1- Introdução
Em 6 de Janeiro de 2017, a dollynho puritano publicou um artigo em que é "argumentado" que o argumento cosmológico ateísta do filósofo Quentin Smith serve na verdade para favorecer o teísmo, e não o ateísmo. Meu objetivo neste artigo é mostrar o desastre que foi a argumentação da dollynho puritano (só pelo nome já dá para saber o nível do blog), por ser baseado tanto na ignorância sobre a cosmologia do big bang como pela ignorância sobre a própria argumentação do Smith. Vamos começar.

2- O argumento cosmológico para o ateísmo (versão usada pela dollynho puritano)
A dollynho puritano nos oferece a seguinte versão do argumento:

"Se Deus existe e há um estado mais antigo do universo, então Deus criou aquele estado mais antigo do universo. – [ok]Deus é onisciente, onipotente e perfeitamente benevolente. – [ok]Um universo com vida é melhor do que um universo que não contém vida. – [falso]Logo, se Deus criou um universo então o estado mais antigo do universo precisa ou conter vida ou garantir que a vida iria eventualmente surgir. [falso]"

O problema é que a fonte usada pela dollynho oferece uma visão muito simplista do argumento de Smith, o que consequentemente faz com que as objeções a ela também o sejam. Segundo a cosmologia do Big bang (a relatividade geral aplicada as soluções de Friedmann e os teoremas da singularidade Hawking-penrose) o universo Começou em uma singularidade do big bang, e que em uma singularidade não há nenhuma lei L¹ (por exemplo) que governe uma causa C¹, dado que as leis físicas são literalmente quebradas em uma singularidade. E uma singularidade sendo infinitamente hostil tanto para a vida, quanto para o desenvolvimento dela contradizem a visão teísta tradicional, pois se há uma deus onipotente, onisciente, perfeitamente bom e pessoal, ele iria querer (e efetivar) um universo que garantisse a evolução da vida.

A visão que o Smith realmente nos oferece é:

(1) A singularidade do big bang é o estado mais antigo do universo.

(2) O estado mais antigo do universo é inanimado

(2) segue de (1) uma vez que a singularidade envolve as condições de vida hostil de temperatura infinita, curvatura infinita e densidade infinita.

A quarta idéia científica explicada na última seção, o princípio da ignorância, nos dá a premissa resumida

(3) Nenhuma lei governa a singularidade do big bang e conseqüentemente não há garantia de que ele emita uma configuração de partículas que evolua para um universo animado.

(1) - (3) implicam

(4) O estado mais antigo do universo não é garantido para evoluir para um estado animado do universo

Posso afirmar que autor do artigo da dollynho puritano nunca leu (e se leu não entendeu) o artigo do Smith, pois o autor afirma o seguinte absurdo:

"Sobre a premissa (3) – não tem como justificá-la; caberia ao opositor tentar fazê-lo, aliás. Só vou continuar para mostrar que, até mesmo partindo do pressuposto de que a premissa seja verdadeira, a conclusão não segue (non sequitur).

Sobre a conclusão (4) – é um non sequitur, isto é, a conclusão não decorre das premissas:

Bem, ao que parece, Quentin parte do pressuposto de que, para Deus fazer, é necessário algo. Errado. Deus, por ser onipotente, não precisa de uma pré-condição para trazer algo à existência. Não precisa, em outras palavras, de uma situação favorável; isso inclui a vida surgindo de um meio hostil – um Ser como Deus não enfrentaria dificuldade alguma." (dollynho puritano)

A dollynho basicamente argumenta que 1) Não há como saber se um universo com vida é melhor do que um com vida e 2) Como não há uma pré-condição para a onipotência se deus, um primeiro estado do universo infinitamente hostil para a vida não é um problema para ele.

O problema com a primeira argumentação é que o Smith não afirmou simplesmente que um universo com vida é melhor do que um universo sem ela, mas que na visão teísta, o universo deve possuir vida, dado que este é o próprio objetivo de deus ao criar um universo, ele criou justamente para suas criaturas oras! Mas se o objetivo de deus era criar um universo que abrange a vida, sendo ele onipotente, onisciente, pessoal e auto- suficiente, a garantia da evolução da vida é uma implicação lógica de sua própria natureza, assim como a incapacidade de deus de cometer atos maléficos, pois ele sendo perfeitamente bom não poderia comete-los (o que também responde a segunda objeção da dollynho puritano).

E novamente, a dollynho afirma o seguinte absurdo:

"Quentin não percebeu, mas acabou de dar um argumento fortíssimo para nós, teístas. Explico. É justamente por haver tanta improbabilidade que nós acreditamos num Ser que deu um “empurrãozinho”, por assim dizer. Como o próprio Quentin admitiu, havia tudo para dar errado; mas estamos aqui. Algo foi responsável por isso" (Dollynho puritano)

Esta afirmação nos leva ao seguinte tópico.

3- O que causou o universo após a singularidade?
Se a dollynho puritano tivesse lido o artigo do Smith, saberia que há um princípio básico na cosmologia chamado princípio da ignorância, do físico Stephen Hawking. O princípio da ignorância nos diz que uma singularidade é uma lugar completamente caótico e imprevisível, mas não significa que seja um ponto onde é impossível surgir algo (como o universo), de fato a singularidade poderia suceder partículas aleatórias e sem nenhuma combinação necessária para o desenvolvimento da vida e consequentemente não originar nada como nosso universo (há até teóricos físicos que afirmam que em grande parte das vezes, universos sequer vem a existência, pois o estado de vácuo "superficial" não foi capaz de expandir o espaço-tempo, mas isso é outra história), mas há um princípio também bastante conhecida na cosmologia chamada "princípio da probabilidade", onde um universo como o nosso pode sim surgir incausado a partir de um ponto caótico como uma singularidade. Por exemplo, o cosmólogo Alex vilenkin escreve:

"Se todos os números conservados de um universo fechado são iguais a zero, então não há nada para impedir que esse universo seja criado espontaneamente a partir do nada. E de acordo com a mecânica quântica, qualquer processo que não seja estritamente proibido pelas leis de conservação ocorrerá com alguma probabilidade.18

Um universo recém-nascido pode ter uma variedade de formas e tamanhos diferentes e pode ser preenchido com diferentes tipos de matéria. Como é usual na teoria quântica, não podemos saber quais dessas possibilidades realmente são realizadas, mas podemos calcular suas probabilidades. Isso sugere que poderia haver uma multidão de outros universos.

A criação quântica é semelhante ao tunelamento quântico através de barreiras energéticas na mecânica quântica. Uma descrição matemática elegante deste processo pode ser dada em termos de uma rotação Wick. O tempo é expresso usando números imaginários, introduzidos apenas para conveniência computacional. A distinção entre as dimensões do tempo e do espaço desaparece. Esta descrição é muito útil, uma vez que fornece uma maneira conveniente de determinar as probabilidades de tunelamento. Os universos mais prováveis ​​são aqueles com menor tamanho inicial e energia de vácuo mais alta. Uma vez que um universo é formado, ele imediatamente começa a se expandir devido à alta energia do vácuo." --- Alex Vilenkin

De acordo com a mecânica quântica, qualquer processo que não seja estritamente proibido pelas leis da conservação ocorrerá com alguma probabilidade, como não há nenhum tipo de proibição em uma singularidade, é bem possível que um universo (com menor tamanho inicial e energia de vácuo mais alta) se origine de uma singularidade, mesmo que seja altamente imprevisível. Então sim, algo fez o universo expandir a partir de uma singularidade, e este algo foi a energia de vácuo altamente concentrada que automaticamente faz um universo (como o nosso) expandir através de princípios probabilísticos tão bem calculados que forneceram uma nova hipótese científica, a hipótese da criação quântica (ou nucleação quântica).

4- Conclusão
Podemos concluir aqui que a dollynho não só foi incapaz de demonstrar que o argumento de Smith favorece o teísmo, como só demostrou que sequer o entendeu, promovendo um argumento completamente falacioso. Primeiramente a dollynho puritano oferece uma visão do argumento de Smith completamente simplista, depois ataca um espantalho, pois faz afirmações nas quais o Quentin Smith nunca fez, e depois se mostra ignorante em relação a cosmologia moderna.
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