Tradução: David Ribeiro

Resumo

A reflexão filosófica sobre religião é tão antiga quanto as questões gregas sobre as histórias hebraicas. A filosofia feminista da religião é um desenvolvimento mais recente dentro da filosofia ocidental que levanta questões feministas sobre textos, tradições e práticas religiosas, frequentemente com o objetivo de criticar, redefinir ou reconstruir todo o campo à luz dos estudos de gênero. A filosofia feminista da religião é importante tanto para a filosofia feminista quanto para a não feminista por fornecer uma compreensão crítica de vários conceitos, crenças e rituais religiosos, bem como da religião como uma instituição cultural que define, sanciona e, às vezes, desafia papéis de gênero e representações influenciadas por gênero. É igualmente importante para a teoria feminista, que frequentemente negligencia o estudo acadêmico da religião, quanto para a filosofia analítica da religião, que raramente leva em consideração gênero, raça ou classe. Este artigo considera o trabalho de crítica e reconstrução, conforme se desenvolveu nas filosofias feministas da religião nas últimas décadas.

Na situação atual, a maioria dos praticantes da filosofia feminista da religião e da teologia feminista concorda que sua disciplina não pode ser limitada simplesmente a uma avaliação sociológica ou narrativa confessional do que um determinado grupo religioso acredita ser verdade, sem considerar a diferença que o gênero faz. Como a filosofia feminista da religião é filosófica, ela não pode tomar como primário nem o dado das escrituras que se acredita serem reveladas e autoautenticadas, nem o esforço autoprivilegiado das teologias intratextuais. Por ser filosofia da religião, um tema que abrange uma ampla gama de material transcultural, ela não pode se preocupar simplesmente com temas ou questões extraídos apenas da religião cristã. E, por ser feminista, deve promover a eliminação da desigualdade de gênero e levar em conta a multiplicidade de corpos humanos, desejos e diferenças que são mapeados no contexto da religião. Ao mesmo tempo, não pode presumir que a religião exista como um universal comum subjacente a todas as várias tradições; apenas religiões particulares existem, e até mesmo o próprio conceito de religião passou a ser reconhecido como um conceito moderno e ocidental.

 

1. Introdução

2. Crítica Feminista da Filosofia Tradicional da Religião

3. O Problema de Deus

3.1 Crítica Feminista do Teísmo Tradicional

3.2 De Imagens e Símbolos a Conceitos e Ontologia

4. Reconstruções Feministas da Transcendência

4.1 Uma Proposta Feminista de Processo

4.2 Projetando um Divino Feminino

5. Temas e Métodos Imanentais

5.1 Epistemologia do Ponto de Vista Feminista

5.2 Outras Perspectivas Psicanalíticas sobre o Simbólico Feminino

5.3 Subjetividade Corpórea

5.4 As Relações Interconectadas de Linguagem, Experiência, Poder e Discurso

5.5 Pragmatizando a Filosofia Feminista da Religião

6. Conclusão

Referências bibliográficas

1. Introdução

Até o momento, existe uma literatura muito mais ampla sob a rubrica de teologia feminista do que de filosofia feminista da religião. Quatro razões principais foram sugeridas para isso (Frankenberry & Thie 1994: 2–4). Primeiro, do século XVII ao século XIX, a perspectiva de homens brancos europeus dominou o período formativo da filosofia da religião a tal ponto que era difícil ver como as distorções dessa longa tradição poderiam ser superadas. Segundo, no século XX, uma vez que a filosofia da religião foi profissionalizada e fabricada dentro das faculdades de filosofia nas universidades, ela foi isolada tanto das antigas faculdades de teologia quanto das novas faculdades de estudos religiosos criadas nas décadas de 1960 e 1970; portanto, feministas interessadas em buscar um doutorado tiveram que escolher entre filosofia (onde a filosofia da religião não era considerada filosofia "real" durante a ascensão do movimento analítico) ou estudos religiosos/teologia que levavam as preocupações filosóficas a sério e, portanto, forneciam um local mais acolhedor para a teorização feminista sobre religião. Em terceiro lugar, muitas filósofas feministas nutriram desconfiança em relação à religião ou uma compreensão empobrecida dela, e, portanto, têm sido lentas em desenvolver um corpo acadêmico significativo nessa área. Em quarto lugar, o preconceito e a resistência arraigados ao feminismo na filosofia analítica da religião dominante, combinados com o mito de que seus métodos, normas e conteúdo são neutros em termos de gênero, têm impedido o reconhecimento da relevância de trabalhos que aparecem sob a rubrica de filosofia feminista da religião. A teologia feminista, por outro lado, floresce em um campo acadêmico que, por mais de quarenta anos, tem sido acolhedor para uma variedade de teologias da libertação, teologias da morte de deus, teologias ambientais, teologias pós-colonialistas e estudos queer. [1]

O amadurecimento da filosofia feminista da religião como um campo distinto da teologia feminista foi evidente no final do século XX. Isso pôde ser observado no surgimento de dois estudos em formato de livro: "A Feminist Philosophy of Religion: The Rationality and Myths of Religious Belief" (1998), de Pamela Anderson, e "Becoming Divine: Towards a Feminist Philosophy of Religion" (1999), de Grace Jantzen. Outra medida da vitalidade desse campo foi a publicação de coletâneas como "Feminist Interpretations of Mary Daly" (Hoagland & Frye, 2000), dedicada à avaliação de uma das autoras mais originais da área, e "Feminist Interpretations of Soren Kierkegaard" (Leon & Walsh, 1997), contendo análises críticas de filósofas feministas sobre o "pai do existencialismo religioso". Além disso, o Volume 1 do Manual de Filosofia Contemporânea da Religião de Kluwer (Long, 2000), uma importante obra de referência que abrange o período de 1900 a 2000, concluiu com um capítulo sobre a filosofia feminista da religião, representada por Mary Daly, Sally McFague, Luce Irigaray, Julia Kristeva, Pamela Anderson e Grace Jantzen. Por fim, uma antologia sobre Filosofia Feminista da Religião: Leituras Críticas (Anderson e Clack, 2004) expôs a abrangência metodológica do campo em termos de estruturas psicanalíticas, pós-estruturais, pós-metafísicas e epistemológicas, e forneceu abordagens especializadas de tópicos como divindade, corporificação, autonomia e espiritualidade, e prática religiosa.

Na segunda década do século XXI, novas coletâneas têm surgido com mais frequência, à medida que ensaios de feministas sobre a filosofia da religião se tornam disponíveis (ver Anderson, 2010; Alcoff e Caputo, 2011).

2. Crítica Feminista da Filosofia Tradicional da Religião

Para Elizabeth Cady Stanton, em 1885, era evidente que “a História mostra que a degradação moral da mulher se deve mais a superstições teológicas do que a todas as outras influências em conjunto” (1885: 389). Para Luce Irigaray, escrevendo cem anos depois, o devir das mulheres tinha como premissa o devir divino, pois

"Só Deus pode nos salvar, nos manter em segurança. O sentimento ou a experiência de uma existência positiva, objetiva e gloriosa, o sentimento de subjetividade, é essencial para nós. Assim como um Deus que nos ajuda e nos guia no caminho do devir, que acompanha nossos limites e infinitas possibilidades — como mulheres — que inspira nossos projetos." (1987 [1993b: 67])

Críticas contundentes como a de Stanton e reflexões reconstrutivas como a de Irigaray marcaram a filosofia feminista da religião com um conjunto complexo de relações com o tema da religião, bem como com a disciplina da filosofia. Na esteira de uma onda mundial de ressurgimento religioso no início do século XXI, muitas feministas ainda consideram o raciocínio de Stanton persuasivo: a Palavra de Deus é a palavra do homem, usada para manter as mulheres em sujeição e impedir sua emancipação. Para outras feministas, especialmente aquelas inseridas em diversas comunidades de fé e resistência, os esforços ginocêntricos para criar um espaço possível para algo "divino" têm um apelo considerável.

Como forma de crítica, a filosofia feminista da religião emprega a prática descrita por Jeffner Allen e Iris Marion Young (1989) de mostrar os limites de um modo de pensar, forjando uma consciência de ideias, símbolos e discursos alternativos e mais libertadores. A filosofia feminista da religião sugere maneiras pelas quais o gênero como categoria analítica e os estudos de gênero como corpo de conhecimento podem não apenas desafiar, mas também enriquecer e informar os pressupostos metodológicos e substantivos da filosofia da religião. Isso não significa que a hierarquia de gênero constitua uma categoria de análise simples ou exclusiva. Tampouco invoca necessariamente uma distinção entre gênero e sexo que permita que suposições naturalizadas sobre o corpo sexuado permaneçam inquestionáveis. Dadas as correntes entrelaçadas de classe, raça, etnia, idade, orientação sexual, capacidade e nacionalidade que moldam as complexas modalidades da experiência social, é improvável que gênero ou qualquer outro fator isolado seja suficiente como um ponto focal único ou unitário. Não se pode presumir que as mulheres falem em uma só voz ou compartilhem uma "experiência" uniforme. No entanto, o gênero constitui talvez o fator mais fundamental na criação da diferença humana e permanece entre os mais ignorados filosoficamente.

O preconceito de gênero, tal como operou na história da filosofia da religião, moldou as formas como os problemas e orientações tradicionais do campo foram construídos. Assim como o próprio fenômeno cultural da religião, a filosofia da religião não apenas se originou em uma tradição masculina de produção e transmissão, com um histórico de exclusão e desvalorização das mulheres, mas também foi definida por muitos conceitos e símbolos marcados como "masculinos", que se opunham àqueles marcados como "femininos". Além disso, diferentemente do fenômeno da religião, que estava inserido em múltiplos contextos culturais, a filosofia da religião era em grande parte eurocêntrica e anglo-americana em sua orientação, de modo que, além do preconceito de gênero, o etnocentrismo constituía a segunda maior fraqueza da história desse campo. Por muito tempo, a filosofia da religião foi escrita a partir de um ponto de vista não muito diferente daquele do Reverendo Thwackum, o personagem do romance Tom Jones, de Henry Fielding, que declarou:

"Quando menciono religião, refiro-me à religião cristã; e não apenas à religião cristã, mas também à religião protestante; e não apenas à religião protestante, mas também à Igreja da Inglaterra." (Fielding 1749: vol. 1, livro 3, cap. 3)

Se nem sempre a Igreja da Inglaterra, foi em grande parte o cristianismo protestante que foi confundido com "religião" no período moderno da filosofia da religião.

Imperturbável diante de duas deficiências tão graves — preconceito de gênero e etnocentrismo — a escola analítica anglo-americana dominante de filosofia da religião mostrou-se surpreendentemente saudável nas últimas décadas do século XX. Enquanto em meados do século XX a filosofia da religião era virtualmente definida pelos pressupostos e métodos do positivismo lógico e do empirismo, nos anos subsequentes, novas e tecnicamente rigorosas contribuições de filósofos religiosamente comprometidos começaram a animar antigos argumentos teístas. Após longas décadas de dormência, quando o positivismo lógico parecia produzir apenas conclusões negativas na filosofia da religião, ocorreu um ressurgimento do interesse pelo teísmo tradicional na filosofia da religião dominante. A lógica modal foi utilizada para formular uma versão mais perspicaz do argumento ontológico, modelos bayesianos de probabilidade deram novo fôlego às justificativas indutivas da crença religiosa, a teoria da escolha racional trouxe a aposta de Pascal de volta ao palco filosófico e a análise dos jogos de linguagem ofereceu uma justificativa prima facie da linguagem religiosa. Longe dos dias em que se questionava o que Atenas tinha a ver com Jerusalém, a filosofia e a religião pareciam ter entrado em um período de distensão como companheiras de armas. Do ponto de vista da crítica feminista, contudo, a filosofia analítica da religião falhou em abordar as questões colocadas pela investigação feminista ou em modificar os elementos androcêntricos do modelo teísta tradicional. Em vez disso, na obra de filósofos como Richard Swinburne, Alvin Plantinga e William Alston, a filosofia da religião foi empregada em defesa da coerência de uma forma padrão de monoteísmo ocidental, a serviço de uma concepção de "Deus" que era patriarcal e em defesa dos interesses pessoais de formas firmemente tradicionais de cristianismo.

Feministas argumentam que a filosofia da religião dificilmente pode ignorar questões de ideologia de gênero quando seu próprio tema — a religião — está permeado de misoginia e androcentrismo. Elas apontam que, historicamente, o preconceito de gênero na religião não tem sido acidental nem superficial. Elizabeth Johnson (1993) a compara a um continente soterrado cuja atração subaquática moldou toda a massa de terra visível; o preconceito androcêntrico distorceu maciçamente todos os aspectos do terreno e tornou invisível, inconsequente ou inexistente a experiência e a importância de metade da raça humana. Para filósofos que estudam os efeitos intelectuais e os sistemas de crenças das religiões, a oportunidade de criticar e corrigir construções sexistas e patriarcais nesse campo é tão ampla quanto urgente, dada a presença da ideologia de gênero em todas as religiões conhecidas. Nenhuma das religiões do mundo tem afirmado totalmente a personalidade das mulheres. Cada uma delas se conforma à definição de patriarcado de Heidi Hartmann como

"relações entre homens que têm uma base material e que, embora hierárquicas, estabelecem ou criam interdependência e solidariedade entre os homens, permitindo-lhes dominar as mulheres" (1981: 14).

Todas as literaturas sagradas do mundo demonstram uma ambivalência invariável em relação à questão das mulheres. Para cada texto que coloca a feminilidade bem domesticada em um pedestal religioso, outro anuncia que, se descontrolada, as mulheres são a raiz de todo o mal. A religião constitui, portanto, um espaço primário no qual e por meio do qual a hierarquia de gênero foi culturalmente articulada, reforçada e consolidada de forma institucionalizada. A religião dificilmente é o único espaço desse tipo, mas parece ter sido uma forma particularmente eficaz de sustentar e santificar a hierarquia de gênero no Ocidente.

Feministas acusam que o preconceito de gênero permeou a forma como a filosofia da religião tem sido escrita e influenciou a profissionalização do campo. Elas protestam contra uma série de falhas comuns: a escassez de autoras nos principais periódicos ou livros didáticos tradicionais; a quase completa ausência de atenção à filosofia feminista por parte de autores tradicionais, homens e mulheres; a monocromia e a autoria exclusivamente masculina das antologias tradicionais de leituras e conselhos editoriais. Elas observam que o uso da linguagem inclusiva foi notavelmente lento em encontrar seu caminho nas publicações acadêmicas e nos padrões conceituais desse campo. Ainda não é incomum encontrar artigos que discutem conceitos de justiça e equidade extensamente, usando o pronome masculino em toda a obra.

Lacunas mais complexas estão localizadas na seleção dos próprios tópicos, problemas e métodos que passaram a definir a filosofia da religião tradicional, entre eles o principal problema de Deus.

3. O Problema de Deus

A discussão do problema de Deus é um tema comum em todas as escolas de filosofia da religião. Por muito tempo um pilar que sustenta outras estruturas de governo patriarcal, o conceito de um Deus masculino foi julgado por todas as principais pensadoras feministas, incluindo Mary Daly, Rosemary Radford Ruether, Naomi Goldenberg, Daphne Hampson, Judith Plaskow, Julia Kristeva e Luce Irigaray, como humanamente opressor e, por parte dos crentes, religiosamente idólatra, de acordo com os termos de suas próprias teologias. Filósofas feministas da religião questionam por que um único conjunto de metáforas masculinas deveria ser absolutizado como se fosse extremamente adequado ao assunto. Críticas ao gesto literário de escritores que esperam evitar a linguagem sexista recorrendo a isenções retóricas, autoras feministas argumentam que não é persuasivo simplesmente declarar que o conceito de Deus transcende o gênero e, portanto, "ele" não é literalmente masculino, e então presumir que tudo pode continuar como antes. O problema é que, uma vez que o masculino é elevado ao nível do humano universal, além do gênero, somente o feminino carrega o fardo da diferença sexual.

3.1 Crítica Feminista do Teísmo Tradicional

Filósofas da religião, por vezes, marcam uma distinção entre a linguagem antropomórfica do mito e da piedade popular, por um lado, e as categorias conceituais e abstratas da filosofia, por outro, como se, ao retornarmos ao metanível da análise, deixássemos para trás a linguagem com influência de gênero. A filosofia feminista da religião aponta para todas as maneiras pelas quais o significante "Deus" permanece teimosamente marcado pelo gênero masculino no pensamento ocidental e subliminarmente imaginado como uma personagem masculina. Seja tomada como real ou irreal, inferida válida ou invalidamente, dita como vivenciada diretamente ou apenas projetada ilusoriamente, a identidade divina no teísmo e no ateísmo clássicos é inconfundivelmente masculina. Este Deus masculino supremo, governante, julgador e amoroso é imaginado como um sujeito único e absoluto, é chamado de Pai e é concebido como estando em uma relação de domínio hierárquico sobre o mundo. De maneiras implícitas e explícitas, essa construção tende, por sua vez, a justificar diversas estruturas sociais e políticas do patriarcado que exaltam patriarcas humanos solitários no topo de pirâmides de poder. Extraídos quase exclusivamente do mundo dos homens da classe dominante, os conceitos e imagens teístas tradicionais legitimam estruturas sociais e intelectuais que conferem um caráter teomórfico aos homens que governam e relegam mulheres, crianças e outros homens a áreas marginalizadas e subordinadas. As práticas discursivas que construíram o divino como masculino estão intimamente ligadas à produção de ideologias que desvalorizam tudo o que não é masculino; elas formaram um elemento constitutivo na opressão das mulheres e de outros "Outros".

A predominância de significantes masculinos para a divindade é apenas parte do problema do teísmo clássico. Como um prisma que refrata toda a luz circundante, a generificação de Deus distorceu a maneira como outros problemas da filosofia da religião foram tradicionalmente construídos. O problema da linguagem religiosa, por exemplo, é frequentemente formulado em termos do significado e do uso de metáforas e modelos, envolvendo questões de referência e verdade. Mas as metáforas e modelos empregados pelos principais filósofos da religião frequentemente exploram acriticamente padrões de relações intrinsecamente hierárquicos. Metáforas como pai, rei, senhor, noivo, marido e Deus-"Ele" passam despercebidas. Se um modelo ou metáfora feminina ocasional se intromete nesse círculo homossocial, é imediatamente remarcado. A introdução de pronomes femininos para Deus-"ela" produz risos nervosos na maioria das salas de aula.

No estudo dos chamados atributos divinos, nenhum tem recebido mais discussão na literatura do que a "onipotência", definida como uma versão de "poder perfeito". Tanto a conceituação da natureza desse poder quanto as descrições de seus efeitos incorporam o sexismo e o androsexismo. Nos estudos do século XX, a definição padrão de poder perfeito variava de "poder unilateral para efetuar qualquer estado de coisas concebível" à noção mais moderada de "poder autolimitante". Mas o tipo de poder em questão era, em princípio, de dominação, ou poder sobre, visto que tem sido persistentemente associado às características da masculinidade ideal. No século XI, Pedro Damião pôde citar com aprovação a passagem bíblica: “Ó Senhor, Rei Onipotente, todas as coisas estão sob o teu poder, e ninguém há que possa resistir à tua vontade”, argumentando, contra São Jerônimo, que a onipotência divina é capaz até mesmo de “fazer com que uma virgem seja restaurada após sua queda” (1065 [1969: 143). Como os dois heróis favoritos da filosofia moderna, o sujeito cognitivo cartesiano e a vontade autônoma kantiana, uma divindade onipotente reflete a imagem espelhada das qualidades masculinistas idealizadas, segundo as filósofas feministas da religião. Entre as escolas contemporâneas, apenas filósofos processuais da religião argumentaram explicitamente contra o atributo da onipotência, alegando que ele é conceitualmente incoerente, cientificamente supérfluo e moralmente ofensivo em sua associação do divino com o poder controlador masculino (ver, por exemplo, Cobb & Griffin 1976; Suchocki 1988; Howell 1988).

Argumentos filosóficos em favor do conceito de asseidade ou autossuficiência divina reforçam o desprezo característico pelas relações recíprocas de poder encontradas em outras expressões sociais e intelectuais do patriarcado. A existência divina é considerada completamente autossuficiente e soberana. Ela é o que é independentemente de toda e qualquer criatura, e suas relações com essas outras são apenas relações externas. Mas, de acordo com as críticas feministas, na ausência de relações internas ou constitutivas que afetem ou qualifiquem a asseidade divina, a relação real com as criaturas é descartada e uma glorificação unilateral da impassibilidade em relação à mudança regula o modelo de Deus e do mundo.

Os debates filosóficos sobre o tema da imortalidade também foram profundamente moldados por interesses androcêntricos — centrados na autoperpetuação e na sobrevivência individual, em vez da coletiva. Charlotte Perkins Gilman, indiscutivelmente uma precursora da filosofia feminista da religião, identificou uma importante diferença de gênero em His Religion and Hers (1923). A religião "baseada na morte", afirmou ela, questiona: "O que acontecerá comigo depois que eu morrer?" — um egoísmo póstumo. A isso, ela justapôs uma religião "baseada no nascimento", cuja questão principal é "O que deve ser feito pela criança que nasce?" — um altruísmo imediato. Muitas filósofas feministas contemporâneas da religião considerariam a antropologia de Gilman excessivamente simplista, mas sua ênfase sugestiva.

Uma crítica ainda mais profunda envolve a diferenciação dos níveis de viés e androcentrismo arraigados nas premissas, métodos e normas cruciais da filosofia tradicional da religião. Enraizadas em uma antiga visão de mundo dualista, cuja inadequação filosófica tem sido mais difícil de detectar até recentemente do que suas desigualdades sociais e legalistas, as categorias religiosas ocidentais têm sido inextricavelmente ligadas a uma certa exigência metafísica. A visão de mundo metafísica que outrora sustentava o dossel sagrado pode ter perdido muito de sua coerência para a mente moderna, juntamente com os argumentos dos escolásticos medievais de que marinheiros não podem beijar suas esposas em despedida aos domingos, ou carrascos vão para o céu, mas os dualismos associados a essa visão de mundo continuaram a assombrar a imaginação filosófica. Começando com a equação da filosofia grega do princípio masculino com mente, razão e ato, o princípio feminino foi associado à identificação contrastante em termos de matéria, corpo, paixão e potência. A história subsequente da filosofia ocidental, apesar das grandes mudanças conceituais, exibiu uma lógica e forma características. Assumindo a forma de oposição hierárquica, a lógica da estruturação binária opôs mutuamente elementos como mente e corpo, razão e paixão, objeto e sujeito, transcendental e empírico. Como argumentado por inúmeras filósofas feministas, essas oposições hierárquicas são tipicamente codificadas por gênero. Corpo, matéria, emoções, instintos e subjetividade são codificados como femininos, enquanto mente, razão, ciência e objetividade são codificadas como masculinas (ver Bordo 1987, Harding & Hintikka 1983, Irigaray 1977 [1985], Lloyd 1985). A ligação específica entre essa metafísica e as concepções ocidentais de Deus é uma complexa questão do ovo e da galinha. Certamente, é justo dizer que a helenização da teologia cristã a partir do século II d.C. sobrecarregou o teísmo clássico com valências filosóficas problemáticas. Mas o teísmo clássico, por sua vez, reforçou e sancionou a valorização filosófica da mente, da razão e do masculino em detrimento do corpo, da paixão e do feminino. Algumas feministas atribuiriam as raízes culturais dessa forma de pensar ao fenômeno da “alienação corporal masculina” que surgiu no ascetismo da Antiguidade Clássica Tardia (ver Ruether, 1983).

De qualquer forma, na medida em que o monoteísmo ocidental construiu o significado de “Deus” em relação ao “mundo” em torno de oposições binárias mente/corpo, razão/paixão e masculino/feminino, o teísmo tradicional permanece cúmplice do próprio sistema de construções de gênero e estruturas simbólicas que fundamentam a opressão das mulheres. Na oposição binária entre “Deus” e “mundo”, o termo “Deus” ocupa o espaço privilegiado e atua como o princípio central, Aquele que confere identidade às criaturas com as quais “Ele” mantém uma relação hierárquica. O pareamento oposicional Deus/mundo serviu, por sua vez, para organizar outras categorias, como céu e terra, sagrado e profano. A distinção generalizada entre sagrado e profano, empregada por muitos autores, já vem codificada com as oposições hierárquicas de masculino/feminino e masculino/feminino nas quais é mapeada, juntamente com os pares estruturalmente relacionados, branco/negro e heterossexual/homossexual. O primeiro termo em cada par é sacralizado, enquanto o segundo é tornado profano. Esse conjunto de temas pode ser rastreado em conexão com a obra clássica de Durkheim e Weber em suas teorizações sobre religião (Erickson, 1993).

A filosofia feminista contemporânea da religião também está ciente de que a relação entre estruturas simbólicas, por um lado, e construções de gênero, por outro, não pode ser especificada em termos de um único modelo explicativo. O poder das ordens simbólicas de invocar e reinscrever compreensões implícitas de gênero funciona de maneiras variadas e complexas, como demonstrado nos estudos de Bynum (1986), Fulkerson (1994) e Hollywood (1995, 2002). Como os símbolos religiosos são polissêmicos e multivalentes, eles possuem significados diferentes para pessoas diferentes em momentos diferentes. Nunca é uma simples questão de mera reflexão da ordem social dada. A relação entre sociedade e símbolo, ou entre psique e símbolo, é reconhecida como aberta. Relações de reversão ou inversão de estruturas sociais reais podem prevalecer, tornando arriscado para o intérprete postular uma única relação unidirecional de causa e efeito entre símbolo e contexto social. Como Bynum aponta, o significado não é tanto transmitido, mas sim apropriado “em um processo dialético pelo qual se torna realidade subjetiva para quem usa o símbolo”, permitindo a possibilidade de que “aqueles com diferentes experiências de gênero se apropriem de símbolos de maneiras diferentes” (1986: 9).

Conclui-se que nenhuma correlação necessária pode ser assumida entre culturas que adoram deusas e estruturas sociais igualitárias reais nas vidas de mulheres e homens dessa cultura. Da mesma forma, o Deus Pai masculino pode abrir uma gama de diferentes possibilidades interpretativas para mulheres e homens. De maneiras culturalmente específicas e historicamente instáveis, símbolos religiosos, mesmo do Deus Pai masculino, têm sido úteis para resistir e subverter a ordem social, não apenas refletindo-a e reforçando-a. À luz dessas considerações, a maioria das filósofas feministas das religiões considera arriscado generalizar entre culturas, tradições religiosas ou períodos históricos no que diz respeito às diferentes maneiras pelas quais homens e mulheres se apropriam ou constroem o simbolismo religioso.

3.2 De Imagens e Símbolos a Conceitos e Ontologia

Os filósofos da religião tradicionais até agora falharam em levar em conta explicitamente a dinâmica de gênero do pensamento religioso, mas, por quarenta anos, uma variedade de outros estudiosos, incluindo exegetas bíblicos, teólogos, eticistas e filósofas feministas da religião, produziram uma extraordinária explosão de pesquisas, resultando em teologias feministas, hermenêuticas críticas da suspeita e escritos de afirmação da mulher sobre espiritualidade. Nestes, o problema de Deus aparece como um ponto crucial de reconstrução.

A teóloga medieval Hildegard de Bingen esforçou-se para capturar sua visão do Espírito de Deus com uma cascata de imagens vívidas e uma mistura de metáforas. Conforme apresentado por Elizabeth Johnson na passagem a seguir, a visão de Hildegard abrangia muitos dos temas que aparecem nos escritos de escritoras feministas do século XX. O espírito divino, escreveu Hildegard, é a própria vida da vida de todas as criaturas; a maneira pela qual tudo é permeado por conectividade e relação; um fogo ardente que faísca, acende, inflama, incendeia corações; um guia na névoa; um bálsamo para feridas; uma serenidade radiante; uma fonte transbordante que se espalha por todos os lados.

"Ela é vida, movimento, cor, esplendor, quietude restauradora em meio ao barulho. Seu poder faz com que todos os galhos e almas murchas voltem a verdejar com o sumo da vida. Ela purifica, absolve, fortalece, cura, reúne os perplexos, busca os perdidos. Ela derrama o sumo da contrição nos corações endurecidos. Ela toca música na alma, sendo ela mesma a melodia de louvor e alegria. Ela desperta uma esperança poderosa, soprando por toda parte os ventos da renovação na criação." (paráfrase em Johnson 1992: 127-128)

Este, para Hildegard, no século XII, é o mistério do Deus em quem os humanos vivem, se movem e têm seu ser.

Oito séculos depois, Paula Gunn Allen escreveu em linguagem igualmente provocativa sobre o espírito que permeia seus povos Laguna Pueblo/Sioux:

"Há um espírito que permeia tudo, que é capaz de canções poderosas e movimentos radiantes, e que entra e sai da mente. As cores desse espírito são multitudinárias, um arco-íris brilhante e pulsante. Velha Mulher-Aranha é um nome para esse espírito quintessencial, e Mulher-Serpente é outro... e o que elas juntas criaram se chama Criação, Terra, criaturas, plantas e luz." (1986: 22)

Na conhecida peça de Ntozake Shange, uma mulher negra alta se ergueu do desespero e gritou: "Encontrei Deus em mim e a amei, amei-a intensamente" (1976: 63).

Em um trecho frequentemente citado em A Cor Púrpura, Alice Walker expressou uma nota semelhante quando Shug relatou a Celie a epifania que a atingiu quando aprendeu a tirar o velho homem branco do globo ocular:

"Isso? Eu perguntei.

É, Isso. Deus não é ele ou ela, mas sim Isso.

Mas com o que se parece? Eu perguntei.

Não se parece com nada, ela disse. Não é um filme. Não é algo que você possa olhar separadamente de qualquer outra coisa, incluindo você mesmo. Eu acredito que Deus é tudo, diz Shug.

Tudo o que é ou será. E quando você consegue sentir isso, e fica feliz em sentir isso, você O encontrou" (1982: 177-178).

Em construções teológicas, Rosemary Ruether (1983 [1993]) trabalhou com o símbolo escrito impronunciável "Deusa" para conotar a "matriz abrangente do nosso ser" que transcende as limitações patriarcais e sinaliza a experiência redentora tanto para mulheres quanto para homens. Modelando Deus para uma era nuclear, Sallie McFague (1987) experimentou metáforas de Deus como Mãe, Amante e Amiga do mundo, com o mundo concebido como o próprio corpo de Deus. Correlacionando a noção de poder do ser de Paul Tillich com o empoderamento que as mulheres conhecem ao se libertarem do patriarcado, a jovem Mary Daly (1973 [1985]) postulou Deus como "Verbo", um processo dinâmico de devir que energiza todas as coisas. Utilizando as categorias da filosofia processual, Marjorie Suchocki (1982, 1988) conferiu nova ressonância ao significado das metáforas de Whitehead sobre Deus como "a atração pelo sentimento", cujo "poder de persuasão" visa efetivar a justiça e a paz. Confundindo as linhas entre experiências psicológicas, somáticas e religiosas, Ruether (1983 [1993]) projetou uma imagem do "divino feminino" fundamentada na morfologia dos corpos femininos em toda a sua multiplicidade e fluidez.

Em todos esses casos, as articulações feministas contemporâneas de uma relação entre Deus e o mundo, ou Deus e a subjetividade feminina, retratam o divino como contínuo com o mundo, em vez de radicalmente transcendente ontológica ou metafisicamente. A transcendência divina é vista como consistindo ou na imanência total ou em alguma dialética entre transcendência horizontal e imanência.

Mas imagens e metáforas não são conceitos filosóficos, e o alcance de referência do "divino" como aparece nestes e em outros escritos feministas nem sempre é claro. Enquanto teólogos frequentemente se contentam em trabalhar imaginativamente com símbolos, imagens e metáforas, sem levar em conta a questão do que os símbolos simbolizam, filósofos da religião normalmente buscam mais precisão e esclarecimento conceitual.

4. Reconstruções Feministas da Transcendência

4.1 Uma Proposta Feminista de Processo

Sobre a questão do significado e da referência da fala sobre Deus, duas escolas contemporâneas de filosofia da religião se destacam como recursos aparentes para a reconstrução feminista. Tanto (1) a tradição que emprega a ontologia clássica do ser, que se estende de Tomás de Aquino a Paul Tillich e à jovem Mary Daly, quanto (2) a tradição que emprega uma ontologia do devir, que se estende de Alfred North Whitehead a Charles Hartshorne, John Cobb Jr., David Griffin, Marjorie Suchocki e Catherine Keller, oferecem esquemas conceituais sistemáticos para explicar as metáforas que aparecem em vários escritos contemporâneos a respeito do "divino" e de qualquer uma de suas variantes, como "o sagrado", "espírito", "Deus", "transcendência" ou "poder superior". Ambas as tradições podem ser modificadas, além disso, de acordo com as qualificações sugeridas nesta seção. Eles podem então ser entendidos como convergindo em um único modelo conceitual, traduzido como "criatividade" no sistema de Whitehead e como "ser" (esse) no de Tomás de Aquino. Esse modelo pode ser visto como uma maneira coerente de reconciliar as narrativas whiteheadiana e tomista, ao mesmo tempo em que fornece uma alternativa conceitual às imagens antropomórficas de Deus como Pai Amoroso, Monarca Cósmico, Criador e Interveniente, e assim por diante.

A escola de pensamento conhecida como filosofia do processo reescreve a filosofia da religião em um modo radicalmente revisionista que enfatiza a evolução, a conexão organísmica e a primazia do devir. Seu teísmo é denominado "panenteísmo", ou tudo em Deus. Os filósofos processuais da religião foram proeminentes entre aqueles que trabalharam no século XX para construir uma filosofia coerente de Deus que também fosse consistente com a cosmologia científica e a teoria evolucionista. Eles produziram, além disso, um modelo relativamente livre de sexismo e androcentrismo. Os valores subjacentes da cosmovisão do processo são orgânicos, relacionais, dinâmicos e corporificados. A elaboração de Whitehead da ideia de que “é tão verdadeiro dizer que Deus cria o Mundo quanto que o Mundo cria Deus” (1929 [1978: 348]) antecipou os temas de inter-relação e condicionamento mútuo que a filosofia feminista desenvolveu de múltiplas maneiras nas últimas décadas.

No paradigma do processo, tudo surge pela apreensão ou “apreensão” de coisas previamente atualizadas para integrá-las a uma nova coisa atualizada, o seu próprio eu. Suplantando a ideia da filosofia da substância de que é necessário um agente para agir, a filosofia do processo propõe um modelo segundo o qual os agentes são resultados de atos e os sujeitos são constituídos a partir de relações. Em todo o universo, tanto em níveis macrocósmicos quanto microcósmicos, unidades quânticas de devir alcançam uma unidade momentânea a partir de uma dada multiplicidade, em um ritmo interminável de processo criativo, pelo qual “os muitos se tornam um e são aumentados em um” (1929 [1978: 21]).

A criatividade em cada ocasião é espontânea, a marca da atualidade, e livre, dentro dos limites determinados por suas causas antecedentes. A criatividade unifica qualquer multiplicidade e cria uma nova perspectiva unificadora que então se torna uma entre as muitas. Em uma ontologia de processo, a criatividade é a realidade última, não no sentido de algo mais último por trás, acima ou além da realidade, mas no sentido de algo em última análise descritivo de toda a realidade, ou o que o biólogo Charles Birch e o teólogo John B. Cobb Jr. chamaram de "o Processo da Vida" (1982). Como categoria, a criatividade é o "último dos últimos", nas palavras de Whitehead, mas, como tal, é uma abstração, o caráter formal de qualquer ocasião real. A criatividade como concreta, no entanto, significa um dinamismo que é a própria atualidade das coisas, seu ato de estar lá. Tudo existe em virtude da criatividade, mas a criatividade não é qualquer coisa, de acordo com as filósofas feministas da religião do processo.

A ideia de que a categoria do divino ou da transcendência pode ser correlacionada com a categoria da criatividade na filosofia de Whitehead marca um afastamento da própria noção de Deus de Whitehead como uma entidade real em processo de devir, ao mesmo tempo em que se une à tradição tomista, que empregou a linguagem do ser, em vez do devir, para explicitar o significado do divino. Em sua síntese medieval clássica em Tomás de Aquino, essa tradição conceituou o divino como ipsum esse e sustentou que, em Deus, essência e existência são uma só; isto é, a própria natureza de Deus é esse, ser. Tudo o que existe era pensado como tal por meio da participação no ser divino, ou no próprio ser. Para Tomás de Aquino e os pensadores clássicos, o ser já estava concretizado em uma única fonte supremamente real. É essa suposição crucial, argumentou Frankenberry, que sofre modificações na mudança de uma metafísica da substância para uma na qual as categorias processual-relacionais são tomadas como últimas (1993). O resultado é radical. Dessubstancializado e liberto da fixidez estática na metafísica neoescolástica, o ser significa a fonte e o poder de tudo o que existe. Dinamizado e pluralizado de acordo com o paradigma do processo, o ser não repousa em uma fonte originária antecedente a todo evento; em vez disso, constitui o próprio ato de ser, de viver, de existir no momento presente como um novo emergindo de muitos antecedentes. Como tal, o ser ou a criatividade são inerentemente relacionais e processuais. São imanentes a cada evento momentâneo como sua potência espontânea; e também transcendentes a esse evento de devir, no sentido de que nunca se esgotam nas formas em que se encontram, mas são sempre potencialmente um "mais" que "ainda não" se atualizou. Enquanto o ser, como a criatividade, não for interpretado como algo que um ser possui, mas sim como o que significa ser, a longa identificação de Deus com o ser no pensamento ocidental pode ser entendida como apontando para a pura vivência ou aquilo que energiza todas as coisas a existir. Embora não seja nada particular por si só, o ser é a própria realidade das coisas, o seu ato de existir. Contudo, o Ser em si não deve ser interpretado como um ser particular, descartando assim o antropomorfismo do teísmo pictórico. Tampouco é a soma de todos os seres, descartando assim a simples agregação ou totalidade. Não é uma propriedade das coisas, nem uma qualidade acidental, nem uma substância, nem uma classe de coisas. Em vez disso, o símbolo religioso "Deus" pode ser entendido como pertencente ao fundamento criativo de tudo o que é — aquilo que energiza todas as coisas — concebido como dinâmico, imanente e plural.

Os conceitos filosóficos de criatividade (como explicados por Whitehead) e de esse (como explicado dinamicamente) são úteis para qualquer filosofia feminista da religião que busque interpretar o significado de "realidade divina", "mistério sagrado", "espírito fortalecedor" e uma variedade de outras metáforas e símbolos que abundam na teologia feminista. O conceito de Deus como esse refere-se à realidade absoluta das coisas, um ato comum a todas as coisas. Dinâmico e vivo, o ser-é ainda elusivo. Significa a realidade momento a momento em virtude da qual tudo existe, um processo que a categoria de criatividade de Whitehead descreve como a multiplicidade se tornando uma, e como algo que se torna um, e se multiplica por um. O ser-é não é mais real ou unitário do que os seres, assim como a criatividade na filosofia do processo só é real em virtude de seus acidentes. Como modelo para o trabalho feminista, essa noção de transcendência está dialeticamente relacionada à imanência, nem dissolvida nela como idêntica, nem divorciada dela como totalmente outra.

4.2 Projetando um Divino Feminino

Uma alternativa distinta ao exposto acima aparece nas filosofias feministas da religião de Luce Irigaray e Mary Daly. Ambas buscam projetar um “divino feminino” que seria totalmente imanente em e para o Eu feminino (com letra maiúscula por Daly) e proporcionaria o que Irigaray chama de “transcendental sensível”. As diferentes estratégias retóricas e contextos culturais dessas duas filósofas ginocêntricas às vezes ocultam a similaridade de suas filosofias da religião. Ambos argumentam que Deus Pai é uma projeção idealizada da identidade masculina e que o processo de as mulheres se tornarem divinas é imperativo. Para Daly, a “centelha divina” dentro do Eu feminino é o lastro ontológico necessário ao movimento feminista; similarmente, para Irigaray, a criação de um “divino feminino” é uma condição da subjetividade feminina. Tanto Daly quanto Irigaray defendem nada menos do que uma reviravolta da ordem simbólica e da própria linguagem. Ambas são, antes de tudo, filósofas das paixões, buscando abranger os elementos terra, ar, fogo e água em suas visões. Cada uma, à sua maneira, ajudou a forjar um consenso feminista radical de que a espiritualidade deve ser exaltada acima da doutrina e que as concepções patriarcais de Deus como qualquer tipo de realidade objetiva devem ser desconstruídas para que a subjetividade feminina se torne mais expansiva e livre. Ambas rejeitam as mudanças reformistas na filosofia da religião, considerando-as inscritas em uma economia falocêntrica que evoca um deus cujo amor abnegado só é acessível por meio de pais e filhos e seus representantes. Ao teorizar a religião, ambas adotam uma teoria da projeção, classicamente enraizada na afirmação de Feuerbach de que "teologia é antropologia" e "Deus" uma projeção feita à imagem do "homem". No entanto, longe de relegar a religião à categoria de ilusão, cada uma delas lança um convite ao "faz de conta".

4.2.1 No Contexto Americano

A jovem Daly elaborou uma filosofia da religião amplamente consonante com a posição citada em 4.1 acima, conforme encontrada em seu livro Além de Deus Pai: Rumo a uma Filosofia da Libertação das Mulheres (1973 [1985]). A realidade última é conceituada não apenas como Verbo, expresso no particípio presente “Ser-ing”, mas como um “Verbo intransitivo” do qual todo ser participa (Daly 1973 [1985]: 34; 1978: 23; 1984: 423). Nesses termos, Daly fornece uma análise ontológica do impulso para a transcendência, ou participação no ser-ing. Aqui, o impulso para a transcendência é elevado à escala cósmica, e a

 visão de paz, justiça e harmonia ecológica que Daly projeta guarda uma estreita semelhança com textos bíblicos proféticos. “Quintessência” expressa outra metáfora para o ser-ing no qual vivemos, amamos, criamos, somos. Daly afirma que a Quintessência

"é aquilo que foi utilizado em meus escritos e buscas. A busca pela Quintessência é a resposta mais desesperada que conheço ao chamado da Natureza. Significa lançar a própria vida o mais longe possível." (1998: 4)

Ela analisa a Quintessência como a essência mais elevada, acima dos quatro elementos: fogo, ar, água e terra; é o que permeia toda a natureza, o Espírito que dá vida e vitalidade a todo o universo. Embora possa ser bloqueada ou parcialmente destruída pela violência e pornografia, pobreza, racismo, exploração médica e científica e pela ameaça de destruição ecológica e nuclear, sua aparente invencibilidade confere uma importante medida de transcendência.

A trilogia posterior de Daly desenvolveu uma teoria modificada e mais imanente do divino, começando com Gyn/Ecology: The Metaethics of Radical Feminism (1978), continuando com Pure Lust: Elemental Feminist Philosophy (1984) e a maior parte de Quintessence—Realizing the Archaic Future (1998). Aqui, a dialética se desloca sutilmente do equilíbrio anterior mantido entre imanência e transcendência, e pende em favor de um divino puramente imanente ao Eu feminino. Em vez de ser o meio divino em que o eu vive, o divino só está vivo dentro do eu. Em Gyn Ecology, a ênfase está no poder de "extrair" significado dos próprios orbes divinos das mulheres e de encontrar o poder do ser dentro de si. Na época de Pure Lust, Daly modificou ainda mais o "poder do ser" para os "Poderes do Ser" pluralizados, um movimento que resolve o problema do um e dos muitos em favor dos muitos. Dada a ideologia separatista de Daly, o "divino" em questão só pode ser totalmente encarnado nos "muitos" Eus divinos femininos. A ênfase ginocêntrica dos escritos posteriores de Daly a abrirá para as mesmas questões críticas levantadas sobre os escritos de Irigaray, centrados na mulher. Será que eles conseguem fazer justiça às diferenças que figuram nas discussões sobre raça, classe, origens étnicas e assim por diante? Será que eles reinstalam a diferença sexual com antigos estereótipos intactos, aprisionando as mulheres mais uma vez dentro dos parâmetros de sua sexualidade e fisicalidade? Terão romantizado a diferença em vez de teorizá-la?

A intenção de Daly era criar um mito transcultural, ou seja, metapatriarcal, mas seu pensamento era profundamente influenciado por uma corrente específica da tradição intelectual ocidental. Usando as palavras do marxista Ernst Bloch, poderíamos chamar essa corrente de "prometeísmo revolucionário" (Block 1956-1959 [1986] passim). Ela remonta pelo menos ao logos spermatikos estoico, a "semente" que liga cada pessoa à razão divina. Está intimamente ligada à fala do místico medieval sobre uma "scintilla animae", a "centelha da alma", frequentemente ecoada nos livros de Daly (por exemplo, 1978: 183: "a centelha divina do ser nas mulheres"). Mestre Eckhart poderia escrever:

"Eu disse que às vezes há um poder na alma que é o único que é livre... Ela é livre de todos os nomes e totalmente desimpedida, desimpedida e livre de todos os modos, assim como Deus é livre e desimpedido em Si mesmo." (c. 1300 [1957: 137, conforme citado em Pietsch 1979])

Para o místico medieval radical como Eckhart, o conhecimento revelado na experiência dessa centelha divina é totalmente autoautenticador. Portanto, não precisa ser submetido ao julgamento de uma igreja institucional. Daly também escreve: "ela sabe que só ela pode julgar a si mesma" (1978: 378). Também importante nessa linha de pensamento é o tema da desapropriação/retomada do verdadeiro eu divino. É um tema poderoso em Hegel (que foi influenciado pelo misticismo medieval) e em Feuerbach, e também permeia a filosofia da religião de Daly. Hegel condena os seres humanos que se deixam “roubar da liberdade, do seu espírito, do seu elemento eterno e absoluto” (1795 [1948: 162]) e que então “voam para a divindade” (1795 [1948: 163]). Ele insiste que agora (por volta de 1800) é o momento para as pessoas “retomarem os tesouros outrora esbanjados no céu” (1795 [1948: 159]). Feuerbach retoma esse mesmo motivo e o torna o tema dominante de toda a sua crítica à religião. Daly se refere à “energia feminina roubada” (1978: 367), à “nossa divindade original roubada” (1978: 41) e instauração à retomada. Ela não diz o que isso deixa para os homens, que têm vivido às custas das mulheres, as “geradoras de energia” (1978: 319). Por fim, juntamente com Feuerbach, Daly diz simplesmente “nós somos divindade”.

A filosofia da religião de Daly foi inserida no mito prometeico, mas ela também acrescentou uma contribuição original. Ela a expandiu explicitamente para incluir mulheres. Em seguida, realizou uma inversão e a restringiu às mulheres — embora essa inversão também tenha raízes profundas na tradição ocidental, especificamente no apocalipticismo iraniano e bíblico. Daly transmite a impressão de que apenas algumas mulheres são capazes de empreender a “Jornada” (1978) ou de alcançar a “Quintessência” (1998). Isso não se deve ao fato de ela ser pessimista em relação ao Eu feminino, que possui “potencialidades únicas e incomensuráveis” (1978: 382), mas porque era extremamente sensível ao poder do mal, isto é, ao poder do patriarcado masculino de cooptar mulheres com sucesso. Ao mesmo tempo, Daly podia ser extremamente otimista em relação às mulheres que escapam do poder masculino e começam a buscar e a tecer. Estes encontrarão a “fonte real”, o “fundo profundo”, o “poder do ser do eu”, o “Eu Selvagem”, e se transformarão em um “novo tempo/espaço”, uma “nova criação”, e vislumbrarão um “Paraíso que está além das fronteiras do paraíso patriarcal” (1978: 13, 24, 49, 283, 423).

4.2.2 No Contexto Continental

Mais do que Daly, os escritos de Luce Irigaray provaram ser um estímulo provocativo para várias filósofas feministas da religião (Anderson 1998; Deutscher 1994, 1997; Hollywood 1994, 1998; Jantzen 1999). Filósofa e psicanalista, Irigaray visa recuperar o feminino reprimido. Seus principais temas são (1) o “transcendental sensível”, que desempenha uma função semelhante ao “infinito finito” de Derrida; (2) a diferença sexual como paradigmática da diferença em si mesma; e (3) a divindade e a espiritualidade como requisitos feministas significativos para fundamentar a subjetividade feminina. Irigaray conceitua o divino feminino como um “transcendental sensível” que é tanto carne quanto palavra (Irigaray 1984 [1993a: 115, 129]). Invertendo a doutrina tradicional da encarnação, ela fala de carne feita palavra em vez de palavra feita carne.

“Mas se o Verbo se fez carne dessa maneira, e nessa medida, só pode ter sido para me fazer (tornar-me) Deus em meu prazer, que pode finalmente ser reconhecido.” (1977 [1985: 199-200])

Talvez a melhor maneira de ler a noção de "transcendental sensível" de Irigaray seja em termos da descrição de Mary Daly sobre seu próprio projeto: "A filosofia aqui desenvolvida", explicou Daly, "é tanto material/física quanto espiritual, consertando/transcendendo essa dicotomia enganosa" (1984: 7). Imaginando tanto a diferença sexual quanto a alteridade divina, Irigaray cunha o transcendental sensível para superar a divisão entre transcendência (mente ou espírito) e sensibilidade (corpo). Ao contrário de Daly, no entanto, Irigaray argumenta que um relacionamento espiritual entre mulheres e homens, entendido como transmissão progressiva de energia, pode permitir a harmonização das dimensões humana e divina, separadas sob distorções patriarcais. Um amor que acolhe a diferença será capaz de reconhecer o outro como transcendente ao eu. Cada parceiro terá acesso à sua própria divinização.

Em “Mulheres Divinas” (1993b [publicado pela primeira vez em 1987]) e “A Crença em Si” (1993b [apresentado pela primeira vez em 1980]), a abordagem de Irigaray ao tema da divindade é profundamente imanente, em comparação com a teologia e a filosofia da religião tradicionais, mesmo que seu interesse pareça concentrado no significado da transcendência (das mulheres). Sua reconstrução requer dois movimentos dialéticos. Primeiro, ela deve anular a alteridade radical do Deus Totalmente Outro, argumentando que este é um deus produzido por e para o imaginário masculino e, portanto, inadequado ao devir das mulheres. Segundo, ela deve elevar a “mulher” ao status do divino, negando a visão de Simone de Beauvoir de que a mulher permanece sempre dentro da dimensão da imanência, incapaz de transcendência. Mediada por um "deus de seu sexo", o devir (divino) da mulher é, portanto, possível e, por sua vez, torna possível, pela primeira vez, uma ética que define uma relação genuína entre dois sujeitos, masculino e feminino, que não apenas diferem, mas diferem de forma diferente. Em última análise, por "divino" Irigaray entende a própria "diferença sexual", isto é, uma nova forma de relação ética que pode existir entre mulheres e homens, ou, por extensão, entre mulheres e quaisquer outros, uma vez que as mulheres tenham alcançado sua própria subjetividade.

Despojada de seu antropocentrismo, a filosofia da religião de Irigaray evoca a dupla ambição da filosofia da religião de Feuerbach em 1841: elevar o "homem" ao nível de "Deus" para revelar a verdadeira essência do ser genérico; e dissolver "Deus" na essência humana de forma mais inequívoca do que Hegel, que não antropologizou completamente o divino. Sua relação com Feuerbach (e Hegel) é evidente em sua descrição do transcendental sensível como marca da materialidade fundamental do espírito. Os debates sobre o possível "essencialismo" e "utopismo" de Irigaray também evocam a crítica de Marx ao "ser-espécie" de Feuerbach e as repetidas acusações sobre a qualidade utópica da própria ideia de Marx de humanidade inalienável. Algumas feministas refutam a acusação utópica encontrando nas reflexões de Irigaray sobre o elemento ar na obra de Heidegger um exemplo tangível de materialidade que transcende as limitações da corporeidade sem ser menos material (Armour, 2003). Outras interpretam a noção de Irigaray de um transcendental sensível como dependente demais de modelos ocidentais de autonomia e autodeterminação (M. Keller, 2003). Recentemente, as explorações de Irigaray sobre o significado do espírito/sopro como a força elementar da vida a colocaram em contato com tradições religiosas orientais, como o hinduísmo (Irigaray, 1999 [2002]). Uma questão importante que algumas feministas levantaram sobre o "divino feminino" é se a linguagem da transcendência pode ser mantida plausivelmente como uma investigação poética quando o objeto da crença é assumido como irreal. A análise de Amy Hollywood revela por que a aceitação de uma teoria feuerbachiana de projeção da religião, na qual Deus é a projeção dos desejos, atributos e vontades humanas, complica qualquer esforço para construir um novo "divino feminino". A crença funciona, diz Hollywood, apenas enquanto a dinâmica subjacente que a fundamenta permanecer oculta.

"O que Irigaray parece esquecer é a afirmação central de Feuerbach (e os fundamentos de sua esperança de que o domínio da religião possa ser quebrado): para que a projeção religiosa funcione, seu mecanismo deve ser ocultado para que seu objeto possa inspirar crença." (Hollywood 1994: 175)

Irigaray reconhece que a "exposição" desse mecanismo não destruiu a religião para muitos e, portanto, afirma a importância de projeções adequadas. Mas como tal projeção é possível ou significativa para aqueles, como a própria Irigaray, que assumem que o objeto da crença é irreal? Se Irigaray mantém um referente humano feuerbachiano para sua própria projeção do discurso religioso em termos de representações femininas do divino, o divino feminino também parece facilitar sua própria destruição. Que possibilidades isso deixa para a transcendência feminina? A crença pode ser simultaneamente postulada e desconstruída? A forte subjetividade feminina criada em e por uma mística como Teresa de Ávila pode se tornar disponível para as mulheres sem a aceitação, por Teresa, de um Outro transcendente que é o divino (Hollywood 1994: 176)? Como a transcendência para Irigaray está associada ao "masculino" e a uma economia sacrificial, não está claro como se espera que as mulheres reivindiquem a nova subjetividade que ela acredita que a religião, reconstituída, pode oferecer. Pode ser que a própria Irigaray seja ambivalente em relação à crença e à transcendência, o que a leva "imediatamente a desconstruir as próprias divindades que invoca" (1994: 176). Pode ser ainda que o projeto ginocêntrico na filosofia da religião crie tensões distintas, levando até mesmo críticos simpáticos a questionarem: "até que ponto o imanente pode ser reinscrito como o lugar da transcendência sem retornar à lógica do sacrifício e do sofrimento corporal aparentemente endêmica às teologias encarnacionais do cristianismo" (Hollywood, 1994: 177).

Há também a questão relacionada de "se a crença pode ser mimetizada sem reinscrever as mulheres em uma lógica do mesmo, como aquela que Irigaray vê subjacente ao cristianismo" (Hollywood, 1994: 177).

Irigaray pode ser interpretada como alguém que se esforça para criar uma linguagem religiosa que não leve nem ao teísmo nem ao ateísmo, mas sim a uma dialética de imanência e transcendência que não pressupõe, de forma alguma, um "objeto de crença" ao longo de linhas hierárquicas de verticalidade (ver Hollywood, 2002: cap. 7). Em comparação com as narrativas teológicas tradicionais de tal dialética, no entanto, a ênfase da filosofia da religião de Irigaray está voltada para a afirmação da imanência, em vez de para a fuga da finitude, da corporeidade e da materialidade. O divino encontra-se no espaço entre dois seres (humanos) que se encontram face a face no reconhecimento da diferença sexual. A transcendência para as mulheres depende da possibilidade dessa imanentização radical e relacional do significado da divindade.

5. Temas e Métodos Imanentais

Enquanto filosofias revisionistas e despatriarcalizadas de Deus continuam a envolver algumas filósofas feministas da religião, outras estão dispostas a ver até mesmo esse tópico deixar de ser o centro das atenções. À medida que novas ondas de historicismo e antiessencialismo se registram entre a geração de filósofos pós-analíticos da religião, a insatisfação com os tópicos tradicionais começou a se desenvolver. Tradicionalmente, para filósofas não feministas, a tendência de assimilar questões sobre religião a questões sobre "crença na existência de Deus" levou a uma ladeira escorregadia que transformou a reflexão filosófica sobre religião em reflexão sobre a existência de Deus, a racionalidade da crença, a validade das provas e a coerência dos atributos divinos. Este slide era historicamente compreensível em termos da influência da teologia natural na filosofia da religião no Ocidente, mas a verdadeira questão, como observado por Michael McGhee, “é se tais preocupações devem permanecer centrais para a filosofia da religião e, em caso negativo, o que deve substituí-las” (1992: 1). Esta seção apresenta diversas direções emergentes que sinalizam as novas preocupações das filósofas feministas da religião.

5.1 Epistemologia do Ponto de Vista Feminista

Questões epistemológicas constituem uma parte importante da agenda das filosofias feministas da religião. Qual é o status do conhecimento em várias tradições religiosas? O que é valorizado como algo que vale a pena conhecer? Quais são os critérios evocados? Quem tem a autoridade para estabelecer o significado religioso? O significado religioso é algo distinto ou independente dos significados linguísticos comuns das palavras? Quem é o sujeito presumido da crença religiosa? Como a posição social do sujeito afeta o conteúdo da crença religiosa? Qual é o impacto do corpo sexuado do sujeito sobre a vida religiosa? O que aprendemos ao examinar as relações entre poder, por um lado, e o que conta como evidência, fundamentos, modos de discurso, formas de apreensão e transmissão, por outro? Tendo em vista a íntima conexão entre poder/conhecimento, como lidamos com a inevitável oclusão que acompanha toda a produção de conhecimento? Quais processos específicos constituem o sujeito cultural normativo como masculino em suas dimensões filosófica e religiosa?

A obra da filósofa feminista da religião, Pamela Sue Anderson, oferece um bom exemplo da abordagem da teoria do ponto de vista feminista à religião e ao gênero, sem qualquer lealdade ao cristianismo. No primeiro estudo em formato de livro entitulado "Uma Filosofia Feminista da Religião" (1998), Anderson propôs-se a revisar e reformar a filosofia da religião utilizando a epistemologia do ponto de vista feminista, conforme desenvolvida por Sandra Harding na filosofia da ciência. Um ponto de vista feminista não é o mesmo que as experiências, a situação ou a perspectiva de uma mulher, mas sim a conquista de uma perspectiva epistemicamente informada, resultante da luta por ou em nome de mulheres e homens que foram dominados, explorados ou oprimidos. Aplicada à filosofia da religião, a epistemologia feminista de ponto de vista envolve pensar a partir da perspectiva de mulheres que foram oprimidas por crenças religiosas monoteístas específicas. Anderson desafia tanto o modelo privilegiado de Deus como uma pessoa desencarnada quanto o modelo correlato de razão como neutra, objetiva e livre de preconceitos e desejos. Criar novos mitos ou elaborar novas concepções de uma realidade divina não faz parte dessa agenda. Existe apenas o duplo imperativo: "pensar a partir da vida dos outros" e "reinventar-nos como outros".

No entanto, a compreensão adequada das crenças religiosas de pessoas encarnadas, segundo Anderson, requer uma análise mais profunda dos múltiplos entrelaçamentos entre razão e desejo do que a filosofia da religião normalmente demonstra.

Mas como as feministas devem falar sobre o conteúdo material do desejo feminino? Justamente neste ponto, a epistemologia feminista de ponto de vista cede lugar a insights pós-estruturalistas, e Anderson encontra na obra de Irigaray, Kristeva e bell hooks temas que estão ausentes na epistemologia dominante e em parte da epistemologia feminista. Ela articula sua filosofia da religião em torno do "anseio" como um ato cognitivo de uma memória criativa e justa. Conforme utilizado por Bell Hooks (1990), o anseio é um ato positivo que motiva a luta na busca por justiça pessoal e comunitária. Ele molda uma espiritualidade. Segundo Anderson, o anseio é a realidade vital da vida humana que dá origem à crença religiosa. Portanto, a análise filosófica e a preocupação feminista com a razão, combinadas com o desejo, como encontradas em expressões de anseio pela verdade, sejam elas epistemológicas, éticas (justiça) ou estéticas (amor ou beleza), precisam complementar as abordagens tradicionais da filosofia da religião.

É preciso ter cuidado, diz Anderson, para não confundir anseio com apenas uma forma disfarçada da aspiração filosófica de ser infinito. Sua análise do conceito de infinito revela um esforço corrupto para se tornar infinito ou "tudo o que existe" em ação tanto na filosofia da religião masculinista quanto na feminista. Em vez disso, Anderson defende uma abordagem que permita instanciar os ideais reguladores de verdade, amor, bondade e justiça como condições para qualquer anseio incorrupto por infinitude. Os humanos podem ansiar pela verdade ou ansiar pela infinitude enquanto, ao mesmo tempo, reconhecem localizações autoconscientemente mantidas e incorporadas (Anderson, 2001). Isso significa que, como outros filósofos apontaram, não existe "visão divina", nenhum infinito real (o "actus purus" de Tomás de Aquino); a noção de infinito pertence apenas à potencialidade abstrata, enquanto a realidade concreta é incuravelmente finita.

Questões sobre a justificabilidade da crença religiosa já foram centrais na filosofia da religião. Anderson não considera essa questão em si, mas, em vez disso, analisa a questão anterior da construção racional da crença e da produção de conhecimento. Ela considera as maneiras pelas quais um foco exclusivo na justificação de crenças dominantes excluiu as crenças das mulheres e o papel das mulheres no raciocínio, ao assumir que apenas certas crenças privilegiadas devem ser avaliadas quanto à sua veracidade. Ao mesmo tempo, ela argumenta contra qualquer rejeição precipitada de questões justificatórias, bem como contra um foco estrito na justificação de crenças teístas. Os mitos de Mirabai, a lendária poetisa-santa hindu, e de Antígona, a figura mítica da insurgência na tragédia grega, são úteis para compreender a noção de anseio como uma paixão racional ligada a experiências corporais (1998: cap. 5). Anderson considera as imitações disruptivas desses mitos úteis para desafiar os parâmetros estreitos das formas realistas empíricas de teísmo.

5.2 Outras Perspectivas Psicanalíticas sobre o Simbólico Feminino

Grace Jantzen lança um desafio radical a outras filósofas feministas que fariam da epistemologia, em vez da teoria psicanalítica, seu ponto de partida no estudo da religião e seu lado reprimido (Jantzen 1999, 2004). Ela argumenta que questões sobre a verdade e a justificação da crença religiosa podem ser descartadas como categorias do simbólico masculino. Indo além de Luce Irigaray, a obra de Jantzen, na época de sua morte em 2006, propunha nada menos do que um novo imaginário da religião, um simbólico feminista de “natalidade e florescimento” como alternativa à categoria de mortalidade, beirando a necrofilia/necrofobia, com a qual a tradição ocidental foi saturada. Influenciada pelo trabalho de Hannah Arendt sobre natalidade e pela leitura feminista de Platão por Adriana Cavarero, Jantzen acreditava que uma preocupação com a morte e a violência subentende o imaginário masculinista. Se a filosofia feminista da religião pretende transformar a ordem simbólica que inscreve esse imaginário, é necessário transformá-lo. Para tanto, um modelo de mudança transformadora extraído da psicanálise e da filosofia continental da religião é mais útil do que um modelo extraído de modos de argumentação adversariais anglo-americanos (Jantzen 1999: 78).

Para demonstrar até que ponto o simbólico ocidental está saturado de violência e morte, personificadas no Cristo crucificado, Jantzen situou sua filosofia da religião em relação à teoria psicanalítica de Julia Kristeva e Luce Irigaray. A abordagem delas oferece uma teoria sobre uma das características mais importantes de qualquer religião: o sacrifício. Os códigos de sacrifício envolvem um esquecimento/apagamento do papel complexo da maternidade, equivalendo a um "matricídio" (Kristeva) na base da prática religiosa. Segundo Irigaray em “A Crença em Si”, a figura central do imaginário cultural ocidental é o sacrifício não lamentado e não reconhecido do corpo da (m)ãe, que o cristianismo mascara sob o sacrifício eucarístico do filho. Segundo Kristeva (1977 [1987]) em “Stabat Mater”, a verdadeira associação simbólica não se dá entre mulheres e nascimento, mas entre mulheres e morte, estabelecendo os homens como mestres culturais acima da mortalidade e suas implicações nos corpos das mulheres.

Jantzen corrigiu a afirmação matricida da teoria de Kristeva; ela argumentou contra a ideia de que a necessidade da criança de se separar da mãe para se tornar um indivíduo é o que inicia uma lógica de sacrifício e violência no simbólico ocidental. Não há imperativo de sacrificar a mãe para iniciar a formação do eu no âmbito cultural. Por mais importantes que sejam a separação e a individuação na formação do sujeito, elas não são proporcionais à morte e à violência. Se, em vez disso, nos dedicássemos à natalidade, escreveu Jantzen, seríamos mais capazes de criar um novo imaginário baseado no nascimento, na vida e na potencialidade (Jantzen 2003). A filosofia feminista da religião deveria tentar seguir o caminho do desejo pelo divino e renunciar à preocupação com a justificação racional de crenças e a avaliação de pretensões de verdade. A filosofia feminista da religião pode se concentrar melhor no impacto simbólico do nascimento do que na morte como estratégia para criar uma nova construção imaginária que enfatize o florescimento da vida em vez do seu sacrifício. As normas de adequação moral ou política substituem as de adequação epistêmica (Jantzen 2004).

Se perguntarmos qual é o status ontológico do divino para Jantzen, pode-se dizer que ele é panteísta (ver Jantzen 1999, cap. 11). Como horizonte do devir humano, o divino é transcendente no sentido do outro do mundo, irredutível a afirmações sobre as características físicas do mundo. Como imanente, o divino é este mundo; não há outro. O que antes era visto como um conjunto de polaridades agora se abre para um jogo de diversidades, trazendo o divino à vida através de nós.

Fundamentos da Violência, a publicação final de Jantzen, sintetiza sua análise das dimensões psicanalítica, religiosa e filosófica da morte e da violência na cultura ocidental, culminando em uma alternativa construtiva (um simbólico feminino) que celebra a beleza, o desejo e o impulso criativo. Tânatos, uma pulsão de morte, longe de ser um universal da natureza humana, como Freud acreditava, é uma construção de gênero da modernidade ocidental, segundo Jantzen, com precursores na cristandade e na antiguidade clássica. Homero, Sófocles, Platão e Aristóteles fornecem a genealogia da violência no pensamento ocidental que Jantzen critica aqui, enquanto Plotino representa todos aqueles buscadores de outro mundo que gesticulam em direção à libertação em outro mundo. O que deveria ser um estudo de seis volumes sobre a Morte e o Deslocamento da Beleza na tradição ocidental pode ser compreendido de forma incipiente em Jantzen 1999.

Em oposição às teorias lacaniana e freudiana, Jantzen (2002), Armour (2002) e Hollywood (2002, 2004) oferecem três leituras importantes do ensaio de Irigaray "A Crença em Si" (1980 [1993b]). Essas leituras feministas se baseiam em apropriações críticas da psicanálise e práticas de leitura derridianas para reavaliar um tópico que está no centro de grande parte da filosofia moderna da religião. A crença e sua formação, demonstram elas, estão implicadas na formação do sujeito e da diferença sexual, bem como em questões relacionadas à corporeidade, presença e ausência. O argumento não é apenas o conhecido argumento feminista de que o objeto da crença é definido pelo masculino, mas a afirmação mais radical de que a estrutura e o discurso da crença em si são masculinistas e carecem de desconstrução. Isto é, a constituição do sujeito normativo (ocidental, burguês) da religião e da filosofia depende da associação do corpo com a mãe e a feminilidade, e de um domínio, ocultação ou negação sempre incompleto e ambivalente do corpo da mãe. O próprio relato de Freud sobre o jogo fort/da (“ido”-“lá”) jogado por seu neto, Ernst, expõe a relação entre a crença e o domínio do menino sobre a presença e a ausência da mãe, o ocultamento e o desencobrimento. Apesar de sua aparente ausência, ela está lá, o menino passa a acreditar, e ao acreditar, ele experimenta seu próprio poder. Para Irigaray (1993b), Deus, como o Pai e a fonte do significado, emerge como o objeto de uma crença primeiramente articulada na tentativa (do menino) de dominar a ausência da mãe; o desmantelamento do sujeito como mestre, então, implica uma desconstrução concomitante do objeto de crença. Para Armour (2002), as implicações dessa leitura do outro lado da ontoteologia implicam um desafio a qualquer definição restrita de ontoteologia ou a esperança simplista de que ela possa se libertar do logocentrismo e do falocentrismo. A ferida no cerne da subjetividade masculina normativa, evidente na exibição que Derrida faz do corpo de sua mãe moribunda em seu ensaio "Circunconfissão", é um efeito da atual economia sacrificial na relação mãe/filho. Como sugere Armour,

"trabalhar a partir do reconhecimento de um sacrifício materno primordial (em vez da crença em um Deus Pai transcendente) requer o confronto com a dor e a perda, não a compensação por elas." (Armour 2002: 223)

Para Hollywood, uma implicação adicional diz respeito à atenção renovada ao lugar do ritual e da prática na religião. Rituais religiosos, práticas corporais e performatividades discursivas não apenas constroem o gênero, mas também constroem os próprios objetos da crença religiosa. Sua proposta de que, como constituídos, gênero e objetos de crença religiosa têm um status ontológico semelhante reabre uma questão crucial que muitas filósofas feministas da religião têm apurado. O status ontológico dos objetos de crença, especialmente aqueles deliberadamente projetados, não pode ser totalmente compreendido sem trazer de volta à tona o corpo, a emoção e o desejo moldados por práticas rituais (Hollywood, 2004).

5.3 Subjetividade Corpórea

O corpo, um tema recorrente em diversos estudos interdisciplinares recentes, figura como a base material ou simbólica de grande parte da filosofia feminista da religião, em contraste com a ficção da subjetividade desencarnada que marca a epistemologia moderna dominante.

Um desses estudos baseados no corpo, a obra de Howard Eilberg-Schwartz, "O Falo de Deus e Outros Problemas para os Homens e o Monoteísmo" (1994), é indicativo de uma nova aliança da filosofia da religião com os estudos de gênero e a teoria social, em vez da teologia natural e da metafísica especulativa. Dezenas de estudos feministas exploraram a maneira como as divindades masculinas autorizam a dominação masculina e minam a experiência feminina na ordem social. A questão de se uma divindade masculina gera certos dilemas e tensões para a concepção de masculinidade, tornando seu significado instável, foi deixada de lado. Ao perseguir essa questão, Eilberg-Schwartz derruba a suposição convencional de que o monoteísmo judaico se centrava em uma divindade invisível e desencarnada. Sua análise de numerosos mitos mostra que o antigo Israel de fato representava Deus em forma humana, ao mesmo tempo em que ocultava o falo divino.

Duas consequências em particular surgem para a masculinidade em um sistema religioso que imagina uma divindade masculina com um falo. Primeiro, o dilema do desejo homoerótico surge quando os homens adoram um Deus masculino em uma cultura baseada na complementaridade heterossexual. Embora a expressão da intimidade divino-humana seja expressa na linguagem da complementaridade masculino-feminina, são os homens, e não as mulheres, que entram no casamento pactual com a divindade. Coletivamente, os homens israelitas eram constituídos discursivamente como "ela" e considerados "prostitutos" quando se desviavam do monoteísmo (monogamia) para a idolatria (adultério). A supressão do impulso homoerótico na relação divino-humana, no entanto, poderia assumir várias formas: ocultar e velar o corpo de Deus por meio de proibições contra a representação de Deus; feminizar os homens israelitas para que pudessem assumir o papel de esposa de Deus; e exagerar a maneira como as mulheres são "outras" para minimizar as maneiras pelas quais os homens são transformados em outros de Deus.

A solução de imaginar Israel como uma mulher metafórica, em uma relação exclusiva com a masculinidade divina, pode ter resolvido o primeiro dilema do desejo homoerótico apenas gerando outro. O segundo grande dilema para a masculinidade, segundo Eilberg-Schwartz, é colocado por ser criado à imagem de um Deus Pai assexuado em uma cultura definida pela descendência patrilinear. A assexuação de um Deus Pai Criador cria grandes tensões para os homens que devem procriar. Em contraste com a religião cristã, cuja lógica diferente de um Deus gerando um Filho poderia tornar um pai humano irrelevante, a lógica hebraica dava grande importância ao pai humano, gerando tensão em torno de um Deus Pai que era considerado assexuado e, portanto, sem um filho. Quando o dilema do desejo homoerótico é colocado posteriormente para os homens cristãos em relação ao corpo masculino de Cristo, ele também é evitado ao se falar coletivamente da comunidade cristã como uma mulher.

A filosofia feminista da religião ainda precisa explorar plenamente a questão de como um Deus masculino é problemático para as concepções de si dos homens, segundo Eilberg-Schwartz. Ela também deixou de lado a diferença entre Deus como masculino e Deus como Pai. O foco estrito nas maneiras pelas quais uma imagem masculina de Deus enfraquece a experiência feminina tende a fundir as masculinidades humana e divina em um símbolo indiferenciado. Eilberg-Schwartz diferencia entre imagens de divindades masculinas e imagens de divindades paternas, argumentando que a masculinidade de Deus pode ter implicações diferentes da paternidade de Deus. Imagens paternas de Deus podem e devem ser usadas, argumenta ele, "mas somente se imagens femininas igualmente poderosas também forem celebradas" (1994: 239). Repudiando o Deus incorpóreo e distante que ajudou a gerar as associações hierárquicas de masculinidade e feminilidade, ele favorece a imagem de “um Pai eterno e amoroso que encara e abraça a criança”, na aparente expectativa de que um Deus amoroso e encarnado possa sustentar um tipo diferente de masculinidade, mais capaz de intimidade e ternura (1994: 240).

5.4 As Relações Interconectadas entre Linguagem, Experiência, Poder e Discurso

A crítica pós-estruturalista, ao estudar as relações interconectadas entre linguagem, experiência, poder e discurso, ainda deixa algum espaço aberto e não teorizado nas ligações entre esses termos. "Mudando o Sujeito: Discursos das Mulheres e Teologia Feminista" (1994), de Mary McClintock Fulkerson, preenche essas lacunas e desafia três noções inadequadas de linguagem, gênero e poder: (1) a ideia de que os signos linguísticos representam a coisa; (2) a suposição cartesiana da consciência subjetiva como a origem do significado; e (3) a compreensão do poder apenas em termos de opressão externa, unidirecional e negativa. O método pós-estruturalista também critica a lógica liberal de inclusão que apela à “experiência das mulheres” ou à “experiência religiosa das mulheres” como se fosse um conteúdo não problemático ou não codificado de algum tipo. Todas essas estratégias e métodos, Fulkerson demonstra, falham em reconhecer e levar em conta a multiplicidade de diferenças entre as inúmeras posições de sujeito. Em contraste com o objetivo humanista liberal de acomodar o maior número possível de “vozes diferentes”, a análise do discurso busca uma leitura mais radical das maneiras pelas quais a própria “voz” é produzida e o conhecimento é poder. Levar em conta o caráter inextricável e multiplicativo do vínculo entre conhecimento e as relações sociais das quais o conhecimento emerge muda a questão, bem como o sujeito, de acordo com Fulkerson. A questão não é, por exemplo, se um determinado sistema de crenças religiosas é opressivo ou libertador para as mulheres. Essas estruturas genéricas e abrangentes precisam ser substituídas por uma apreciação mais complexa da construção de múltiplas identidades de acordo com diferentes localizações na formação social do capitalismo patriarcal.

Uma vez que o falso universal da “experiência feminina” ou da “experiência humana” seja substituído por uma “análise dos discursos femininos”, as filósofas feministas da religião podem começar a considerar as produções específicas de posições para as mulheres, formulando perguntas como:

"Quais discursos constroem as posições das mulheres brancas da igreja de classe média? Das pregadoras pentecostais pobres? Das feministas liberais da libertação acadêmica?"

Em suas investigações sobre o discurso das pregadoras pentecostais dos Apalaches e do discurso de grupos de mulheres presbiterianas, Fulkerson observa duas posições de sujeito femininas muito diversas em conflito com uma tradição religiosa de maneiras libertadoras e restritivas. Abordando o mundo da fé como um sistema de discursos, em vez de interpretações representacionais ou reivindicações de crenças cognitivas, ela demonstra como as posições de fé das mulheres podem ser constitutivas de suas práticas emancipatórias. As histórias de chamado e as performances de adoração de ministras pentecostais pobres, acompanhadas por demonstrações extáticas e corporais de alegria, produzem formas particulares de resistência às restrições patriarcais, assim como as práticas de fé de donas de casa presbiterianas de classe média produzem outras possibilidades de transgressão, prazer e desejo.

Um mérito dessa metodologia para a filosofia feminista da religião é a exposição da complexidade do discurso de gênero, das restrições e resistências encontradas nas práticas de fé e das condições sociais de significação. Ela cria espaço no qual é possível questionar o que a filosofia da religião ocluiu de seu ângulo de visão em virtude do discurso abstrato e distanciado que a caracterizou.

Uma desvantagem das abordagens pós-estruturalistas do discurso, segundo algumas feministas, é que elas descartam a possibilidade de que afirmações possam ser validadas fora de comunidades específicas e suas línguas. Fulkerson apela ao não-fundacionalismo, a posição que evita a busca por crenças ou experiências justificadoras que possam, por sua vez, sustentar outras crenças derivadas delas. Ela afirma não considerar necessário apresentar argumentos fundamentados para as afirmações de fé que invoca. As práticas discursivas pertinentes que analisa são as de resistência, sobrevivência, ágape e esperança — práticas, ela admite abertamente, que pressupõem a existência de Deus em vez de problematizá-la. O que permanece uma questão em aberto para essa vertente da filosofia feminista da religião é até que ponto a análise do discurso pode chegar a subverter as estruturas de crenças de ministras pentecostais ou donas de casa presbiterianas; na verdade, como isso poderia ser teoricamente possível.

5.5 Pragmatizando a Filosofia Feminista da Religião

No contexto norte-americano, surgiu uma convergência de agendas feministas e pragmatistas, com implicações importantes para a filosofia feminista da religião. Graças ao trabalho pioneiro de Charlene Haddock Seigfried (1996) e a estudos recentes de McKenna (2001) e Sullivan (2001), a filosofia pragmatista-feminista da religião se distingue por diversas características. Em primeiro lugar, em seu aspecto filosófico, tanto a filosofia pragmatista quanto o feminismo compartilham uma forte crítica ao positivismo cientificista; resistência às dicotomias entre fato e valor; recuperação da importância experiencial e epistêmica da estética; análises de discursos dominantes à luz de formas de dominação social; ligação entre teoria e prática; interesse na primazia teórica da experiência concreta; repúdio à postura espectadora da indiferença filosófica; e um questionamento dos efeitos sociopolíticos das ciências sociais. Em segundo lugar, em seu aspecto religioso, a tradição pragmatista oferece recursos inexplorados para a reconstrução feminista, que vão desde as filosofias explícitas da religião nos escritos clássicos de Peirce, James, Dewey, Santayana e Mead, até as implícitas no atual renascimento do pragmatismo em ambos os lados do Atlântico. A importância religiosa do pragmatismo americano em seu primeiro milênio é melhor compreendida como uma naturalização das noções tradicionais de transcendência e espiritualidade, em vez de, como seus críticos acusam, uma abdicação de qualquer esperança de transcendência. Segundo um intérprete (Stuhr, 2003), o pragmatismo recolocou noções tradicionais de transcendência na imanência, recolocou o espírito na natureza, recolocou os absolutos na investigação, recolocou a afirmação na negação e recolocou a salvação na comunidade, uma descrição que se aplica igualmente ao esforço de recolocação realizado nas filosofias feministas da religião. O resultado final desses processos combinados de naturalização deve produzir algo novo para a filosofia da religião:

"verdade sem os problemas da certeza; justificação sem os problemas dos fundamentos; natureza e acesso a ela sem os problemas do sobrenaturalismo ou solipsismo; valores sem os problemas do absolutismo ou da arbitrariedade; e experiência distintamente religiosa ou espiritual sem idealismo, dualismo ou religião institucional." (Stuhr, 2003: 194)

6. Conclusão

Os estudos feministas em geral têm enfrentado dificuldades com a religião. E a filosofia da religião dominante, até recentemente, tem enfrentado dificuldades com os estudos feministas.

Avançando no século XXI, três questões específicas se destacam. A questão mais significativa na agenda para reflexões futuras diz respeito ao pluralismo religioso e à necessidade de superar o etnocentrismo extremo da filosofia da religião anglo-americana. Na medida em que o campo enfrenta o desafio de encontrar tradições que expressam práticas e crenças que não são predominantemente associadas a modos de compreensão europeus, brancos ou masculinos, será necessário elaborar novos modelos de interpretação, uma teoria da evidência mais ampla, uma concepção transculturalmente adequada da racionalidade humana e uma avaliação mais complexa das normas aplicáveis ​​a casos de reivindicações e desacordos religiosos divergentes e rivais. Na medida em que a filosofia da religião feminista estuda as interpretações estritamente intelectuais de qualquer tradição religiosa, ela encontrará crenças, símbolos e ideias que estão inseridos em relações de poder socioculturais específicas. Novos trabalhos são agora necessários para refletir sobre a dinâmica das relações de poder, analisar opressões herdadas, buscar sabedoria alternativa e simbolismo reprimido, e arriscar novas abordagens para as complexas questões de verdade e justificação à luz do pluralismo religioso.

Levar a sério a impressionante pluralidade de formas humanas de vida religiosa leva a uma segunda questão significativa. Quais teorizações da religião são mais adequadas para as feministas trabalharem? Antes que essa questão possa ser abordada com todo o rigor filosófico que sua complexidade exige, as feministas devem encarar o fato de que a religião é uma dimensão potente da vida e dos desejos das mulheres contemporâneas em todo o mundo; portanto, filosofar sobre ela como superstição, ideologia reacionária, falsa consciência, crença irracional ou ressaca pré-moderna e ultrapassada simplesmente põe em questão não o fenômeno da religião, mas a compreensão da própria filosofia feminista sobre seu tema. Em nossa época, as formas elementares de vida religiosa não podem ser criticadas segundo as mesmas velhas linhas que a modernidade secular ocidental tomou como certas. No passado, marxistas e freudianos podiam fornecer combustível teórico para a crítica da religião por gerações de leitores, mas sua teoria geral da religião como função de projeção (de interesses de classe ou da imagem paterna) está severamente desatualizada. Como não podemos dividir a realidade entre o que está "realmente lá" e o que é "humanamente projetado", e como não há uma distinção clara a ser traçada entre as propriedades que as coisas têm "em si mesmas" e as propriedades que estão "em nós", as teorias de projeção da religião (ou de qualquer outra coisa) baseiam-se em uma base puramente suposicional. Elas carecem de valor explicativo.

Finalmente, a teorização do significado de "religião" na filosofia feminista da religião em uma era pluralista leva a uma terceira área de terreno feminista inexplorado. Além de pensar sobre a filosofia na religião, as feministas precisam refletir mais profundamente sobre a religião na filosofia. Qual é o significado para as feministas do "retorno à religião" encontrado, por exemplo, em Emmanuel Levinas ou Gianni Vattimo? Concepções teológicas também abundam na obra de Martin Heidegger, Iris Murdoch, Stanley Cavell, Charles Taylor e Martha Nussbaum. Os escritos desconstrucionistas de Jacques Derrida oferecem outro exemplo de escrita secular em tom religioso, cuja relevância feminista precisa ser avaliada. Embora Fergus Kerr (1997), John Caputo (1997) e Hent de Vries (1999) tenham realizado trabalhos notáveis ​​e sugestivos sobre a religião na filosofia recente, o vértice feminista do triângulo religião-filosofia-feminismo ainda precisa ser mais bem configurado.

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