Autor: Joe Schmid
Tradução: David Ribeiro

Introdução

Conforme Feser (2014, pp. 34-35) interpreta, o argumento de Parmênides contra a mudança é o seguinte:

1. A mudança exigiria que o ser surgisse do não-ser ou do nada.

2. Mas do não-ser ou do nada, nada pode surgir.

3. Portanto, a mudança é impossível.

Onde o argumento falha? Aqui está a resposta de Feser:

"O problema com o raciocínio de Parmênides, na visão de Aristóteles, não está na inferência de (1) e (2) para (3), nem na premissa (2), com a qual Aristóteles concorda. Está, antes, na premissa (1), a tese de que a mudança envolveria o ser surgindo do não-ser. Pois há, segundo Aristóteles, uma análise alternativa da mudança, na qual ela envolve não o ser surgindo do não-ser, mas sim um tipo de ser surgindo de outro tipo. Em particular, há o ser-em-ato – as maneiras como uma coisa realmente é; e há o ser-em-potência – as maneiras como uma coisa poderia potencialmente ser." - Metafísica Escolástica, p. 35

Feser prossegue explicando:

"Essas potencialidades ou potências são características reais da própria bola, mesmo que não sejam atualidades. A potencial planura, a maciez, a aspereza etc. da bola não são nada, mesmo que não tenham o tipo de ser que a redondeza, a solidez, a lisura etc. da bola atualmente têm. É por isso que a bola pode se tornar plana, mole e áspera de uma forma que não consegue se tornar senciente, ou eloquente, ou capaz de fazer cálculos aritméticos. O ser-em-potência é, portanto, um meio-termo entre o ser-em-ato, por um lado, e o puro nada ou não-ser, por outro. E a mudança não é uma questão de o ser surgir do não-ser, mas sim de o ser-em-ato surgir do ser-em-potência. É a atualização de um potencial – de algo anteriormente não-atual, mas ainda real." - Metafísica Escolástica, p. 36

O argumento de Feser a partir da mudança para a distinção ato-potência, então, é essencialmente o seguinte:

1. Se há mudança, então, se não há distinção entre ato e potência, então o ser surge do não-ser.

2. Há mudança.

3. O ser não pode surgir do não-ser.

4. Portanto, há uma distinção entre ato e potência.

O que concluir deste argumento?

Resposta

O que eu entendo do argumento depende se o eternalismo ou o presentismo é verdadeiro.

Com um chapéu eternalista, digo que (i) certamente há mudança, mas (ii) a mudança é simplesmente uma variação nas propriedades de objetos quadridimensionais ao longo de sua dimensão temporal. Isso não envolve ou implica o ser surgindo do não-ser. Envolve simplesmente uma variação em características reais. Nesse caso, a premissa (1) é falsa, uma vez que, haja ou não uma distinção entre ato e potência, não há instância de ser surgindo do não-ser.

Com um chapéu presentista, digo que a mudança é (aproximadamente) o seguinte: x não existe em algum ponto, e então em algum ponto posterior x existe, ou então x existe em algum ponto, e então em algum ponto posterior x não existe (onde x é algum item ontológico positivo). (Se quisermos desconsiderar o vir a ser e o desaparecer como mudanças, podemos modificar a explicação da seguinte forma: S é F em algum ponto e então em algum ponto posterior S é ~F, ou então S é ~F em algum ponto e então em algum ponto posterior S é F.)

Isso não acontecerá inexplicavelmente — haverá alguma explicação para o porquê. Normalmente, algo produzirá (ou destruirá) causalmente x. O único sentido em que temos "ser surgindo do não-ser" aqui é o sentido totalmente desprovido de problemas em que x não existia anteriormente, mas agora existe. Não há nada de absurdo nisso. Não é como se algo estivesse surgindo sem causa e inexplicavelmente. Isso, tendo a pensar, seria absurdo. Mas essa não é a proposta.

Assim, se Parmênides ou Feser quiserem mostrar por que a visão que delineei implica algum "ser surgindo do não-ser" problemático, eles precisam de algo mais do que a mera afirmação de que "ex nihilo nihil fit" é suficiente. Pois, na minha opinião, x não "vem do nada" — x, em vez disso, vem de uma causa (ou explicação) anterior. Isso não requer que x exista em algum "estado de potência" fantasmagórico ou etéreo antes de x surgir. Na análise que esbocei, (i) há mudança, (ii) não há nenhuma instância problemática de ser surgindo do não-ser e, ainda assim, (iii) a mudança não envolve a transição ou redução do ser potencial para o ser real. E, portanto, a premissa (1) é falsa.

O argumento de Feser, portanto, não sustenta a análise ato-potência da mudança — pelo menos, não como o argumento se apresenta atualmente (pois carece totalmente de justificativa para o princípio de que “o ser não pode surgir do não-ser” no sentido de “não pode ser o caso de que <x não existisse em t-1 e então x exista em t>”).

Além disso, a “solução” de Feser não parece resolver o enigma de Parmênides. À luz de Feser, a mudança envolve um tipo de ser — um dado ser-em-ato [por exemplo, ser-quente-em-ato] — surgindo de um estado sem esse tipo de ser (ou seja, um estado que envolve um tipo diferente de ser — ser-em-potência [por exemplo, ser-quente-em-potência]). Nesse caso, porém, Feser deve admitir — junto comigo — que algo existe em t que não existia em t-1 — a saber, o ser-em-ato relevante.

Para tornar as coisas mais concretas, suponha que o café passe de quente (em t-1) para frio (em t). Então, segundo a própria análise de Feser, em t-1 o ser real relevante (a frieza real do café) não existia (ou seja, não era real ou estava na realidade). Então, em um instante posterior t, ele existe. Feser, então, está igualmente comprometido em negar o princípio de que "não pode ser o caso de que <x não existisse em t-1 e então x exista em t>". E, portanto, Feser tem que admitir exatamente o que é supostamente problemático em minha análise. O que isso nos diz, penso eu, é que simplesmente não é problemático de forma alguma.

Assim, não apenas o argumento de Feser a partir da mudança para a análise ato-potência falha em justificar a exclusão da minha visão (o que precisaria fazer para ter sucesso, visto que minha visão é aquela em que a premissa (1) é falsa), mas a própria análise de Feser está comprometida com exatamente o que é supostamente problemático em minha análise.

Além desses dois problemas, há um terceiro: a proposta de Feser exige pluralismo sobre o ser. Mas muitos filósofos competentes argumentaram — com razoável veemência, na minha opinião — contra o pluralismo sobre o ser.

[Como nota final, não afirmo ter oferecido aqui uma análise adequada ou verdadeira da mudança. Usei "minha análise" e "minha visão" como contraste para comparar a visão de Feser com uma visão alternativa. Acredito que a visão alternativa seja superior à de Feser, mas não afirmo (neste post) que ela seja verdadeira simpliciter ou mesmo provavelmente verdadeira.]



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