Autor: Alex Malpass
Tradução: David Ribeiro

Resumo

James Anderson e Greg Welty ressuscitaram um argumento a favor da existência de Deus (Anderson e Welty 2011), que chamaremos de argumento da lógica. Apresentamos três linhas de resposta ao argumento, envolvendo a noção de necessidade e a noção de intencionalidade, e então apresentamos um dilema para o conceitualismo divino. Concluímos que o argumento enfrenta problemas substanciais.

Introdução

James Anderson e Greg Welty ressuscitaram um argumento a favor da existência de Deus (Anderson e Welty 2011), que chamaremos de argumento da lógica. Eles afirmam que as leis da lógica são proposições necessariamente verdadeiras e também que são coisas que realmente existem e, portanto, existem em todos os mundos possíveis. No entanto, como as leis da lógica são intencionais, argumentam eles, elas não podem ser nenhum tipo de coisa física e, portanto, devem ser algum tipo de entidade mental; ou seja, pensamentos. Esses pensamentos necessariamente existentes só podem ser os pensamentos de uma mente necessariamente existente, que podemos chamar de "Deus". Em muitos aspectos, este é um argumento engenhoso.

No entanto, acreditamos que existem alguns problemas bastante sérios com ele, tal como está, e articularemos três principais áreas de preocupação. As áreas do argumento discutidas são:

1. A noção de necessidade envolvida no argumento

2. A noção de intencionalidade envolvida no argumento

3. Um dilema para o conceitualismo divino

No fim das contas, o argumento da lógica parece se basear em suposições racionalmente insustentáveis e, portanto, deve ser rejeitado.

O Argumento da Lógica

Anderson e Welty não apresentam explicitamente o argumento da lógica na forma de premissa/conclusão. No entanto, o argumento pode ser apresentado em uma forma silogística simples, como segue:

1. Se um pensamento existe necessariamente, então ele pertence a uma mente necessariamente existente.

2. As leis da lógica são pensamentos necessariamente existentes.

3. Portanto, existe uma mente necessariamente existente.

A conclusão é que existe uma mente necessariamente existente, "e esta, como diria Aquino, todos entendem ser Deus" (Anderson e Welty 2011, p. 336).

O argumento acima não é explicitamente apresentado dessa forma em (Anderson e Welty 2011), e, portanto, deve ser visto como uma reconstrução amigável, à qual nos referiremos como "reconstrução silogística".

Embora a reconstrução silogística possa ser enunciada com bastante facilidade, há muitas suposições de fundo que motivam as premissas, especialmente a premissa 2. Para motivar as premissas, precisamos nos comprometer explicitamente com o conteúdo dessas suposições de fundo. E, uma vez que trazemos esses compromissos para o argumento, ele assume uma estrutura lógica mais complexa.

Anderson e Welty estão profundamente cientes desses compromissos adicionais e se esforçam para abordar cada um deles explicitamente. Eis como eles resumem o argumento, com todas as suas suposições explicitadas, em sua conclusão:

“As leis da lógica são verdades necessárias sobre verdades; são proposições necessariamente verdadeiras. Proposições são entidades reais, mas não podem ser entidades físicas; são essencialmente pensamentos. Portanto, as leis da lógica são pensamentos necessariamente verdadeiros. Como são verdadeiros em todos os mundos possíveis, devem existir em todos os mundos possíveis. Mas se há pensamentos necessariamente existentes, deve haver uma mente necessariamente existente; e se há uma mente necessariamente existente, deve haver uma pessoa necessariamente existente. Uma pessoa necessariamente existente deve ser de natureza espiritual, pois nenhuma entidade física existe necessariamente. Assim, se existem leis da lógica, também deve haver um ser espiritual, pessoal e necessariamente existente. As leis da lógica implicam a existência de Deus.” (Anderson e Welty 2011, pp. 336–337)

Embora mais complexo do que a reconstrução silogística original, com este resumo mais detalhado, vemos uma sequência aparentemente plausível de inferências a partir de várias afirmações, cada uma das quais tem uma seção no artigo que a defende e, frequentemente, apresenta citações de outros artigos para elaborações. Parece que estamos passando de simples observações sobre a natureza das leis da lógica (que são verdades necessárias, etc.) para a afirmação de que elas indicam a presença de uma mente divina.

A Hipótese da Verdade Necessária

A primeira frase do resumo do argumento de Anderson e Welty (‘As leis da lógica são verdades necessárias sobre verdades; são proposições necessariamente verdadeiras’) não é explícita quanto à variedade de necessidades envolvidas. Necessidade é uma palavra que pode ser usada para significar muitas coisas diferentes, incluindo necessidade física, necessidade lógica, necessidade metafísica, necessidade epistêmica, etc. E não é verdade, em cada um desses sentidos, que as leis da lógica sejam necessárias. Elas não são epistemicamente necessárias; é possível duvidar racionalmente das leis da lógica, por exemplo (como Anderson e Welty reconhecem na p. 322).

Parece-nos que elas devem ter necessidade metafísica envolvida. Eles são bastante explícitos sobre isso:

"... argumentaremos a favor de uma relação metafísica substantiva entre as leis da lógica e a existência de Deus... Em outras palavras, argumentaremos que existem leis da lógica porque Deus existe; na verdade, existem leis da lógica somente porque Deus existe" (p. 321).

Acreditamos que a ideia é que as leis da lógica supostamente "baseiam-se na natureza de Deus". A ideia é que as leis da lógica são os pensamentos de Deus, e seus pensamentos são aspectos necessários e imutáveis de sua natureza. A maioria dos teístas acredita que a natureza de Deus é metafisicamente necessária e, portanto, disso se concluiria que as leis da lógica são, sob essa perspectiva, também metafisicamente necessárias. Anderson e Welty não usam o termo "metafisicamente necessário", mas parece uma interpretação justa do que dizem. Assim, quando afirmam que as leis da lógica são "proposições necessariamente verdadeiras", entendemos que se referem a proposições metafisicamente necessariamente verdadeiras, em vez de fisicamente necessárias, epistemicamente necessárias, etc.

A afirmação de que as leis da lógica são metafisicamente necessárias não é incontroversa, e requer algum apoio. Há exemplos bem conhecidos de filósofos que negaram essa afirmação: defensores do psicologismo (como o jovem Husserl), ou do formalismo (como Hilbert), ou do intuicionismo (como Dummett), etc., todos negariam essa afirmação. Os intuicionistas, por exemplo, consideram objetos matemáticos e lógicos como construções mentais — crucialmente, construídos pelas mentes de matemáticos e lógicos, e não estruturas preexistentes na mente de Deus. Assim, os intuicionistas negariam a necessidade metafísica das leis da lógica. Se o intuicionismo ou qualquer uma das visões acima sobre a metafísica da lógica estiver correta, então o argumento nem sequer começa. Portanto, algo precisa ser dito para motivar este primeiro passo. Anderson e Welty oferecem alguns argumentos para a afirmação de que as leis da lógica são metafisicamente necessárias, mas sua abordagem nos parece questionável. Aqui está um exemplo de como eles motivam a ideia:

"Embora possamos facilmente imaginar a possibilidade de os Aliados perderem a guerra e, portanto, de a proposição de que os Aliados venceram a Segunda Guerra Mundial ser falsa, não podemos imaginar a possibilidade da lei da não contradição ser falsa. Ou seja, não podemos imaginar quaisquer circunstâncias possíveis em que uma verdade também possa ser uma falsidade" (p. 325).

E em uma nota de rodapé, eles dizem que

"... confiamos na intuição amplamente compartilhada de que a concebibilidade é um guia confiável para a possibilidade" (ibid).

A ideia deles parece ser algo como o seguinte:

1. A concebibilidade é um guia confiável para a modalidade metafísica.

2. A falsidade da não contradição é inconcebível.

3. Portanto, a não contradição é metafisicamente necessária.

A seguir, levantaremos vários problemas com esse tipo de abordagem.

Apelos à Inconcebibilidade na Metafísica

Em primeiro lugar, na premissa 1, em contraste com sua "intuição amplamente compartilhada", a concebibilidade nos parece um guia duvidoso para a possibilidade metafísica. A questão que temos é geral e se aplica a todos os "apelos à inconcebibilidade" na metafísica. Simplificando, mesmo admitindo o realismo por enquanto, o problema com tais apelos à inconcebibilidade é que nunca se pode realmente saber se é apenas uma deficiência em suas próprias habilidades de imaginação, em vez de uma característica que está rastreando uma genuína impossibilidade metafísica.

O que está claro é que existem casos históricos em que filósofos consideraram inconcebível que certas proposições fossem falsas, mas agora olhamos para eles como estando sob o feitiço de uma maneira enganosa de ver as coisas. Por exemplo, Kant notoriamente pensava que a falsidade da geometria euclidiana era inconcebível. Mas agora a maioria dos físicos aceita que nosso mundo é não euclidiano. Foram necessárias gerações subsequentes de matemáticos e físicos para transcender a limitação imaginativa de Kant, desenvolvendo estruturas que lhes permitissem compreender a geometria não euclidiana. A lição é que nossos paradigmas intelectuais às vezes mudam, e novas configurações da imaginação se tornam acessíveis a nós quando isso acontece.

E isso se aplica não apenas à matemática e à geometria, mas também à lógica. Assim como os séculos XVIII e XIX testemunharam revoluções na forma como entendíamos a matemática e a geometria, o século XX testemunhou um desenvolvimento igualmente significativo em nossa compreensão da lógica. A segunda metade do século XX, em particular, viu um foco na paraconsistência como uma área de pesquisa para lógicos filosóficos. Como resultado, nossa compreensão científica coletiva dessa área aumentou drasticamente nesse período. Existem agora muitos sistemas lógicos não triviais bem estudados nos quais a "lei" da não contradição é falsa (ver Priest 2006; Tanakaetal 2012; Carnielli e Coniglio 2016 etc.).

Agora, ninguém sabe realmente se esses são apenas sistemas curiosos sem aplicação ao mundo real, ou se são como a geometria não euclidiana e provarão ter alguma aplicação ainda não descoberta ao mundo real. Mas o registro histórico parece recomendar humildade quanto à nossa capacidade de intuir as respostas a tais perguntas com antecedência. Anderson e Welty podem ser como Kant e simplesmente ter uma intuição que não acompanha a realidade.

O que exatamente é inconcebível?

Mas suponhamos que admitamos que a concebibilidade seja um guia confiável para a modalidade metafísica. Ainda é questionável se o que Anderson e Welty acham difícil de imaginar é sequer relevante para a questão da não contradição. Eles dizem:

"Não podemos imaginar um mundo possível em que a lei da não contradição seja falsa... Agora, você pode insistir que pode imaginar um mundo possível — embora um mundo muito caótico e confuso — em que a Lei da Não Contradição seja falsa. Se for assim, simplesmente o convidamos a refletir se você realmente pode conceber um mundo possível em que abundem as contradições. Como seria isso? Você consegue imaginar uma realidade alternativa na qual, por exemplo, as árvores existem e não existem?" (p. 326).

Achamos que eles estão exagerando a estranheza do que significa para a não contradição ser falsa. Em primeiro lugar, não precisa ser "muito caótico e confuso", nem que as contradições "abundem". Não precisa haver muitas contradições; desde que haja uma contradição — um único contraexemplo à lei — isso seria suficiente para torná-la falsa. Em segundo lugar, não precisa ter nada a ver com objetos concretos instanciando inconsistência, como quando "árvores existem e não existem" (embora coisas semelhantes tenham sido propostas na mecânica quântica). Embora existam formulações de não contradição que enfatizam objetos concretos em particular que possuem e não possuem a mesma propriedade (Metafísica Γ 1005b18-22, por exemplo), existem também versões mais gerais, que tratam apenas de pares contraditórios de proposições que não são ambas verdadeiras (Metafísica Γ 1011b13-14, por exemplo).

A versão geral implica a versão particular, mas não o contrário. Portanto, pode ser que a versão geral seja falsa, mesmo que a versão particular seja verdadeira; talvez objetos concretos sejam perfeitamente consistentes, mas algum ramo da matemática ou da teoria dos conjuntos seja inconsistente. Se fosse esse o caso, as experiências empíricas de todos com objetos concretos seriam consistentes, e apenas um punhado de matemáticos, trabalhando em seus raciocínios uns com os outros, perceberia que a não contradição é falsa.

Para ilustrar esse ponto, considere a seguinte paródia a respeito da incompletude da aritmética:

"Agora você pode insistir que consegue imaginar um mundo possível — embora um mundo muito caótico e confuso — no qual existam [proposições aritméticas improváveis]. Se for assim, simplesmente o convidamos a refletir se você realmente consegue conceber um mundo possível no qual abundem [proposições aritméticas improváveis]. Como seria isso? Você consegue imaginar uma realidade alternativa na qual, por exemplo, [é verdade que duas árvores mais duas árvores não podem ser comprovadas como iguais a quatro árvores]?"

Os teoremas da incompletude de Gödel mostraram que existem, de fato, proposições aritméticas improváveis. Mas isso não significa que o mundo seja "muito caótico e confuso", ou que tais proposições improváveis "abundem", ou que não possamos fazer aritmética de forma confiável em coisas como árvores. Seus teoremas têm implicações de longo alcance, mas nenhuma destas implicações. Em certo sentido, é fácil imaginar como as coisas seriam se a aritmética fosse incompleta: as experiências empíricas cotidianas seriam praticamente exatamente como seriam se a aritmética fosse completa. Apenas um punhado de matemáticos perceberá as consequências do teorema de Gödel de forma direta. Da mesma forma, se a única contradição verdadeira for algo muito abstrato, então a falsidade da lei da não contradição pode, da mesma forma, não ter nenhuma dessas implicações empíricas. Pode ser que apenas um punhado de teóricos dos conjuntos perceba as consequências, por exemplo.

Assim, a intuição real de Anderson e Welty é a de que é impossível imaginar objetos concretos instanciando propriedades inconsistentes, e isso simplesmente não é a mesma coisa que imaginar o que aconteceria se a não contradição, em seu sentido mais geral, fosse falsa. Assim, mesmo que admitamos tanto a confiabilidade da concebibilidade como um guia para a possibilidade metafísica, quanto seu apelo real, que é a inconcebibilidade de objetos concretos inconsistentes, isso simplesmente não parece ser relevante para a questão de saber se a não contradição é falsa. Se eles têm alguma outra questão com a impossibilidade de imaginar contradições que não envolvam objetos concretos, etc., então nada do que eles dizem em seu artigo a aborda.

A Neutralidade de seu Argumento

Na introdução de seu artigo, Anderson e Welty tentam antecipar uma resposta sobre leis alternativas da lógica, afirmando que seu argumento não depende de forma alguma da escolha das três leis clássicas (identidade, terceiro excluído e não contradição). Eles afirmam:

"Deve-se admitir que mesmo esses três princípios consagrados pelo tempo não estão isentos de controvérsia, pois a verdade de cada um deles foi contestada por filósofos antigos e modernos. No entanto, nosso argumento não exige a aceitação desses princípios lógicos específicos ou de qualquer sistema lógico específico (seja clássico ou não clássico). Embora possa haver debates sobre quais leis da lógica são válidas, não há debate sério sobre se existem leis da lógica. … Leitores que preferem outros exemplos devem substituí-los nos pontos apropriados" (p. 322).

 

Eles também abordam o dialeteísmo diretamente, em uma nota de rodapé na página 326. Afirmam o seguinte:

"... embora os dialeteístas rejeitem a lógica clássica, quaisquer leis lógicas que defendam em substituição às leis clássicas são tipicamente consideradas necessárias, em vez de verdades contingentes. Mesmo uma lei qualificada de não contradição, ou uma alternativa a ela, seria considerada válida em todos os mundos possíveis como uma lei sobre verdades enquanto verdades. Como afirmado anteriormente, nosso argumento pressupõe apenas a existência de leis lógicas; não pressupõe nenhuma especificação particular dessas leis, exceto para insistir que algumas dessas leis devem ser vistas como verdades necessárias" (p. 326, nota de rodapé 10).

Essas citações deixam bem claro que Anderson e Welty entendem que seu argumento não se baseia em leis particulares da lógica; é neutro quanto a quais leis são válidas. É assim que eles contornam a questão do dialeteísmo. Eles não estão argumentando que as leis clássicas da lógica são metafisicamente necessárias. Eles estão argumentando que as leis da lógica, quaisquer que sejam, são metafisicamente necessárias.

O problema é que o argumento deles na seção III, em apoio à afirmação de que as leis da lógica são metafisicamente necessárias, é específico da lei da não contradição. Mas se o argumento principal for neutro sobre quais leis são verdadeiras, então a seção III deveria ter um argumento que apoiasse a afirmação geral de que as leis da lógica, quaisquer que sejam, são metafisicamente necessárias, e não que uma lei específica da lógica seja metafisicamente necessária. Se um leitor substituir por algumas leis lógicas diferentes, como as de um sistema paraconsistente, então ele não pode usar o argumento não específico da contradição que Anderson e Welty usam. Se Anderson e Welty quiserem usar um apelo à inconcebibilidade, ele deve ser direcionado para esta proposição mais geral, como segue:

1. A concebibilidade é um guia confiável para a modalidade metafísica.

2. É inconcebível que as leis da lógica, quaisquer que sejam, não sejam metafisicamente necessárias.

3. Portanto, as leis da lógica, quaisquer que sejam, são metafisicamente necessárias.

Se assim formulado, teria aplicação ao leitor que substituiu leis diferentes. Mas qual é o argumento em apoio a essa nova segunda premissa? Não tem absolutamente nada a ver com árvores existentes e inexistentes, etc. É um princípio meta-lógico sobre que tipo de coisas são as leis da lógica, independentemente dos exemplos específicos. O que precisamos é de uma razão para pensar que visões como convencionalismo, intuicionismo, formalismo, etc. — segundo as quais as leis da lógica não são metafisicamente necessárias — são falsas. Sem isso, o argumento nem sequer parte do princípio. No entanto, o que nos é oferecido foi uma intuição que, na melhor das hipóteses, se dirigia a uma lei específica (não contradição) e não aborda esse ponto mais geral.

Eles afirmam o seguinte:

"Embora possa haver debates sobre quais leis da lógica se aplicam, não há debate sério sobre se existem leis da lógica. (Como alguém poderia debater racionalmente essa questão sem assumir que existem regras para o debate racional?)"

Mas, é claro, intuicionistas, formalistas, etc., concordam que existem "regras para o debate racional", mas negam que estas sejam verdades metafísicas. Esta é uma restrição pragmática comum a todos os participantes, mas não algo que decida a questão metafísica em discussão.

Em conclusão, Anderson e Welty apelam à confiabilidade da concebibilidade para rastrear a modalidade metafísica, e isso é questionável (como o exemplo de Kant nos mostra). Mas mesmo que seja confiável, é questionável se sua intuição específica é relevante para decidir se a não contradição é verdadeira; parece haver algum mal-entendido sobre o que significa que a não contradição seja falsa. Mas mesmo que sua intuição seja realmente relevante, o que eles dizem sobre a não contradição contradiz sua própria suposta neutralidade sobre quais leis se aplicam. Não há argumento algum para a questão meta-lógica sobre se as leis da lógica, quaisquer que sejam, são metafisicamente necessárias.

Portanto, essa premissa do argumento realmente parece uma suposição sem fundamento.

Proposições são Intencionais

O aspecto mais controverso do argumento de Anderson e Welty é a mudança das leis da lógica, que passam de proposições intencionais para mentais (ou pensamentos). Para entender o que está em jogo aqui, precisamos dizer algo sobre intencionalidade e proposições.

O argumento de Anderson e Welty, neste estágio, parece ter a seguinte forma:

1. Todas as proposições são intencionais.

2. Tudo o que é intencional é mental.

3. Portanto, todas as proposições são mentais.

Este pequeno argumento é claramente válido; portanto, se as premissas também forem verdadeiras, teríamos que aceitar a conclusão.

Acreditamos que há razões para duvidar de ambas as premissas. Mais especificamente, há razões para duvidar que os argumentos apresentados no artigo de Anderson e Welty apoiem essas premissas.

Intencionalidade

A ideia central por trás da intencionalidade é a sobrenaturalidade. Exemplos típicos de coisas intencionais são os pensamentos. Portanto, se tenho um pensamento, é sempre um pensamento sobre algo, e parece que não poderia haver um pensamento que não fosse sobre nada. A autoridade filosófica típica mencionada neste contexto é Brentano:

"Todo fenômeno mental é caracterizado pelo que os escolásticos da Idade Média chamavam de inexistência intencional (ou mental) de um objeto, e pelo que poderíamos chamar, embora não de forma totalmente inequívoca, de referência a um conteúdo, direção a um objeto (que não deve ser entendido aqui como significando uma coisa), ou objetividade imanente. Na apresentação, algo é apresentado, no julgamento, algo é afirmado ou negado, no amor, amado, no ódio, odiado, no desejo, desejado, e assim por diante" (Psicologia de um Ponto de Vista Empírico, Franz Brentano 1995, p. 68).

Tornou-se costume chamar a seguinte afirmação de "Tese de Brentano":

x é intencional se e somente se x é mental

Como esta é uma afirmação bicondicional, ela pode ser dividida em duas condicionais:

1. Tudo o que é intencional é mental.

2. Tudo o que é mental é intencional.

É padrão para filósofos argumentarem que existem estados mentais que não são intencionais (o exemplo de Searle é um sentimento vago e sem direção de ansiedade) e, portanto, que a segunda condição na tese de Brentano é falsa.

Anderson e Welty afirmam que estão realmente preocupados apenas com a primeira dessas condições e que "... o argumento não é afetado se se verificar que existem alguns estados mentais não intencionais" (p. 334).

O que eles precisam fazer é mostrar que não há nada que seja intencional e não mental. Parece haver contraexemplos aqui, no entanto. Em primeiro lugar, sentenças da linguagem natural parecem ser intencionais, na medida em que são sobre coisas. A sentença "Quine foi um filósofo" é sobre Quine. No entanto, essa sentença não é mental em si. Pode-se pensar sobre a sentença, é claro, mas a sentença em si não é mental.

A resposta comum a isso é dizer que sentenças são apenas derivativamente intencionais. Por si só, as frases não são sobre nada, mas quando lidas pela mente, elas se tornam investidas de significado e isso as torna sobre algo. As frases são apenas veículos não intencionais para comunicar pensamentos intencionais. Anderson e Welty querem dizer que, embora possa haver casos de fenômenos derivativamente intencionais (como frases), tudo o que é inerentemente intencional é mental.

Existem outras abordagens que sustentam a existência de fenômenos não mentais inerentemente intencionais, como a de Fred Dretske, em Dretske (1990), segundo a qual a intencionalidade é melhor entendida como a propriedade de conter informação. Portanto, um objeto é intencional se contém alguma informação. O conteúdo da informação é o que torna o objeto sobre outra coisa. Assim, um exemplo é que não há fumaça sem fogo. Nesse sentido, a fumaça contém informações sobre a presença de fogo.

Se essa abordagem estiver correta, a inferência de Anderson e Welty é bloqueada (pois há coisas que são não mentais, mas intencionais) e, com ela, o restante do argumento é bloqueado. Não se poderia argumentar que as leis da lógica são proposições, que são intencionais, que são pensamentos e que são os pensamentos de Deus. O salto de ser intencional para ser mental seria inválido se a abordagem de Dretske, ou uma semelhante, estivesse correta.

Há problemas com a explicação de Dretske sobre a intencionalidade, como seria de se esperar de uma teoria filosófica, mas se Anderson e Welty querem avançar a tese de que todas as coisas intencionais são mentais, eles se deparam com o fato de que existem teorias alternativas plausíveis (se não totalmente isentas de problemas). Isso revela a ambição da proposta de Anderson e Welty e a dificuldade de ser capaz de apresentar o argumento como algo mais do que um esboço.

A Marca do Mental

Para ser justo, Anderson e Welty apontam para um artigo de Tim Crane, intitulado "Intentionalidade como a Marca do Mental" (1998), sobre o qual afirmam:

"Seguindo Brentano, Crane argumenta (contra alguns filósofos contemporâneos da mente) que a intencionalidade, devidamente compreendida, não é apenas uma condição suficiente do mental, mas também uma condição necessária" (Anderson e Welty 2011, p. 334, nota de rodapé 28).

Se isso estivesse correto, eles teriam algum apoio para sua afirmação de que tudo o que é intencional é mental. No entanto, acreditamos que eles estão usando Crane para argumentar em favor de uma tese que seu artigo não sustenta, e explicaremos por que pensamos assim.

A principal preocupação de Crane em seu artigo é lidar com a intencionalidade como uma condição necessária para ser mental (ou seja, que tudo o que é mental é intencional). A alegação de suficiência (de que tudo o que é intencional é mental), que é a única questão com a qual Anderson e Welty realmente se preocupam em sua argumentação, é abordada apenas tangencialmente por Crane naquele artigo. A motivação de Crane, como ele explica, é explicar por que Brentano teria afirmado sua tese se houvesse tantos contraexemplos aparentemente óbvios:

"Se é tão óbvio que a tese de Brentano é falsa, por que Brentano a propôs? Se um momento de reflexão sobre os estados mentais de alguém refuta a tese de que todos os estados mentais são intencionais, então por que alguém (incluindo Brentano, Husserl, Sartre e seus seguidores) pensaria de outra forma? Brentano tinha uma vida interior radicalmente diferente da vida interior dos filósofos contemporâneos? Ou o criador da fenomenologia era espetacularmente desatento aos fatos fenomenológicos, assim como Freud supostamente teria sido um mau analista? Ou — certamente mais plausivelmente — Brentano quis dizer algo diferente com "intencionalidade" do que muitos filósofos contemporâneos querem dizer?" (Crane, (Crane 1998), p. 231).

Crane afirma que não está especificamente interessado na questão histórica e exegética do que Brentano e seus seguidores realmente disseram, mas sim na seguinte pergunta:

"... o que você teria que acreditar sobre intencionalidade para acreditar que ela é a marca do mental?" (Crane 1998, p. 231).

Assim, quando Crane fala sobre "intencionalidade", devemos lembrar que ele não se refere ao que muitos filósofos contemporâneos querem dizer com o termo. Em vez disso, ele tem um objetivo específico em mente: descobrir como seria a intencionalidade se fosse, por definição, a "marca do mental", ou seja, não como é a intencionalidade, mas como seria se a tese de Brentano fosse verdadeira.

A maior parte do artigo de Crane se concentra em supostos exemplos de fenômenos mentais não intencionais, como a percepção sensorial e a emoção não direcionada. Ele apresenta uma explicação do que significaria considerá-los intencionais. Este esforço visa defender a primeira parte da tese de Brentano (de que tudo o que é mental é intencional).

Embora o foco do artigo esteja na primeira parte da tese de Brentano, Crane confronta diretamente a segunda parte, ou seja, a noção de que tudo o que é intencional é mental:

"Tenho defendido a afirmação de que todos os fenômenos mentais exibem intencionalidade. Agora, quero retornar à outra parte da tese de Brentano, a afirmação de que a intencionalidade é exclusiva do domínio mental. Isso me dará a oportunidade de expor algumas especulações sobre por que deveríamos nos interessar pela ideia de uma marca do mental" (Crane, 1998, p. 243).

Crane aborda a ideia de Chisholm-Quine de que sentenças são fenômenos intencionais e não mentais. Chisholm (1957) propôs um critério pelo qual podemos dizer se uma sentença é intencional ou não, basicamente se ela é usada em contextos não extensionais (ou seja, em contextos intencionais). Crane chama isso de "critério linguístico". Em resposta a isso, Crane recomenda que a posição que defende (intencionalismo) rejeite completamente o critério linguístico. Citarei suas razões para recomendar tal posição na íntegra:

"E, dada a forma como venho procedendo neste artigo, [a rejeição do critério linguístico] não deveria ser surpreendente. Intencionalidade, como consciência, é um dos conceitos que usamos para elucidar o que é ter uma mente. Nessa concepção de intencionalidade, considerar a questão de se a intencionalidade está presente em alguma criatura é congruente com considerar como ela se apresenta para essa criatura — isto é, com a consideração da vida mental dessa criatura como um todo. Dizer isso não significa rejeitar por estipulação a ideia de que existem formas primitivas de intencionalidade que estão apenas remotamente conectadas com a vida mental consciente — digamos, a intencionalidade do processamento de informações que ocorre em nossos cérebros. É, antes, enfatizar a prioridade da intencionalidade como uma noção fenomenológica. Assim, os intencionalistas rejeitarão o critério linguístico da intencionalidade precisamente porque o critério considerará como intencionais fenômenos que claramente não são mentais" (Crane, Intentionality as the mark of the mental, p. 244).

Assim, podemos ver aqui que Crane rejeita o critério pelo qual se diz que algumas sentenças são intencionais, não porque as sentenças sejam apenas "derivativamente" intencionais, mas "precisamente porque o critério contará como intencionais fenômenos que claramente não são mentais". Em última análise, na visão de Crane sobre a intencionalidade, as sentenças não são intencionais porque não são mentais.

Quando se trata de proposições, é na verdade bastante controverso e não convencional considerar proposições como mentais (ou seja, como pensamentos). Assim como as sentenças, elas são geralmente consideradas intencionais (no sentido padrão, no sentido de que são sobre coisas), mas não mentais. Anderson e Welty apontam Crane como alguém que defendeu a tese de que tudo o que é intencional é mental. No entanto, quando consideramos o sentido especial de intencionalidade de Crane, vemos o autor recomendando que devemos resistir a aplicá-lo a proposições apenas porque acabaríamos classificando "fenômenos como intencionais que claramente não são mentais". Crane não deduz mentalidade de coisas que, de outra forma, são obviamente intencionais; em vez disso, ele garante que tudo o que é intencional é mental, restringindo a aplicação da intencionalidade apenas a coisas que são obviamente mentais. É uma recomendação para mudar o significado de intencional para obter o resultado desejado. Se Anderson e Welty querem dizer que a razão que eles têm para afirmar que as proposições são mentais é que elas são intencionais no sentido de Crane, então é duvidoso que isso seja verdade. É duvidoso que as proposições sejam intencionais nesse sentido precisamente porque elas não são obviamente mentais. Só poderíamos usar o sentido de intencionalidade de Crane se já pensássemos que as proposições eram mentais. Prima facie, parece que elas são tão intencionais quanto as sentenças, e se sentenças são consideradas não intencionais para Crane, então o mesmo deve acontecer com as proposições. Portanto, não vemos nenhum benefício para Anderson e Welty em nos apontar na direção de Crane aqui.

A única outra razão que Anderson e Welty parecem oferecer para pensar que as proposições são intencionais encontra-se na seguinte passagem:

"Onde as proposições devem ser localizadas em nossa ontologia? As proposições são simplesmente pensamentos de algum tipo? São essencialmente itens mentais? Ou deveríamos postular uma categoria ontológica separada para proposições como itens intencionais, mas não mentais? Certamente, a primeira opção é a mais simples e menos arbitrária das duas. A menos que tenhamos alguma boa razão independente para insistir que as proposições não são itens mentais, deveríamos concluir (com base no fato de que elas possuem a marca distintiva do mental) que as proposições são de fato itens mentais, em vez de postular uma categoria ontológica sui generis para elas ocuparem. Pode-se até dizer que o princípio da parcimônia exige isso. As proposições, então, são melhor interpretadas como de natureza mental. E, uma vez que as leis da lógica são proposições, deveríamos interpretá-las como de natureza mental também" (p. 334-335).

Esta passagem lida parece dar a entender que não há argumento platônico sobre o porquê de reconhecermos "uma categoria ontológica separada para proposições como itens intencionais, mas não mentais" plausível na mesa. De fato, há um argumento muito famoso, apresentado por Frege em seu artigo de 1918, Thought (reimpresso em Mind in Frege, 1956), segundo o qual as proposições devem ser itens intencionais, mas não mentais. Grosso modo, os pensamentos são privados para aqueles que os pensam (você não pode literalmente pensar meus pensamentos); mas as proposições são paradigmaticamente compartilháveis (cada um de nós pode pensar pensamentos com o mesmo conteúdo proposicional)1. Frege sustenta que deve haver três categorias básicas de coisas: objetos físicos, pensamentos e proposições. Anderson e Welty efetivamente também reconhecem três tipos de coisas: objetos físicos, pensamentos privados e pensamentos compartilháveis. Portanto, não é tão óbvio que considerações de parcimônia apontem decisivamente a favor de sua alternativa, que também requer a proposição de uma terceira categoria de coisa (pensamentos compartilháveis). Voltaremos a essa hipótese na próxima seção. Para concluir esta seção, Anderson e Welty parecem não ter nenhuma razão real para supor que as proposições sejam intencionais no sentido de que devem ser consideradas itens mentais. Eles podem argumentar que as proposições são intencionais, mas, para passar dessa observação à afirmação de que são mentais, Anderson e Welty parecem ter que ser capazes de se defender de Dretske e Frege, e nos parece que, apesar do que dizem, eles não têm Crane para ajudá-los. Como não vimos nenhuma tentativa de defender tal argumento, esta parte do argumento parece particularmente implausível.

Um Dilema para o Conceitualismo Divino?

Digamos que admitamos que as leis da lógica são metafisicamente necessárias e que existem em todos os mundos metafisicamente possíveis. Admitamos também que elas são inerentemente intencionais e que, portanto, são pensamentos.

O que teríamos estabelecido neste ponto é que existem alguns pensamentos necessariamente existentes, que são constitutivos das leis da lógica (e de todas as outras proposições metafisicamente necessárias). Disto, Anderson e Welty concluem que isso implica a presença de uma mente divina:

"Mas agora surge uma questão óbvia. De quem são os pensamentos das leis da lógica? Não há mais pensamentos sem mentes do que fumaça sem fogo... De qualquer forma, as leis da lógica não poderiam ser nossos pensamentos — ou os pensamentos de qualquer outro ser contingente, aliás — pois, como vimos, as leis da lógica existem necessariamente, se é que existem. Para qualquer pessoa humana S, S poderia não ter existido, juntamente com os pensamentos de S. A Lei da Não Contradição, por outro lado, não poderia ter deixado de existir — caso contrário, poderia ter deixado de ser verdadeira. Se as leis da lógica são pensamentos necessariamente existentes, elas só podem ser os pensamentos de uma mente necessariamente existente" (Anderson e Welty 2011, p. 335-6).

Portanto, a inferência de pensamentos necessários para uma mente necessária é a seguinte:

1. Não há pensamentos sem mentes.

2. Há pensamentos necessariamente existentes.

3. Portanto, existe uma mente necessariamente existente.

O problema é que essa inferência parece inválida. Para ilustrar o contraexemplo (onde as premissas 1 e 2 são verdadeiras, mas a conclusão é falsa), considere o seguinte modelo:

Cada mundo possível tem sua própria mente única e contingente que pensa as leis da lógica, e não há outros pensamentos ou mentes. Isso significaria que a premissa 1 é verdadeira, pois sempre que há pensamento, há uma mente. E significaria que a premissa 2 é verdadeira, pois há pensamentos que existem em todos os mundos possíveis (especificamente, cada lei da lógica existe em todos os mundos). No entanto, neste modelo, nenhuma mente existe em mais de um mundo; cada mente que pensa logicamente é contingente.

Anderson e Welty antecipam exatamente essa resposta na nota de rodapé 31, e têm uma resposta para tal movimento:

"Um problema com essa sugestão é que os pensamentos pertencem essencialmente às mentes que os produzem. Seus pensamentos necessariamente pertencem a você. Não poderíamos ter tido seus pensamentos (exceto no sentido mais fraco de que poderíamos ter pensamentos com o mesmo conteúdo que seus pensamentos, o que pressupõe uma distinção entre pensamentos humanos e o conteúdo desses pensamentos, por exemplo, proposições). Consequentemente, os pensamentos de mentes contingentes devem ser eles próprios contingentes" (ibid, p. 336-337).

A alegação é que nosso contraexemplo pressupõe que mentes contingentes podem compartilhar pensamentos. Embora cada mente seja única em um mundo, os pensamentos necessários que elas pensam são comuns a todos os mundos. Portanto, duas mentes diferentes pensam o mesmo pensamento. No entanto, Anderson e Welty afirmam, "os pensamentos pertencem essencialmente às mentes que os produzem". Pensamentos não podem ser compartilhados. A única maneira de um mesmo pensamento existir em mais de um mundo é se a mesma mente existir em todos esses mundos com eles. Assim, pensamentos necessariamente existentes requerem mentes necessariamente existentes.

E isso parece inteiramente correto. No entanto, para que essa resposta funcione, Anderson e Welty precisam apelar à distinção entre "pensamentos e o conteúdo desses pensamentos". Eles precisam dessa distinção, caso contrário, poderíamos ser induzidos a pensar que a afirmação de que "os pensamentos de mentes contingentes devem ser contingentes" é refutada porque posso pensar sobre a lei da não contradição necessariamente existente. A razão pela qual isso não funciona é que é o conteúdo do meu pensamento que é necessário, enquanto o pensamento em si é contingente, ou seja, eles devem insistir que "pensamento" não se refere ao conteúdo do pensamento. Dessa forma, a distinção entre pensamentos e conteúdo dos pensamentos é crucial para o sucesso do argumento. E essa é exatamente a distinção na qual Frege insistiu anteriormente.

Mas, uma vez concedida essa distinção, acreditamos que ela ameaça completamente a coerência da posição conceitualista divina. Anderson e Welty insistem, corretamente em nossa opinião, que os pensamentos diferem dos conteúdos dos pensamentos, pois os primeiros não são compartilháveis entre mentes (eles são "metafisicamente privados"), enquanto os últimos são paradigmaticamente compartilháveis entre mentes. Mas se tentarmos tornar os pensamentos divinos compartilháveis entre mentes contingentes, nos deparamos com um dilema.

Para fundamentar o argumento, precisamos apelar a um princípio que diz que um pensamento não pode ser o conteúdo de si mesmo. Devemos ser cuidadosos ao defender esse ponto, pois é fácil interpretá-lo mal. Imagine que Sam está tendo um pensamento, t, que tem uma proposição, p, como seu conteúdo. Portanto, a proposição, p, é o conteúdo do pensamento de Sam, t. Escreveremos isso da seguinte forma: t(p).

Tudo o que queremos insistir é que a forma lógica de tal expressão requer que t e p sejam distintos. A expressão "t(t)" é necessariamente falsa. Chame isso de "Afirmação 1".

É claro que Sam poderia se tornar autoconsciente e refletir sobre seu próprio pensamento. Ele pode pensar sobre seu próprio pensamento. Mas, quando faz isso, o pensamento se torna o conteúdo de um pensamento novo e distinto. Esse tipo de autoconsciência tem a forma t'(t), e não t(t). A autoconsciência é hierárquica, não verdadeiramente reflexiva. Para nós, isso parece bastante incontroverso.

A principal afirmação do conceitualista divino (afirmação 2) é:

Para algum pensamento divino, t, e alguma lei da lógica, p: t = p.

Dizemos que a afirmação 1 é incompatível com a afirmação 2.

Portanto, considere t, o pensamento divino que é a lei da não contradição. É um pensamento, portanto é intencional e, portanto, trata de algo, ou seja, tem algum conteúdo (voltaremos à ideia de que pode não ter conteúdo mais tarde). Mas se tem conteúdo, então qual é esse conteúdo? A resposta óbvia é que Deus está pensando em proposições e como elas nunca podem ser verdadeiras juntamente com suas negações. Mas isso é apenas a lei da não contradição. Se for assim, então o pensamento que é a lei da não contradição tem a lei da não contradição como seu próprio conteúdo. E isso é uma violação flagrante da afirmação 1.

Existe uma maneira de descontar a afirmação 2 que evite violar a afirmação 1? Parece que as únicas duas opções são:

i. t não tem conteúdo algum.

ii. t tem algum conteúdo distinto de p.

Se t não tem conteúdo algum, então parece completamente arbitrário dizer que t é p, em vez de alguma outra proposição, ou simplesmente que não é idêntico a nenhuma proposição. Não há nada em virtude do qual esteja conectado a p.

Mas a situação não melhora ao tomar o outro lado e dizer que o conteúdo de t é alguma proposição diferente de p. Por exemplo, se Deus está pensando no teorema de Pitágoras quando pensa em t, por que t deveria ser identificado com a lei da não contradição?

O problema em ambos os casos é que t não tem nada a ver com p.

Assim, o conceitualista divino parece forçado a insistir que t deve ter t como seu próprio conteúdo, violando assim a afirmação 1, sob pena de todo o projeto se tornar completamente arbitrário. No entanto, parece-nos que essa mudança também não pode ser feita.

Até agora, afirmamos apenas informalmente que um pensamento não poderia ser seu próprio conteúdo. No entanto, temos uma análise da situação segundo a qual é uma regressão viciosa para um pensamento ser seu próprio conteúdo.

Considere primeiro uma regressão "benigna": a do predicado de verdade. Dado o esquema T, podemos nos ajudar a:

Se p, então Verdadeiro(p)

Podemos iterar isso para obter:

Se Verdadeiro(p), então Verdadeiro (Verdadeiro(p))

Isso pode ser iterado para sempre. Esta é uma regressão infinita, mas em cada estágio há um conteúdo proposicional determinado. Poderíamos perguntar "o que é que é verdadeiro?", e em cada estágio, temos uma resposta clara. No primeiro estágio, o que é verdadeiro é p. No segundo estágio, o que é verdadeiro é que é verdadeiro que p, etc.

A regressão do conceitualista divino é diferente. Tomemos o pensamento divino, t. Podemos perguntar qual é o conteúdo de t? Para evitar arbitrariedades, ela precisa insistir que ele tem a si mesmo como seu próprio conteúdo. Ela precisa introduzir t para desempenhar o papel de conteúdo, bem como de pensamento: t(t). Assim, nos foi dada uma resposta para o conteúdo da instância externa de t. Mas agora podemos perguntar qual é o conteúdo da instância interna de t? A única resposta pode ser uma iteração adicional do mesmo padrão: t(t(t)). Este processo claramente itera para sempre, mas, diferentemente da regressão benigna, não há um ponto em que obtenhamos uma resposta adequada para a questão do conteúdo da instância interna de t. Portanto, é vicioso.

Se isso estiver correto, qualquer violação da afirmação 1 inaugura uma regressão infinita viciosa. Assim, o conceitualista divino fica preso entre a arbitrariedade e a regressão viciosa.

Um movimento que Anderson e Welty poderiam fazer é dizer que os pensamentos divinos não são intencionais de forma alguma. Isso contornaria o dilema acima. No entanto, fazer isso enfraquece o argumento envolvendo a intencionalidade. Como Anderson e Welty fazem questão de apontar, a intencionalidade é "a marca do mental", que por sua vez os levou a pensar que as leis da lógica devem ser pensamentos. Mas se os pensamentos divinos não são intencionais, então perdemos nossa razão para argumentar que eles são pensamentos. A intencionalidade era a cola que os unia e, sem ela, eles se desfaziam.

Conclusão

Parece-nos que há alguns problemas com o argumento apresentado em O Senhor da Não-Contradição. Alguns deles talvez possam ser respondidos adequadamente, como aqueles relacionados às intuições sobre a impossibilidade da não-contradição. No entanto, o dilema do conceitualismo divino parece muito mais fundamental. Não vemos isso sendo resolvido com uma pequena revisão ou com uma explicação um pouco mais clara. É absolutamente fundamental para o projeto do conceitualismo divino e, parece-nos, de fato, um problema bastante sério.

 

Referências bibliográficas

Anderson, J., & Welty, G. (2011). The lord of non-contradiction. Philosophia Christi, 13(2), 321–338.

Brentano, F., (1995). Psychology from an empirical standpoint. In L. McAlister (ed.), Routledge.

Carnielli, W., & Coniglio, M.E. (2016). Paraconsistent logic: consistency, contradiction and negation. Springer.

Chisholm, R.M. (1957). Perceiving: a philosophical study. Cornell University Press.

Crane, T. (1998). ‘Intentionality as the mark of the mental’, inContemporary Issues in the Philosophy of Mind.Edited by Anthony O’Hear. Cambridge University Press, 229–253.

Dretske, F. (1990). The intentionality of cognitive states. In D. Rosenthal (ed.), The Nature of Mind, Oxford University Press.

Frege, G. (1956). The thought: a logical inquiry. Mind, 65(259), 289–311.

Priest, G. (2006). In contradiction. Oxford University Press.

Tanaka, K., Berto, F., Mares, E. (2012). Paraconsistency: logic and applications. Springer.



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