sem isso, "não é possível conceituar a opressão como um processo
sistemático, estruturado e institucional" (1997, 17). Alguns, então,
consideram a articulação de uma categoria inclusiva de mulheres como
pré-requisito para políticas feministas eficazes e surgiu uma rica literatura
que visa conceituar as mulheres como um grupo ou um coletivo (por exemplo,
Alcoff 2006; Ásta 2011; Frye 1996; 2011; Haslanger 2000b; Heyes 2000; Stoljar
1995, 2011; Young 1997; Zack 2005). As articulações dessa categoria podem ser
divididas naquelas que são: (a) nominalistas de gênero — posições que negam que
haja algo que as mulheres enquanto mulheres compartilham e que buscam unificar
o tipo social das mulheres apelando para algo externo às mulheres; e (b)
realistas de gênero — posições que consideram que há algo que as mulheres
enquanto mulheres compartilham (embora essas posições realistas sejam
significativamente diferentes daquelas delineadas na Seção 2). A seguir,
revisaremos algumas posições nominalistas de gênero e realistas de gênero influentes.
Antes de fazê-lo, vale a pena notar que nem todos estão convencidos de que as
tentativas de articular uma categoria inclusiva de mulheres possam ter sucesso
ou que as preocupações sobre o que é ser mulher precisam ser resolvidas.
Mikkola (2016) argumenta que a política feminista não precisa depender da
superação (do que ela chama de) "controvérsia de gênero": que as
feministas devem definir o significado dos conceitos de gênero e articular uma
maneira de fundamentar a filiação das mulheres a um tipo social. Para ela, as
disputas sobre "o que é ser mulher" tornaram-se teoricamente falidas
e intratáveis, o que gerou um impasse analítico que parece intransponível. Em
vez disso, Mikkola defende o abandono da busca, o que, em qualquer caso, em sua
opinião, não representa obstáculos políticos sérios.
Elizabeth
Barnes (2020) responde à necessidade de oferecer uma concepção inclusiva de
gênero de forma um pouco diferente, embora endosse a necessidade de o feminismo
ser inclusivo, particularmente de pessoas trans. Barnes sustenta que,
tipicamente, as teorias filosóficas de gênero visam oferecer uma explicação do
que é ser mulher (ou homem, genderqueer, etc.), onde tal explicação presume-se
que forneça condições necessárias e suficientes para ser mulher ou uma explicação
das extensões de nossos termos de gênero. Mas, ela sustenta, é um erro esperar
que nossas teorias de gênero o façam. Para Barnes, um projeto que oferece uma
metafísica de gênero "deve ser entendido como o projeto de teorizar o que
é — se é que existe algo — sobre o mundo social que, em última análise, explica
o gênero" (2020, 706). Este projeto, no entanto, não é equivalente a um
que visa definir termos de gênero ou elucidar as condições de aplicação para
termos de gênero em linguagem natural.
4.1 Nominalismo de gênero
4.1.1 Séries sociais de gênero
Iris Young
argumenta que, a menos que haja “algum sentido em que ‘mulher’ seja o nome de
um coletivo social [que o feminismo representa], não há nada específico para a
política feminista” (1997, 13). Para tornar a categoria mulheres inteligível,
ela argumenta que as mulheres constituem uma série: um tipo particular de
coletivo social “cujos membros são unificados passivamente pelos objetos em
torno dos quais suas ações são orientadas e/ou pelos resultados objetivados dos
efeitos materiais das ações do outro” (Young 1997, 23). Uma série se distingue
de um grupo na medida em que, enquanto os membros de grupos são considerados
como compartilhando conscientemente certos objetivos, projetos, características
e/ou autoconcepções, os membros de séries buscam seus próprios fins individuais
sem necessariamente ter nada em comum. Young sustenta que as mulheres não estão
unidas por uma característica ou experiência compartilhada (ou conjunto de
características e experiências), visto que ela considera que o argumento da
particularidade de Spelman estabeleceu definitivamente que tal característica
não existe (1997, 13; ver também: Frye 1996; Heyes 2000). Em vez disso, a
categoria feminina é unificada por certas realidades prático-inertes ou pelas
maneiras pelas quais as vidas e ações das mulheres são orientadas em torno de
certos objetos e realidades cotidianas (Young 1997, 23-4). Por exemplo, os
passageiros de ônibus compõem uma série unificada por meio de suas ações individuais
serem organizadas em torno dos mesmos objetos prático-inertes: o ônibus e a
prática do transporte público. As mulheres compõem uma série unificada por meio
de suas vidas e ações serem organizadas em torno de certos objetos e realidades
prático-inertes que as posicionam como mulheres.
Young
identifica dois grandes grupos de tais objetos e realidades prático-inertes.
Primeiro, fenômenos associados aos corpos femininos (fatos físicos), processos
biológicos que ocorrem nos corpos femininos (menstruação, gravidez, parto) e
regras sociais associadas a esses processos biológicos (regras sociais da
menstruação, por exemplo). Segundo, objetos e práticas codificados por gênero:
pronomes, representações verbais e visuais de gênero, artefatos e espaços sociais
codificados por gênero, roupas, cosméticos, ferramentas e móveis. Assim, as
mulheres compõem uma série, visto que suas vidas e ações são organizadas em
torno de corpos femininos e certos objetos codificados por gênero. Sua série é
unida passivamente e a unidade "não é aquela que surge dos indivíduos
chamados mulheres" (Young 1997, 32).
Embora a
proposta de Young pretenda ser uma resposta às preocupações de Spelman, Stone
questionou se ela é, afinal, suscetível ao argumento da particularidade: em
última análise, na visão de Young, algo que as mulheres, enquanto mulheres,
compartilham (suas realidades prático-inertes) as une (Stone 2004).
4.1.2 Nominalismo de semelhança
Natalie
Stoljar sustenta que, a menos que a categoria de mulheres seja unificada, a
ação feminista em prol das mulheres não pode ser justificada (1995, 282).
Stoljar também é persuadida pela ideia de que as mulheres, enquanto mulheres,
não compartilham nada de unitário. Isso a leva a defender o nominalismo de
semelhança. Esta é a visão de que um certo tipo de relação de semelhança se
mantém entre entidades de um tipo particular (para mais informações sobre
nominalismo de semelhança, ver Armstrong 1989, 39-58). Stoljar não está sozinha
na defesa de relações de semelhança para dar sentido às mulheres como
categoria; outros também o fizeram, geralmente recorrendo às relações de
"semelhança de família" de Wittgenstein (Alcoff 1988; Green &
Radford Curry 1991; Heyes 2000; Munro 2006). Stoljar baseia-se mais no
nominalismo de semelhança de Price, segundo o qual x é membro de algum tipo F
somente se x se assemelhar suficientemente a algum paradigma ou exemplar de F
(Price 1953, 20). Por exemplo, o tipo de entidades vermelhas é unificado por
alguns paradigmas vermelhos escolhidos, de modo que apenas aquelas entidades
que se assemelham suficientemente aos paradigmas contam como vermelhas. O tipo
(ou categoria) de mulheres, então, é unificado por alguns paradigmas de
mulheres escolhidos, de modo que aquelas que se assemelham suficientemente aos
paradigmas de mulheres contam como mulheres (Stoljar 1995, 284).
Considerações
semânticas sobre o conceito de mulher sugerem a Stoljar que o nominalismo de
semelhança deve ser endossado (Stoljar 2000, 28). Parece improvável que o
conceito seja aplicado com base em alguma característica social única que todas
e somente as mulheres possuem. Em contraste, mulher é um conceito de conjunto e
nossas atribuições de feminilidade selecionam “diferentes arranjos de
características em diferentes indivíduos” (Stoljar 2000, 27). Mais
especificamente, elas selecionam os seguintes conjuntos de características: (a)
Sexo feminino; (b) Características fenomenológicas: menstruação, experiência
sexual feminina, parto, amamentação, medo de andar nas ruas à noite ou medo de
estupro; (c) Certos papéis: usar roupas tipicamente femininas, ser oprimida com
base no próprio sexo ou realizar trabalho de cuidado; (d) Atribuição de gênero:
“chamar a si mesma de mulher, ser chamada de mulher” (Stoljar 1995, 283-4).
Para Stoljar, as atribuições de feminilidade têm a ver com uma variedade de
características e experiências: aquelas que as feministas historicamente
denominaram "traços de gênero" (como características sociais,
comportamentais e psicológicas) e aquelas denominadas "traços sexuais".
No entanto, ela sustenta que, como o conceito de mulher se aplica a (pelo menos
à algumas) pessoas trans, uma pessoa pode ser mulher sem ser fêmea (Stoljar
1995, 282).
O conceito de
agrupamento "mulher", no entanto, não fornece diretamente o critério
para a escolha da categoria de mulheres. Em vez disso, os quatro grupos de
características que o conceito seleciona ajudam a destacar paradigmas femininos
que, por sua vez, ajudam a destacar a categoria de mulheres. Primeiro, qualquer
indivíduo que possua uma característica de pelo menos três dos quatro grupos
mencionados contará como um exemplar da categoria. Por exemplo, um
afro-americano com características sexuais femininas primárias e secundárias,
que se descreve como mulher e é oprimido com base em seu sexo, juntamente com
um hermafrodita europeu branco criado "como uma menina", que se
envolve em papéis femininos e tem características fenomenológicas femininas
apesar de não ter características sexuais femininas, contará como paradigmas de
mulher (Stoljar 1995, 284).[7] Em segundo lugar, qualquer indivíduo que se
assemelhe a "qualquer um dos paradigmas suficientemente de perto (na
descrição de Price, tão de perto quanto [os paradigmas] se assemelham uns aos
outros) será um membro da classe de semelhança 'mulher'" (Stoljar 1995,
284). Ou seja, o que delimita a filiação à categoria de mulheres é que alguém
se assemelhe suficientemente a um paradigma de mulher.
4.2 Neo-realismo de gênero
4.2.1 Subordinação social e gênero
Em uma série
de artigos reunidos em seu livro de 2012, Sally Haslanger defende uma maneira
de definir o conceito de mulher que seja politicamente útil, servindo como
ferramenta nas lutas feministas contra o sexismo, e que mostre que a mulher é
uma noção social (não biológica). Mais especificamente, Haslanger argumenta que
gênero é uma questão de ocupar uma posição social subordinada ou privilegiada.
Em alguns artigos, Haslanger defende uma análise revisionista do conceito de
mulher (2000b; 2003a; 2003b). Em outros artigos, ela sugere que sua análise
pode não ser tão revisionista assim (2005; 2006). Consideremos primeiro o
primeiro argumento. A análise de Haslanger é, em seus termos, melhorativa: visa
elucidar quais conceitos de gênero melhor ajudam as feministas a atingir seus
propósitos legítimos, elucidando assim aqueles conceitos que as feministas
deveriam usar (Haslanger 2000b, 33). [8] Agora, as feministas precisam de
terminologia de gênero para combater injustiças sexistas (Haslanger 2000b, 36).
Em particular, elas precisam de termos de gênero para identificar, explicar e
falar sobre desigualdades sociais persistentes entre homens e mulheres. A
análise de gênero de Haslanger começa com o reconhecimento de que mulheres e
homens diferem em dois aspectos: fisicamente e em suas posições sociais. As
sociedades em geral tendem a “privilegiar indivíduos com corpos masculinos”
(Haslanger 2000b, 38) para que as posições sociais que eles subsequentemente
ocupam sejam melhores do que as posições sociais daqueles com corpos femininos.
E isso gera injustiças sexistas persistentes. Com isso em mente, Haslanger
especifica como entende os gêneros:
"S é uma
mulher se [por definição] S é sistematicamente subordinada em alguma dimensão
(econômica, política, legal, social etc.) e S é 'marcada' como alvo desse
tratamento por características corporais observadas ou imaginadas,
presumivelmente evidências do papel biológico de uma mulher na reprodução.
S é um homem
se [por definição] S é sistematicamente privilegiada em alguma dimensão
(econômica, política, legal, social etc.) e S é 'marcada' como alvo desse
tratamento por características corporais observadas ou imaginadas,
presumivelmente evidências do papel biológico de um homem na reprodução."
(2003a, 6-7)
Estas são
constitutivas de ser mulher e homem: o que torna adequado chamar S de mulher é
que S é oprimida por motivos de gênero; o que torna adequado chamar S de homem
é que S é privilegiada por motivos de gênero.
A análise
melhorativa de Haslanger é contraintuitiva, pois mulheres que não são marcadas
sexualmente pela opressão não contam como mulheres. Pelo menos argumenta-se que
a Rainha da Inglaterra não é oprimida por motivos de marcação sexual e,
portanto, não contaria como mulher segundo a definição de Haslanger. E, da mesma
forma, todos os homens que não são privilegiados não contariam como homens.
Isso pode sugerir que a análise de Haslanger deva ser rejeitada, pois não
captura o que os usuários da linguagem têm em mente ao aplicar termos de
gênero. No entanto, Haslanger argumenta que isso não é motivo para rejeitar as
definições, que ela considera revisionistas: elas não visam capturar nossos
termos intuitivos de gênero. Em resposta, Mikkola (2009) argumentou que
análises revisionistas de conceitos de gênero, como as de Haslanger, são
politicamente inúteis e filosoficamente desnecessárias. Observe também que a
proposta de Haslanger é eliminativista: a justiça de gênero erradicaria o
gênero, uma vez que aboliria as estruturas sociais sexistas responsáveis pela
opressão e privilégios marcados pelo sexo. Se a opressão sexista cessasse,
mulheres e homens deixariam de existir (embora ainda existissem machos e fêmeas).
Nem todas as feministas, porém, endossam essa visão eliminativista. Stone
sustenta que Haslanger não deixa espaço para uma reavaliação positiva do que é
ser mulher: visto que Haslanger define mulher em termos de subordinação,
"qualquer
mulher que desafie seu status de subordinação deve, por definição, estar
desafiando seu status de mulher, mesmo que não pretenda... uma mudança positiva
em nossas normas de gênero envolveria a eliminação do gênero feminino
(necessariamente subordinado)". (Stone 2007, 160)
Mas, de
acordo com Stone, isso não é apenas indesejável – deve-se poder desafiar a
subordinação sem ter que desafiar seu status de mulher. Também é falso: “como
as normas de feminilidade podem ser e estão sendo constantemente revisadas, as
mulheres podem ser mulheres sem que isso as subordine” (Stone 2007, 162;
Mikkola [2016] também argumenta que o eliminativismo de Haslanger é
problemático).
Theodore Bach
sustenta que o eliminativismo de Haslanger é indesejável por outros motivos, e
que a posição de Haslanger enfrenta outro problema mais sério. O feminismo
enfrenta as seguintes preocupações (entre outras):
"Problema
de representação: se não existe um grupo real de 'mulheres', então é incoerente
fazer reivindicações morais e promover políticas em nome das mulheres"
(Bach 2012, 234).
"Problemas
de similaridade: (1) Não há nenhuma característica que todas as mulheres compartilhem
transcultural e transhistoricamente. (2) Delimitar o tipo social das mulheres
com a ajuda de alguma propriedade essencial privilegia aqueles que a possuem e
marginaliza aqueles que não a possuem” (Bach 2012, 235).
De acordo com
Bach, a estratégia de Haslanger para resolver esses problemas apela ao
"objetivismo social". Primeiro, definimos as mulheres "de acordo
com uma propriedade relacional adequadamente abstrata" (Bach 2012, 236), o
que evita os problemas de comunalidade. Segundo, Haslanger emprega "uma
noção ontologicamente tênue de 'objetividade'" (Bach 2012, 236) que
responde ao problema da representação. A solução de Haslanger (afirma Bach) é
especificamente argumentar que as mulheres constituem um tipo objetivo porque
são objetivamente semelhantes entre si, e não simplesmente classificadas em
conjunto, considerando nossos esquemas conceituais de base. Bach afirma, no
entanto, que a explicação de Haslanger não é suficientemente objetiva e que
deveríamos, por motivos políticos, "fornecer uma caracterização ontológica
mais forte dos gêneros masculino e feminino, segundo os quais eles são tipos
naturais com essências explicativas” (Bach 2012, 238). Ele propõe, portanto,
que as mulheres constituem um tipo natural com uma essência histórica:
“A propriedade
essencial das mulheres, em virtude da qual um indivíduo é membro do tipo
‘mulheres’, é a participação em uma linhagem de mulheres. Para exemplificar
essa propriedade relacional, um indivíduo deve ser uma reprodução de mulheres
ancestrais, caso em que deve ter passado pelos processos ontogenéticos pelos
quais um sistema de gênero histórico replica as mulheres.” (Bach 2012, 271)
Em suma, uma
pessoa não é mulher devido a propriedades superficiais compartilhadas com
outras mulheres (como ocupar uma posição social subordinada). Em vez disso, uma
pessoa é mulher porque tem a história correta: ela passou pelo onipresente
processo ontogenético de socialização de gênero. Pensar sobre gênero dessa
maneira supostamente fornece uma unidade de tipo mais forte do que a de
Haslanger, que simplesmente apela a propriedades superficiais compartilhadas.
Nem todos
concordam; Mikkola (2020) argumenta que a imagem metafísica de Bach possui
tensões internas que a tornam intrigante e que a metafísica de Bach não fornece
boas respostas aos problemas de comunalidade e apresentação. A visão
historicamente essencialista também tem implicações anti-trans. Afinal,
mulheres trans que não passaram pela socialização de gênero feminino não serão
consideradas mulheres em sua visão (Mikkola [2016, 2020] desenvolve essa linha
de crítica com mais detalhes). Mais preocupante ainda, mulheres trans serão
consideradas homens, contrariamente à sua auto-identificação. Tanto Bettcher
(2013) quanto Jenkins (2016) consideram a importância da auto-identificação de
gênero. Bettcher argumenta que há mais de uma maneira "correta" de
entender a feminilidade: no mínimo, as concepções dominantes (mainstream) e as
resistentes (trans). Visões dominantes como a de Bach tendem a apagar as
experiências das pessoas trans e a marginalizar as mulheres trans dentro dos
movimentos feministas. Em vez de mulheres trans terem que defender suas
reivindicações de auto-identificação, essas reivindicações devem ser
consideradas como verdadeiras desde o início. E, portanto, Bettcher sustenta
que, “ao analisar o significado de termos como ‘mulher’, é inapropriado
descartar formas alternativas pelas quais esses termos são efetivamente usados
em subculturas trans; tal uso precisa ser levado em consideração como parte
da análise” (2013, 235).
Especificamente
com Haslanger em mente e em linha semelhante, Jenkins (2016) discute como a
abordagem revisionista de Haslanger exclui indevidamente algumas mulheres trans
do tipo social feminino. Na visão de Jenkins, a metodologia de melhoria de
Haslanger, na verdade, produz mais de um conceito-alvo satisfatório: um que
“corresponde ao conceito proposto por Haslanger e captura o sentido de gênero
como uma classe social imposta”; outro que “captura o sentido de gênero como
uma identidade vivida” (Jenkins 2016, 397). Esta última nos permite incluir
mulheres trans no tipo social de mulheres, que, na abordagem de classe social
de Haslanger para gênero, teriam sido inapropriadamente excluídas. (Ver Andler
2017 para a visão de que a concepção supostamente inclusiva de gênero de
Jenkins ainda não é totalmente inclusiva. Jenkins 2018 responde a essa acusação
e desenvolve ainda mais a noção de identidade de gênero.)
Além de seu
argumento revisionista, Haslanger sugeriu que sua análise melhorativa da mulher
pode não ser tão revisionista quanto parece à primeira vista (2005, 2006).
Embora bem-sucedidas em sua fixação de referências, os usuários comuns da
linguagem nem sempre sabem precisamente do que estão falando. Nosso uso da
linguagem pode ser distorcido por ideologias opressivas que podem "nos
enganar sobre o conteúdo de nossos próprios pensamentos" (Haslanger 2005,
12). Embora sua terminologia de gênero não seja intuitiva, isso pode ser
simplesmente porque ideologias opressivas nos enganam sobre os significados de
nossos termos de gênero. Nossa terminologia cotidiana de gênero pode significar
algo completamente diferente do que pensamos que significa; e podemos ignorar
completamente isso. Talvez a análise de Haslanger, então, tenha capturado nosso
vocabulário cotidiano de gênero, revelando-nos os termos que realmente
empregamos: podemos estar aplicando "mulher" em nossa linguagem
cotidiana com base em uma subordinação marcada pelo sexo, quer consideremos que
estamos fazendo isso ou não. Se assim for, a terminologia de gênero de
Haslanger não é radicalmente revisionista.
Saul (2006)
argumenta que, apesar de ser possível que inconscientemente apliquemos
"mulher" com base na subordinação social, é extremamente difícil
demonstrar que esse é o caso. Isso exigiria demonstrar que a terminologia de
gênero que de fato empregamos é a terminologia de gênero proposta por
Haslanger. Mas descobrir os fundamentos sobre os quais aplicamos termos
cotidianos de gênero é extremamente difícil, precisamente porque eles são
aplicados de maneiras variadas e idiossincráticas (Saul 2006, 129). Haslanger,
então, precisa fazer mais para mostrar que sua análise não é revisionista.
4.2.2 Uniessencialismo de gênero
Charlotte
Witt (2011a; 2011b) defende um tipo particular de essencialismo de gênero, que
Witt denomina "uniessencialismo". Sua motivação e ponto de partida
são os seguintes: muitos agentes sociais comuns relatam que o gênero é
essencial para eles e afirmam que seriam pessoas diferentes se fossem de um
sexo/gênero diferente. O uniessencialismo tenta compreender e articular isso.
No entanto, o trabalho de Witt diverge em aspectos importantes das posições
anteriores (chamadas) essencialistas ou realistas de gênero discutidas na Seção
2: Witt não propõe alguma propriedade essencial da feminilidade do tipo
discutido acima, que não levou em consideração as diferenças das mulheres. Além
disso, o uniessencialismo difere significativamente daquelas posições
desenvolvidas em resposta ao problema de como devemos conceber o tipo social
das mulheres. Não se trata de resolver a disputa padrão entre nominalistas de
gênero e realistas de gênero, ou de articular alguma suposta propriedade
compartilhada que une as mulheres e fornece uma base teórica para a
solidariedade política feminista. Em vez disso, o uniessencialismo visa
concretizar a crença amplamente difundida de que o gênero é constitutivo de
quem somos. [9]
O
uniessencialismo é uma espécie de essencialismo individual. Tradicionalmente,
os filósofos distinguem entre essencialismos de tipo e individual: o primeiro
examina o que une os membros de um tipo e o que todos os membros de um tipo têm
em comum enquanto membros desse tipo. O segundo pergunta: o que torna um
indivíduo o indivíduo que é. Podemos ainda distinguir dois tipos de
essencialismos individuais: o essencialismo identitário kripkeano e o uniessencialismo
aristotélico. O primeiro pergunta: o que torna um indivíduo esse indivíduo? O
segundo, no entanto, faz uma pergunta ligeiramente diferente: o que explica a
unidade dos indivíduos? O que explica que uma entidade individual exista além
da soma total de suas partes constituintes? (O debate feminista padrão sobre
nominalismo de gênero e realismo de gênero tem sido amplamente sobre
essencialismo de tipo. Sendo uma forma de essencialismo individual, o
uniessencialismo de Witt se afasta de forma importante do debate padrão.) Dos
dois essencialismos individuais, Witt endossa o aristotélico. Nessa visão,
certas essências funcionais têm um papel unificador: essas essências são
responsáveis pelo fato de que as partes materiais constituem um novo
indivíduo, em vez de apenas um amontoado de coisas ou uma coleção de
partículas. O exemplo de Witt é o de uma casa: a propriedade funcional
essencial da casa (para que serve a entidade, qual é o seu propósito) unifica
as diferentes partes materiais de uma casa para que haja uma casa, e não apenas
uma coleção de partículas constituintes da casa (2011a, 6). Gênero (ser
mulher/homem) funciona de maneira semelhante e fornece "o princípio da
unidade normativa" que organiza, unifica e determina os papéis dos indivíduos
sociais (Witt 2011a, 73). Devido a isso, gênero é uma propriedade uniessencial
dos indivíduos sociais. É importante esclarecer as noções de gênero e
individualidade social que Witt emprega. Primeiro, gênero é uma posição social
que “se agrupa em torno da função geradora... as mulheres concebem e dão à
luz... os homens geram” (Witt 2011a, 40). Essas são funções reprodutivas
socialmente mediadas por mulheres e homens (Witt 2011a, 29) e diferem da função
biológica de reprodução, que corresponde aproximadamente ao sexo na distinção
padrão entre sexo e gênero. Witt escreve: “ser mulher é ser reconhecido por ter
uma função particular na geração; ser homem é ser reconhecido por ter uma
função diferente na geração” (2011a, 39). Segundo, Witt distingue pessoas
(aqueles que possuem autoconsciência), seres humanos (aqueles que são
biologicamente humanos) e indivíduos sociais (aqueles que ocupam posições
sociais sincrônica e diacronicamente). Essas categorias ontológicas não são
equivalentes, pois possuem diferentes condições de persistência e identidade.
Indivíduos sociais são limitados pela normatividade social, seres humanos pela
normatividade biológica. Essas normatividades diferem em dois aspectos:
primeiro, as normas sociais diferem de uma cultura para outra, enquanto as
normas biológicas não; segundo, diferentemente da normatividade biológica, a
normatividade social requer “o reconhecimento por outros de que um agente é
tanto responsivo quanto avaliável sob uma norma social” (Witt 2011a, 19).
Assim, ser um indivíduo social não é equivalente a ser um ser humano. Além
disso, Witt considera que a pessoalidade é definida em termos de estados
psicológicos intrínsecos de autoconsciência e autoconsciência. No entanto, a
individualidade social é definida em termos da característica extrínseca de
ocupar uma posição social, cuja existência depende de um mundo social.
Portanto, as duas não são equivalentes: a pessoalidade é essencialmente sobre
características intrínsecas e poderia existir sem um mundo social, enquanto a
individualidade social é essencialmente sobre características extrínsecas que
não poderiam existir sem um mundo social.
O argumento
essencialista de gênero de Witt diz respeito crucialmente a indivíduos sociais,
não a pessoas ou seres humanos: dizer que pessoas ou seres humanos são
generificados seria um erro de categoria. Mas por que gênero é essencial para
indivíduos sociais? Para Witt, indivíduos sociais são aqueles que ocupam
posições na realidade social. Além disso, "posições sociais têm normas ou
papéis sociais associados a elas; um papel social é aquilo a que um indivíduo
que ocupa uma determinada posição social é responsivo e avaliável" (Witt
2011a, 59). No entanto, enquanto indivíduos sociais, ocupamos múltiplas
posições sociais ao mesmo tempo e ao longo do tempo: podemos ser mulheres,
mães, imigrantes, irmãs, acadêmicas, esposas, organizadoras comunitárias e treinadoras
de esportes coletivos, sincrônica e diacronicamente. Agora, a questão para Witt
é o que unifica essas posições para que um indivíduo social seja constituído.
Afinal, um conjunto de posições sociais não constitui um indivíduo (assim como
um conjunto de propriedades como ser branco, ter o formato de um cubo e ser
doce não constitui um cubo de açúcar). Para Witt, esse papel unificador é
assumido pelo gênero (ser mulher ou homem): é
"uma
posição social abrangente e fundamental que unifica e determina todas as outras
posições sociais, tanto sincrônica quanto diacronicamente. Ela as unifica não
fisicamente, mas ao fornecer um princípio de unidade normativa." (2011a,
19-20)
Por
"unidade normativa", Witt quer dizer o seguinte: dados nossos papéis
sociais e posições sociais ocupadas, somos receptivos a vários conjuntos de
normas sociais. Essas normas são "padrões complexos de comportamento e
práticas que constituem o que se deve fazer em uma situação, dada a(s)
posição(ões) social(ais) e o contexto social de cada um" (Witt 2011a, 82).
Os conjuntos de normas podem entrar em conflito: as normas da maternidade podem
(e entram) em conflito com as normas de ser um filósofo acadêmico. No entanto, para
que esse conflito exista, as normas devem ser vinculativas para um único
indivíduo social. Witt, então, pergunta: o que explica a existência e a unidade
do indivíduo social sujeito a normas sociais conflitantes? A resposta é gênero.
Gênero não é
apenas um papel social que unifica os indivíduos sociais. Witt o considera o
papel social — como ela mesma afirma, é o mega papel social que unifica os
agentes sociais. Primeiro, gênero é um mega papel social se satisfaz duas
condições (e Witt afirma que sim): (1) se fornece o princípio da unidade
sincrônica e diacrônica dos indivíduos sociais e (2) se influi e define uma
ampla gama de outros papéis sociais. Gênero satisfaz a primeira, sendo
geralmente uma posição social vitalícia: um indivíduo social persiste enquanto
sua posição social de gênero persiste. Além disso, Witt sustenta que pessoas
trans não são contraexemplos a essa afirmação: a transição implica que o antigo
indivíduo social deixou de existir e um novo passou a existir. E isso é
consistente com a mesma pessoa persistindo e passando por mudanças sociais
individuais por meio da transição. O gênero também satisfaz a segunda condição.
Ele influencia outros papéis sociais, como ser pai/mãe ou profissional. As
expectativas associadas a esses papéis sociais diferem dependendo do gênero do
agente, uma vez que o gênero impõe diferentes normas sociais para governar a
execução dos papéis sociais subsequentes. Ora, gênero — em oposição a alguma
outra categoria social, como raça — não é apenas um mega papel social; é o mega
papel social unificador. Considerações transculturais e trans-históricas
corroboram essa visão. Witt afirma que o patriarcado é um universal social
(2011a, 98). Em contraste, a categorização racial varia histórica e
transculturalmente, e a opressão racial não é uma característica universal das
culturas humanas. Assim, o gênero tem mais pretensão de ser o papel social uniessencial
aos indivíduos sociais. Essa abordagem do essencialismo de gênero não apenas
explica a conexão dos agentes sociais com seu gênero, mas também fornece uma
maneira útil de conceber a agência das mulheres — algo central para a política
feminista.
4.2.3 Gênero como posicionalidade
Linda Alcoff
sustenta que o feminismo enfrenta uma crise de identidade: a categoria de
mulheres é o ponto de partida do feminismo, mas diversas críticas sobre gênero
fragmentaram a categoria e não está claro como as feministas devem entender o
que é ser mulher (2006, capítulo 5). Em resposta, Alcoff desenvolve uma
abordagem de gênero como posicionalidade, segundo a qual “gênero é, entre
outras coisas, uma posição que alguém ocupa e a partir da qual pode agir
politicamente” (2006, 148). Em particular, ela considera a posição social de
alguém para promover o desenvolvimento de identidades (ou autoconcepções)
especificamente de gênero: “A própria subjetividade (ou experiência subjetiva
de ser mulher) e a própria identidade das mulheres são constituídas pela
posição das mulheres” (Alcoff 2006, 148). Alcoff sustenta que existe uma base
objetiva para distinguir indivíduos com base em papéis reprodutivos (reais ou
esperados):
“Mulheres e
homens são diferenciados em virtude de sua diferente relação de possibilidade
com a reprodução biológica, com a reprodução biológica se referindo à
concepção, ao parto e à amamentação, envolvendo o próprio corpo." (Alcoff
2006, 172, itálico no original)
A ideia é que
aqueles classificados como biologicamente femininos, embora possam não ser
capazes de se reproduzir, encontrarão “um conjunto diferente de práticas,
expectativas e sentimentos em relação à reprodução” do que aqueles
classificados como masculinos (Alcoff 2006, 172). Além disso, essa relação
diferencial com a possibilidade de reprodução é usada como base para muitos
fenômenos culturais e sociais que posicionam mulheres e homens: pode ser
"a base
de uma variedade de segregações sociais, pode gerar o desenvolvimento de formas
diferenciadas de corporificação vivenciadas ao longo da vida e pode gerar uma
ampla variedade de respostas afetivas, desde orgulho, prazer, vergonha, culpa,
arrependimento ou grande alívio por ter evitado a reprodução com sucesso."
(Alcoff 2006, 172)
A reprodução,
portanto, é uma base objetiva para distinguir indivíduos que assume uma
dimensão cultural na medida em que posiciona mulheres e homens de forma
diferente: dependendo do tipo de corpo que se tem, a experiência vivida será
diferente. E isso fomenta a construção de identidades sociais de gênero: o
papel de alguém na reprodução ajuda a configurar como alguém é socialmente
posicionado e isso condiciona o desenvolvimento de identidades sociais
especificamente de gênero.
Como as
mulheres são socialmente posicionadas em vários contextos diferentes, “não
existe uma essência de gênero compartilhada por todas as mulheres” (Alcoff
2006, 147-8). No entanto, Alcoff reconhece que seu relato se assemelha à
distinção sexo/gênero original da década de 1960, na medida em que a diferença
sexual (entendida em termos da divisão objetiva do trabalho reprodutivo)
fornece a base para certos arranjos culturais (o desenvolvimento de uma
identidade social de gênero). Mas, com o benefício da retrospectiva,
“podemos ver
que manter uma distinção entre a categoria objetiva da identidade sexuada e as
práticas variadas e culturalmente contingentes de gênero não pressupõe uma distinção
absoluta, à moda antiga, entre cultura e uma natureza reificada.” (Alcoff 2006,
175)
Ou seja, sua
visão evita a alegação implausível de que sexo tem a ver exclusivamente com
natureza e gênero com cultura. Em vez disso, a distinção com base nas possibilidades
reprodutivas molda e é moldada pelos tipos de fenômenos culturais e sociais
(como variedades de segregação social) que essas possibilidades dão origem. Por
exemplo, intervenções tecnológicas podem alterar as diferenças sexuais,
ilustrando que esse é o caso (Alcoff 2006, 175). As identidades sociais
especificamente generificadas das mulheres, constituídas por suas posições
dependentes do contexto, fornecem, então, o ponto de partida para a política
feminista.
5. Além do Binário
Recentemente,
Robin Dembroff (2020) argumentou que as explicações metafísicas existentes
sobre gênero não abordam identidades de gênero não binárias. Isso gera duas
preocupações. Primeiro, as explicações metafísicas sobre gênero (como as
descritas nas seções anteriores) são insuficientes para captar aqueles que
rejeitam a categorização binária de gênero, na qual as pessoas são homens ou
mulheres. Ao fazê-lo, essas narrativas não são satisfatórias como explicações
de gênero entendidas em um sentido mais amplo, que vá além do binário. Em
segundo lugar, a incapacidade de compreender identidades de gênero não binárias
contribui para uma forma de injustiça epistêmica chamada "injustiça
hermenêutica": ela alimenta uma incapacidade coletiva de compreender e
analisar conceitos e práticas que sustentam esquemas de classificação não
binários, impedindo, assim, a capacidade de cada um se compreender plenamente.
Para superar esses problemas, Dembroff sugere uma abordagem de genderqueer que
eles chamam de "tipo crítico de gênero":
"um tipo
cujos membros desestabilizam coletivamente um ou mais elementos da ideologia de
gênero dominante. Genderqueer, no meu modelo proposto, é uma categoria cujos
membros desestabilizam coletivamente o eixo binário, ou a ideia de que os
únicos gêneros possíveis são os tipos exclusivos e exaustivos: homens e
mulheres." (2020, 2)
Observe que a
posição de Dembroff não deve ser confundida com posições "feministas
críticas de gênero", como as mencionadas acima, que criticam o foco
feminista predominante em gênero, em oposição a gêneros. Dembroff entende
genderqueer como um gênero, mas que critica as concepções binárias dominantes
de gênero.
Dembroff
identifica dois modos de desestabilização do binário de gênero: principial e
existencial. A desestabilização principial “decorre de ou expressa de alguma
forma os compromissos sociais ou políticos dos indivíduos em relação às normas,
práticas e estruturas de gênero”, enquanto a desestabilização existencial
“decorre de ou expressa de alguma forma os papéis de gênero, a personificação
e/ou a categorização sentidas ou desejadas pelos indivíduos” (2020, 13). Esses
modos não são mutuamente exclusivos e podem nos ajudar a entender a diferença
entre aliados e membros de tipos genderqueer: “Enquanto ambos resistem à
ideologia de gênero dominante, membros de tipos [genderqueer] resistem (pelo
menos em parte) devido à categorização de gênero sentida ou desejada que se
desvia das expectativas, normas e suposições dominantes” (2020, 14). Esses
modos de desestabilização também nos permitem formular uma compreensão de tipos
de gênero não críticos que as compreensões binárias dos tipos feminino e
masculino exemplificam. Dembroff define esses tipos da seguinte forma:
"Para um
determinado tipo X, X é um tipo de gênero não crítico em relação a uma
determinada sociedade se os membros de X reestabilizam coletivamente um ou mais
elementos da ideologia de gênero dominante naquela sociedade." (2020, 14)
A compreensão
de Dembroff sobre tipos de gênero críticos e não críticos torna a filiação a um
tipo de gênero algo mais e diferente de um mero fenômeno psicológico. Para nos
engajarmos na desestabilização ou reestabilização coletiva da normatividade e
ideologia de gênero dominante, precisamos de mais do que meras atitudes ou
estados mentais – resistir ou manter tal normatividade também requer ação. Ao
fazê-lo, Dembroff apresenta sua posição como uma alternativa a duas posições
internalistas existentes sobre gênero. Primeiro, à visão de Jennifer McKitrick
(2015), segundo a qual gênero é disposicional: em um contexto em que alguém
está disposto a se comportar de maneiras que seriam consideradas por outros
como indicativas de (por exemplo) feminilidade, a pessoa possui uma identidade
de gênero feminina. Em segundo lugar, a posição de Jenkins (2016, 2018) considera
que a identidade de gênero de um indivíduo depende de quais normas específicas
de gênero a pessoa vivencia como relevantes para si. Nessa visão, alguém é
mulher se vivencia normas associadas a mulheres como relevantes para si no
contexto social específico em que se encontra. Nenhuma dessas posições capta
bem as identidades não binárias, argumenta Dembroff, o que motiva a descrição
das identidades genderqueer como tipos críticos de gênero.
Como Dembroff
reconhece, o trabalho filosófico substantivo sobre identidades de gênero não
binárias ainda está em desenvolvimento. No entanto, é importante notar que
filósofos analíticos estão começando a se envolver com uma metafísica de gênero
que vai além do binário.
6. Conclusão
Este artigo
analisou inicialmente as objeções feministas ao determinismo biológico e à
afirmação de que o gênero é socialmente construído. Em seguida, examinou as
críticas feministas às concepções predominantes de gênero e sexo, e a própria
distinção. Em resposta a essas preocupações, a proposta analisou como uma
categoria unificada de mulheres poderia ser articulada para fins políticos
feministas. Isso ilustrou que a metafísica de gênero — ou o que é ser mulher,
homem ou pessoa genderqueer — ainda é uma questão muito atual. E embora os debates
filosóficos feministas contemporâneos tenham questionado alguns dos princípios
e detalhes da distinção original entre sexo e gênero da década de 1960, a
maioria ainda mantém a visão de que gênero diz respeito a fatores sociais e que
é (em algum sentido) distinto do sexo biológico. O júri ainda não decidiu qual
é a melhor, a mais útil ou (mesmo) a definição correta de gênero.
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