Tradução cedida por Raphael Costa

“Observe que as criaturas livres podem desejar livrar-se de sua liberdade (ou do tipo de liberdade que possuem), mas sem ser capazes de fazê-lo, se isso estiver escrito em sua natureza. A liberdade também, em certo sentido, restringe. Na verdade, uma relação assimétrica entre o criador e o criado em que o primeiro tem muito “controle” sobre o último é absolutamente inevitável.”

Resumo

Este artigo critica a suposição, onipresente na filosofia contemporânea da religião, de que um Deus perfeitamente bom e amoroso desejaria conferir a (pelo menos algumas) pessoas finitas o livre-arbítrio. Um modo alternativo de relacionamento divino-humano é apresentado e mostrado ser tão propício para a realização de valor quanto um envolvendo o livre-arbítrio. Certas implicações desse resultado são então reveladas, a saber, que a defesa do livre-arbítrio do teísta contra o problema do mal é malsucedida e, mais ainda, que o livre-arbítrio, se existe, fornece suporte positivo para o ateísmo.

Que Deus pode criar pessoas e ainda não dar a nenhuma delas o livre arbítrio1 é geralmente desacreditado na filosofia contemporânea da religião. O drama regularmente ensaiado na literatura, envolvendo o progresso em direção à perfeição mais profunda (ou recuperação da imperfeição profunda) de criaturas que são a fonte última de suas próprias ações, cativou a imaginação de quase todos, e os filósofos têm pouca inclinação para considerar alternativas a esta imagem ao pensar sobre que tipo de mundo um criador perfeitamente bom atualizaria.

Mas, aparecendo como aparece na filosofia, esse consenso é, sugiro, motivo de suspeita. A complacência ou aquiescência no preconceito cultural ou religioso pode tanto ser a fonte disso como uma visão genuína e indiscutível. Este documento, portanto, dá uma visão mais detalhada das alternativas.

Em sua primeira seção, examino algumas possibilidades de desenvolvimento pessoal compatíveis com a ausência de livre arbítrio. Minha conclusão aqui é que Deus pode fazer tanto para promover o bem das pessoas em um mundo em que o livre arbítrio está ausente quanto em um mundo em que ele está presente.

Então, na segunda e última seção do artigo, eu argumento que certos avanços que a famosa defesa do livre-arbítrio contra o argumento do mal podem ter parecido dar na ausência de consciência desse fato devem ser vistos como ganhos ilícitos. O que uma reflexão cuidadosa realmente revela é que a visão consensual (de que Deus decidiria em favor do livre arbítrio) é falsa, e que a crença no livre arbítrio serve aos propósitos do ateísta melhor do que aos teístas.

1. Um mundo sem livrearbítrio

Proponho começar indo diretamente ao que muitos considerariam o cerne da questão: a questão de como alguém sem livre arbítrio pode desfrutar de um relacionamento pessoal autêntico com o Divino de um tipo que seria valorizado por um criador amoroso.

Um argumento comum aqui, associado ao trabalho de John Hick2 é que, se pessoas finitas não tivessem livre arbítrio, suas respostas a Deus seriam “fixadas” de antemão e, portanto, mecânicas e sem espontaneidade. Na verdade, a relação entre eles e Deus seria como aquela entre um paciente hipnotizado e o hipnotizador, ou entre um fantoche e o titereiro, ou entre um robô e seu projetista – o que quer dizer que é baseado em manipulação e controle unilateral, e então não é autêntico ou verdadeiramente pessoal.

Hick produziu este argumento em resposta a uma tentativa anterior (e na minha opinião um tanto equivocada) de apoiar a tese de que Deus criaria pessoas sem livre arbítrio associadas aos nomes de Antony Flew e JL Mackie3, e a maioria dos escritores hoje em dia procedem como se ele houvesse resolvido a questão4. Há, em qualquer caso, pouca discussão sobre posições alternativas.

O argumento de Hick merece exame, entretanto. Alega, como vimos, que as pessoas criadas sem livre arbítrio seriam como fantoches de Deus.

Mas existem fantoches e existem fantoches! Considere-se, por exemplo, os seres humanos que realmente existem. Somos pessoas e, certamente, é o que acontece, mesmo que não tenhamos livre arbítrio.

A imagem de um mar de Pinóquios de madeira pode nos fazer esquecer que, mesmo que descobríssemos que não temos livre arbítrio, não seríamos subitamente obrigados a nos considerarmos menos do que criaturas sociais complexas, psicológica e intelectualmente, e em constante mudança e (potencialmente) em desenvolvimento. (Existe uma possibilidade muito real de que não temos livre arbítrio, e os fatos que discernimos sobre nós mesmos nas várias ciências são bastante compatíveis com essa possibilidade – na verdade, eles são frequentemente usados ​​para defendê-la.)

Os mistérios de nossa natureza seriam, dado tal cenário, ainda consideráveis, rendendo apenas a muita investigação paciente, como seriam os mistérios da realidade maior da qual fazemos parte. Ainda haveria momentos de percepção e descoberta repentinas. Ainda estaríamos fazendo um contato intelectual vivo com verdades e falsidades, ainda lutando para sermos fiéis ao que sabemos e moldá-lo em uma vida, ainda navegando nas estradas e caminhos intrincados e sutis do relacionamento interpessoal, ainda crescendo ou falhando em crescer em direção a uma maturidade mais profunda em vários aspectos.

Em um mundo sem livre arbítrio, por exemplo, eu ainda posso decidir assumir certos compromissos, sentir a tensão entre esses interesses concorrentes, pensar em maneiras de fortalecer o poder psicológico e a eficácia do primeiro e diminuir o do último.

Claro, talvez nenhum de nós queira que nada do que pensamos, sentimos e decidimos esteja no sentido incompatibilista da nossa parte – embora eu não tenha certeza por que devemos ver mais do que uma tendência para o egocentrismo aqui. Mas não pode haver dúvida de que ainda somos criaturas incríveis com um futuro potencialmente incrível, mesmo que não tenhamos livre arbítrio.

Isso, no entanto (ou assim será afirmado), ainda não aborda a preocupação central do crítico: que em um cenário divinamente produzido incluindo pessoas, mas sem livre arbítrio, Deus deve controlar manipulativamente tudo o que acontece às pessoas e nas pessoas de uma maneira incompatível com qualquer tipo de relação pessoal autêntica entre eles e Deus.

Mas eu sugeriria que um desenvolvimento mais completo dos pontos já avançados será suficiente para lidar com isso. Se considerarmos as possibilidades de uma imagem evolutiva do tipo sugerido pelo mundo real (mas não, é claro, restrito a ele) – uma imagem em que, em vez de existirem completas e inteiras desde o início de suas carreiras, às pessoas criadas é dada a oportunidade de desenvolver cada vez mais plenamente as capacidades finitas psicológicas, sociais, espirituais e talvez físicas5 que recebem em um ambiente que se desenvolve e muda com eles à medida que crescem – e usar nossa imaginação ao pensar em Deus e determinação, encontraremos um forma de aliviar a preocupação do crítico e valorizar melhor o que é possível sem livre arbítrio.

Como acabamos de ver, tal quadro evolucionário não requer livre arbítrio e, como argumentarei agora, pode ser preenchido de forma atraente, sem retratar Deus como controlador e manipulador ou mesmo como determinante de cada pensamento, sentimento e escolha da criatura.

Existem vários pontos aqui. (1) Embora seja tentador assumir, como faz o argumento de Hick, que se em um mundo divinamente criado as pessoas não têm livre arbítrio, tudo sobre elas (incluindo qualquer desenvolvimento por que passam) deve ser determinado por Deus, ‘fixado’ antecipadamente, essa suposição é falsa: a determinação de Deus não decorre de ser criado sem livre arbítrio.

Deus pode escolher tornar o caso de que nem todos os eventos – ou mesmo todas as escolhas das criaturas – são determinados antecipadamente enquanto não dá a ninguém o livre arbítrio, pois o livre arbítrio notoriamente requer mais do que escolhas não determinadas por condições antecedentes fora do controle do agente: ele envolve bem como o controle do agente – uma espécie de ‘agente-causação’ consistente com a ausência de determinação externa que, como todos sabem, tem se mostrado difícil de fornecer uma descrição inteligível, e pode muito bem estar ausente mesmo quando tal determinação externa não existir.

Não é difícil ver como, em tal mundo, em que surpresas genuínas podem ocorrer em vários níveis (talvez dentro de parâmetros que são predeterminados), Deus não estaria na posição de controlar ou manipular tudo o que acontece nas e para as pessoas como o processo evolutivo se desenrola.

(2) Mas vamos supor que tal cenário seja, por algum motivo, inaceitável. Quero tentar a tarefa mais difícil de mostrar que um mundo sem livre arbítrio não apresenta problemas religiosos, mesmo com essa suposição.

Considere primeiro que, mesmo que tudo sobre as pessoas em um mundo criado por Deus seja totalmente causado por estados anteriores fora de seu controle, isso não significa que Deus está lá mexendo com sua psique a cada momento de todos os dias, como o uso do argumento de Hick de palavras como ‘manipular’ pode nos levar a pensar.

Em um cenário determinístico, fornecido com uma estrutura evolutiva, as respostas das pessoas podem ser vistas como parte de um processo cujas leis Deus ordenou, e como ocorrendo de acordo com essas leis, não de acordo com decretos Divinos especiais.

(3) Para encontrar mais razões para resistir à força aparente do argumento de Hick, mesmo ao aceitar a suposição determinística, observe que pelo menos no exemplo do hipnotizador o sujeito é levado a fazer o que ele poderia escolher evitar, e pode ser facilmente levado por caminhos delirantes que servem a propósitos outros que não os dele – isso é pelo menos parte do que dá conteúdo à ‘manipulação’ e ‘controle’ aqui.

Mas em um cenário determinístico envolvendo Deus, as pessoas fazem o que é em sua natureza fazer – não há nada que elas preferissem fazer se tivessem a liberdade de fazê-lo e, portanto, não há manipulação do tipo que alguém poderia associar ao exemplo do hipnotizador.

Eles também estão continuamente sendo conduzidos a um conhecimento mais profundo da verdade e, portanto, são progressivamente, em todos os sentidos compatíveis com a finitude, superando a ilusão e se aproximando da iluminação em várias frentes. Isso é significativo porque nos alerta para o fato de que em um cenário evolucionário determinístico, devidamente projetado, Deus não constrói nas pessoas um certo estoque limitado de conhecimento e então as envolve e as observa fazer o “lance divino” com base no conhecimento dado.

Em vez disso, Deus constrói nas pessoas capacidades que podem crescer e produzir resultados cada vez mais ricos – incluindo a capacidade de descobrir cada vez mais do que existe. As pessoas, neste cenário, estão constantemente aprendendo mais do que Deus sabe – elas são, se voltadas para qualquer coisa, voltadas para a verdade. Certamente seria um privilégio ser ‘manipulado’ desta forma!6

(4) O ponto anterior também nos permite ver o que há de errado com a ideia de que o livre arbítrio é necessário para um amor e confiança autênticos em resposta a Deus, um refrão frequentemente repetido no hinário da metafísica teísta.

Se nos faltasse o livre arbítrio e todas as nossas respostas fossem determinadas por Deus, assim nos dizem, seríamos ‘pré-programados’ e, portanto, qualquer resposta de amor e confiança para com Deus seria acionada pelo programa, não pela consciência real de como as coisas são – especificamente, não pela consciência das qualidades e méritos pessoais de Deus.

Os desejos implantados seriam ativados em vez dos adquiridos naturalmente em resposta aos fatos. Mas isso não se segue, como de fato já vimos. Pois, se estou programado para aprender a verdade e formar crenças, desejos e propósitos apropriados a ela, então não posso responder ao programa sem responder aos fatos.

Ao aprender as verdades sobre Deus, os indivíduos no cenário que tenho em mente respondem de forma natural e apropriada com um amor e confiança cada vez mais profundos, assim como em relacionamentos pessoais autênticos uns com os outros no mundo real, podemos responder de forma positiva e apropriada à nossa consciência de fatos sobre o outro – por exemplo, para o nosso reconhecimento da relação biológica de um pai conosco, sua natureza gentil e atenciosa, sua ajuda em situações difíceis já experimentadas, e assim por diante.7

(5) Pode-se agora objetar que, apesar dos refinamentos que acrescentei, em um cenário determinístico do tipo que estamos considerando, Deus ainda deve saber tudo o que acontecerá a pessoas finitas de uma maneira totalmente incompatível com o relacionamento autêntico e as incertezas e vulnerabilidades que isso acarreta.

Mais tarde veremos outra razão para supor que isso não é um problema, mas por agora podemos simplesmente apontar que, tendo ordenado as leis do processo de desenvolvimento e, portanto, sabendo o que acontecerá, Deus também pode suspender o conhecimento de algumas ou todas essas leis ou de algumas ou todas as suas consequências.

Não parece haver nada de incoerente nessa noção. Na verdade, não é diferente de uma noção de autolimitação Divina já aceita pelos filósofos da religião, envolvidos onde, por exemplo, eles falam de Deus precisando suspender certos poderes (ou seu exercício) a fim de permitir nosso livre arbítrio! Assim, parece que não temos base para falar de controle ou manipulação aqui apresentada pelo objetor.

(6) Talvez se afirme que em meu cenário determinístico permanece uma espécie lamentável de controle unilateral, uma vez que mesmo que Deus ordene as leis do processo e cuide para que elas nos levem cada vez mais longe, e mesmo se Deus suspende o conhecimento de como exatamente o processo se desdobrará, a coisa toda foi objetivamente configurada para funcionar da maneira que funciona, e inevitavelmente prosseguirá de acordo com o decreto divino.

O único relacionamento que isso torna possível entre Deus e as pessoas criadas é significativamente diferente do que existe entre indivíduos em um relacionamento genuíno e pessoal de reciprocidade e respeito. Mas essa sugestão apenas nos permite fazer um ponto mais profundo sobre qualquer relacionamento entre Deus e pessoas criadas – um ponto que mostra como as analogias que temos considerado realmente são inadequadas.

A força da analogia do hipnotizador, por exemplo, depende do contraste aqui trazido à mente, um contraste entre o relacionamento que o hipnotizador tem com o paciente quando determina suas respostas e o relacionamento mais igualitário e mútuo no qual ele poderia participar se não fizesse isso. Mas, no caso religioso, o contraste entre o controle dado pelo determinismo e a igualdade ou mutualidade dada pelo livre arbítrio deve inevitavelmente ser severamente diminuído ou desaparecer por completo.

Para ver isso, considere que em qualquer mundo criado por Deus, mesmo aquele que inclui seu livre arbítrio, as pessoas de quem estamos falando são criaturas e, portanto, a relação entre elas e Deus carece necessariamente de simetria de maneiras profundas e importantes: Deus cria pessoas finitas, mas pessoas finitas não criam Deus; o potencial das pessoas finitas e o número de maneiras pelas quais elas podem buscá-lo são determinados por Deus, mas as pessoas finitas não determinam nada assim para Deus.

A menos que o conhecimento divino seja suspenso, Deus sabe, mesmo que não precisamente o que as pessoas finitas farão, a exata disjunção de possibilidades, mas as criaturas finitas nunca podem ter uma compreensão similarmente abrangente do que Deus pode fazer.

Deus (consequentemente) tem ou pode ter “planos de contingência” com probabilidade de ser bem-sucedido para qualquer coisa que pessoas finitas façam, mas pessoas finitas não têm tais recursos ilimitados para gerenciar o relacionamento com Deus; a resposta apropriada das pessoas a Deus é aquela que inclui adoração, mas Deus não deve às criaturas nada desse tipo; e assim por diante.

E as formas em que a relação carece de simetria, como deveria ser evidente, mostram que algo muito parecido com o ‘controle’ lamentado pelo objetor é ineliminável de um relacionamento com Deus e deve simplesmente ser aceito por pessoas finitas – e de fato tornar-se parte da própria textura dessa relação, na medida em que seja devidamente entendida.

Em um relacionamento com um ser infinito que é a própria fonte de sua existência e natureza, as coisas sempre serão “configuradas” em grande medida e sempre deve haver um diferencial de poder bastante significativo. Mesmo para criaturas que têm livre arbítrio, tal relacionamento não pode em nenhuma circunstância possível ser algo como o relacionamento ‘igual’, ‘mutuamente influente’ e ‘mutuamente vulnerável’ que o hipnotizador poderia escolher ter com seu paciente se ele desistisse da ideia de hipnotizá-lo.

(7) Agora pode parecer que meus pontos, se corretos, provam que nenhuma relação pessoal autêntica entre pessoas finitas e Deus é possível se o que eu disse for verdade. Mas este não é o caso. Devemos simplesmente procurar analogias melhores. Em vez de pensar sobre o que é verdade sobre relacionamentos significativos entre nós e outros humanos adultos ao considerar o que um relacionamento pessoal “autêntico” com Deus pode envolver, podemos, por exemplo, ver como nos relacionamos com nossos filhos e como eles estão relacionados a nós. (Isso dificilmente pode ser visto como uma sugestão nova, dados os padrões bem conhecidos e típicos do discurso religioso sobre nossa relação com Deus.)

Somos, obviamente, responsáveis ​​por trazer nossos filhos ao mundo em primeiro lugar. E quando nos relacionamos com nossos filhos pequenos com um mínimo de psicologia infantil em mente, muitas vezes sabemos muito bem o que eles farão e como responderão a nós e aos outros em várias circunstâncias, ou pelo menos frequentemente sabemos a disjunção relevante de possibilidades: quando conhecem alguém novo ficam desconfiados ou preferem ficar perto de nós, quando temem nos procuram para consolar ou correm e se escondem, quando têm fome choram ou nos pedem comida, e assim por diante.

Nada disso nos impede de ter um relacionamento pessoal autêntico com nossos filhos, adequado aos nossos diferentes papéis e lugares no mundo. Esta relação é idealmente e de fato tipicamente expressa na disposição natural de um pai para alimentar, abrigar, vestir, amar, proteger, brincar e ensinar a criança, e na disposição natural da criança para receber e participar de todas essas coisas, e compartilhar com os pais uma vida que é estruturada por eles (observe que para os pais de uma criança pequena, portanto, há pouca ‘vulnerabilidade’ à rejeição que um Hickiano considerará essencial para o relacionamento pessoal).

E quando pensamos em termos dessa analogia, é muito menos provável que achemos significativas as mudanças que acompanhariam uma responsabilidade parental mais completa pela existência e natureza da criança. Suponha, por exemplo, que a criança seja o resultado de sofisticada engenharia genética iniciada pelos pais e, de fato, que a profundidade do conhecimento dos pais sobre a constituição da criança é tal que os pais estão potencialmente cientes de tudo que a criança fará (incluindo todas as suas respostas aos pais) na vida futura.

Não é evidente que um relacionamento pessoal autêntico entre pai e filho continua possível? (Poderíamos, se quiséssemos, supor que os pais decidem não acessar muito do que eles são capazes de saber, mas, curiosamente, isso não parece afetar significativamente a maneira como compreendemos o cenário aqui.)

E não é evidente que isso ocorre porque o relacionamento é estruturado por um tipo de compartilhamento que não é afetado por – e de fato requer – um papel e lugar no mundo muito diferentes para pais e filhos?

Pense na alegria daqueles momentos em que vivenciamos com nossos filhos as passagens usuais da vida (por exemplo, aprender a andar), ou os ajudamos a ver algo que nós mesmos conhecemos há muito tempo (por que o céu é azul, de onde os bebês vêm, quão grande é o universo conhecido) – algo que, dada a sua curiosidade, percebemos que os interessará e estimulará certas perguntas adicionais, muitas vezes facilmente previsíveis com antecedência. Certamente, existem alguns momentos profundamente significativos e autênticos de relacionamento pessoal aqui.

(8) Tudo isso sugere um modelo para entender o relacionamento pessoal autêntico entre o criador e a criatura bastante diferente do convencional – chame-o de modelo de compartilhamento. (Pode não ser, é claro, um modelo aplicável no mundo real, mas não estamos tentando fazer com que Deus se conforme com o mundo como o conhecemos – ou gostaríamos que fosse – mas para conformar nosso entendimento com a verdade sobre o que um criador Divino faria.)

Suponha que as ações moralmente más e a rejeição de Deus não fossem opções para pessoas finitas – que as pessoas foram criadas boas e bem dispostas em direção a seu criador dentro de um universo físico ou espiritual em evolução, sem mal, que foi projetado para estender para sempre a riqueza de sua experiência e oportunidades para esforços criativos.8

Suponha ainda que Deus fosse relacionado a cada pessoa finita ou a comunidades de tais pessoas como um pai está relacionado a seus filhos, ou – para usar um noção funcionalmente semelhante – de uma maneira análoga à relação existente entre uma professora extremamente sábia e seus discípulos, e que pessoas finitas receberam, desta forma, o privilégio de vir para ver e compreender e experimentar cada vez mais plenamente, através do tempo interminável, as maravilhas surpreendentes do universo e de seu criador infinitamente transcendente, e participar da evolução positiva do universo em direção a um estado que reflete cada vez mais plenamente a Divindade de seu criador.

Assim, podemos esperar que o trabalho e o desafio estejam envolvidos, embora não seja um trabalho e um desafio que gere sofrimento. Observe que um universo ‘inacabado’ não é o mesmo que um universo ruim, assim como uma casa inacabada não é o mesmo que um casa mal construída. O que, entre muitas outras coisas, é interessante sobre as pessoas – para si mesmas e, podemos supor, para qualquer criador Divino – é sua profunda capacidade de compreensão, autoconsciência e autorregulação, bem como para a atividade criativa (embora tais capacidades e as circunstâncias de seu exercício possam ser determinadas por estados anteriores).

Isso permite o crescimento e a mudança reflexiva e perspicaz em resposta à experiência de maneiras impossíveis para outras criaturas, e não importa se o livre arbítrio é exercido no processo ou não, e mesmo se não houver mal. Porque desses fatos, poderia haver uma interação profundamente interessante e significativa entre Deus e pessoas finitas em um cenário do tipo que descrevi, sem vontade própria e sem mal.

Nesse cenário, talvez, apenas Deus tem livre arbítrio, e as criaturas têm mais um motivo para responder com respeito e humildade a Deus. Nele, Deus expressa um desejo amoroso de compartilhar, criando e nutrindo pessoas finitas e facilitando seu desenvolvimento em alinhamento com a verdade.

Respeitando a natureza preciosa da vida pessoal, Deus permite que ela se desenvolva como quiser, governada, talvez, apenas por uma disposição de se tornar e permanecer conformado à verdade – uma disposição que, no sentido não evolutivo, apropriada a um infinito e insuperável grande criador, governa a vida de Deus também. Por que devemos supor que este cenário seja inferior a outro que inclui o livre arbítrio das criaturas?

(9) “Um cenário interessante”, dirá meu crítico, “e que se parece muito com o paraíso! Mas um relacionamento envolvendo o livre arbítrio da criatura, exercido em um mundo hostil que, por meio de esforço heroico e, sim, sofrimento, ela tem a oportunidade de domar, e que é finalmente seguido pelo Céu, é melhor do que você tem em mente. Em particular, é melhor para a criatura. Mesmo que um relacionamento pessoal autêntico com Deus não necessite de tal prelúdio, ainda é verdade que criaturas finitas recebem um privilégio muito mais generoso e podem atingir um grau muito mais alto de dignidade se receberem tal liberdade e responsabilidade do que de outra forma. E certamente essas são boas razões para supor que um criador amoroso daria a pelo menos algumas criaturas o livre arbítrio em um mundo como o nosso antes de dar-lhes um mundo do tipo que você descreveu.”9

Como devemos responder a este argumento? Bem, a interpretação mais generosa do que o crítico tem a dizer sobre generosidade e dignidade nos faria considerar que talvez Deus possa criar seres mais dignos e exercer mais generosidade, criando pessoas que a princípio possuem livre arbítrio do que o contrário (é claro que se Deus cria criaturas que nunca possuem livre arbítrio, elas não teriam sido beneficiadas se Deus tivesse escolhido de outra forma, pois de outra forma elas não existiriam).

Mas os resultados aos quais já chegamos, considerados cuidadosamente, juntamente com um ponto simples, embora geralmente despercebido, sobre o conhecimento de Deus, sugerem que essa afirmação é falsa. Como já observamos, os seres que Deus pode criar que nunca possuem livre arbítrio incluem criaturas verdadeiramente maravilhosas, que têm o privilégio maravilhoso de experimentar uma consciência mais irrestrita e um conhecimento mais constante da verdade sobre si mesmos, seu ambiente e seu criador desde o início (e há, portanto, uma maneira em que eles são privilegiados e têm uma dignidade que é negada à maioria dos humanos no mundo real).

Aqui também podemos pensar novamente sobre a conclusão que tiraríamos sobre nós mesmos se fosse descoberto que não temos livre arbítrio. Pensaríamos que nós mesmos – estaríamos certos em pensar que nós mesmos – não temos aspectos relevantes nesse caso? Não poderíamos mais dizer, se formos religiosos, que Deus nos fez apenas “um pouco menores do que os anjos” e nos coroou com “glória e honra” (Salmo 8: 5)?

Certamente não. Certamente, o nascimento de uma criança humana e nosso reconhecimento de sua incrível complexidade e do potencial que ela deve realizar à medida que cresce continuaria a nos encher de admiração. (Aqui, alguém pode interpor que, em um cenário do tipo que esbocei, ninguém iria crescer além do nível da infância – que em tal cenário as pessoas finitas seriam impedidas de crescer até chegar à idade adulta em relação a Deus.

Mas a noção de uma “criança” que estou usando está, naturalmente, sendo usada metaforicamente, e na medida em que formos humildes, talvez reconheçamos o status metafórico de uma criança como apropriado para as vastas diferenças entre nós e qualquer Criador Divino. Devemos também reconhecer que é bastante compatível com todos os tipos de desenvolvimento e maturação normalmente associados ao uso literal do termo ‘adulto’ – e, de fato, com mais do que estes, pois estamos pensando no crescimento eterno do conhecimento e da sofisticação de suas respostas.)

Agora, sem dúvida, o livre arbítrio + Céu seria um grande bem para qualquer um que o possuísse. Mas grande valor também é percebido por aqueles que são naturalmente e espontaneamente bons e diligentes desde o início, e cujas vidas são continuamente enriquecidas por experiências e conhecimentos novos e diversos. É apenas um tipo diferente de bondade.

Observe que qualquer avaliação de valor comparativo aqui deve se referir a mais do que apenas a forma como as escolhas são feitas: em particular, o cenário que desenvolvi deve ser considerado como um estado total de coisas em que o livre arbítrio pode estar ausente, mas muitos outros bens estão presentes. A tendência dos escritores do passado de se concentrar exclusivamente no valor de diferentes tipos de escolhas e ações, penso eu, contribuiu para chegar a um falso senso da importância do livre arbítrio.

Adicione a isso agora o ponto muito importante sobre conhecer a Deus, mencionado anteriormente. O que é importante ver aqui é que se as criaturas estão crescendo na experiência de Deus, elas estão experimentando e conhecendo cada vez mais plenamente uma realidade insuperavelmente profunda e rica. E o privilégio envolvido em qualquer forma de experimentar uma intimidade perene e sempre crescente com uma realidade insuperavelmente profunda e rica é tão grande, pode-se dizer, que torna ridiculamente irrelevante se aqueles que a experimentam o fazem livremente ou não.

Qualquer pessoa concedida a tal privilégio verá corretamente o que mais profundamente os beneficia e os dignifica como ligados a esse privilégio, não a este ou àquele fato de sua própria natureza (exceto na medida em que os mova mais decisivamente para Deus).

Na verdade, parece que, embora um relacionamento marcado pelo livre arbítrio humano seja um estilo de relacionamento que Deus pode ser livre para escolher, desde que a intimidade com Deus não seja excluída por diferentes estilos de relacionamento, este último não poderia ser razoavelmente considerado inferior. (Lembre-se de que estamos falando de intimidade eterna e crescente com grandeza insuperável aqui.)

Mas então temos uma razão ainda mais forte para inferir que o valor realizável por criaturas sem livre arbítrio não seria superado pelo valor a ser associado ao livre arbítrio, razão que, juntamente com os outros pontos anteriormente aduzidos, põe essa afirmação totalmente fora de dúvida.

2. Um mundo sem defesa do livre-arbítrio

Se o que venho argumentando está no caminho certo, então devemos aceitar certas repercussões sérias para a famosa defesa do livre-arbítrio contra o argumento do mal. Em outro lugar, eu defendi uma forma do último argumento, alegando que se o bem mais profundo para pessoas finitas é realizável sem a permissão de sofrimento horrível – o que, dadas as possibilidades de relacionamento com Deus recém-levantadas, parece claramente ser o caso – então Deus não permitiria tal sofrimento.

Baseando-se na defesa do livre-arbítrio, desenvolvida por Hick e também, à sua maneira, por Richard Swinburne e Alvin Plantinga, alguém pode tentar uma resposta da seguinte maneira:

“Para que os seres pessoais alcancem o que é verdadeiramente o seu bem mais profundo no relacionamento com Deus, eles devem ter livre-arbítrio – isto é, deve ser em uma extensão considerável (e de uma maneira incompatível com o determinismo) para que eles desenvolvam suas vidas para o bem ou para o mal e como isso afeta a vida e o desenvolvimento semelhante de outras pessoas, e deve ser em uma extensão considerável a eles se responderem com amor e confiança a Deus.

Mas então sempre será possível que o mundo que Deus cria inclua um sofrimento horrível, por causa das maneiras lamentáveis ​​pelas quais as criaturas pessoais naquele mundo escolhem exercer o livre-arbítrio – o que significa que talvez Deus não possa fornecer a qualquer ser criado o que eles precisam para alcançar seu bem mais profundo sem permitir um sofrimento horrível. ”

Como mostro em outro escrito ainda não publicado, este argumento é falho em parte porque pessoas finitas podem ter um livre-arbítrio profundamente significativo, envolvendo muita responsabilidade moral e espiritual, mesmo em um mundo em que as escolhas que levam ou resultam do sofrimento horrível não estejam abertas a elas.

Assim, mesmo supondo que tal livre-arbítrio represente uma condição necessária de seu bem mais profundo, o argumento do sofrimento horrível pode ser defendido com sucesso contra a defesa do livre-arbítrio. Mas se meus argumentos neste ensaio estiverem corretos, então essa suposição comum e amplamente aceita pode ser questionada e, de fato, pode ser considerada falsa.

O livre-arbítrio não é uma condição necessária para o bem mais profundo das pessoas finitas em um mundo criado por Deus. Embora não haja dúvida de que vários bens familiares associados ao livre-arbítrio e um relacionamento com Deus mediado por eles podem facilitar grandes coisas para os seres pessoais, também é evidente que um relacionamento eterno e cada vez maior com Deus mediado de várias outras maneiras – incluindo a maneira que esbocei acima – dificilmente poderia ser considerado inferior. Segue-se que a defesa do livre-arbítrio é completamente impotente em face de um argumento adequadamente construído sobre o sofrimento horrível.

Mas há, como se constata, também uma consequência mais ampla e mais profunda para a defesa do livre-arbítrio, que deve afetar até mesmo as opiniões daqueles que não aceitam meu argumento do sofrimento horrível.

Pois, dado o risco óbvio de sofrimento sério associado ao fato de permitir o livre-arbítrio no mundo, um criador amoroso certamente não o faria a menos que houvesse pelo menos alguma chance de que a contribuição do valor do livre-arbítrio fosse maior do que a contribuição do valor de estados de coisas alternativos, envolvendo um risco menor do mal que Deus seria capaz de produzir.10

Somente assim o risco adicional do mal dado gratuitamente seria justificado. E, como aprendemos, esta condição não pode ser satisfeita: a opção que envolve nenhum livre-arbítrio e nenhum mal pode ser claramente instanciada de forma a contribuir para o valor total tanto quanto um estado de coisas envolvendo livre-arbítrio.

Segue-se que Deus não aprovaria o livre-arbítrio e que a defesa do livre-arbítrio não pode nem mesmo começar como uma defesa contra a força ateísta do sofrimento sério.

Uma apresentação mais formal deste argumento pode parecer desejável. Deixe ‘F’ representar o estado de coisas que consiste em pessoas finitas que possuem e exercem o livre-arbítrio. Deixe ‘p’ representar ‘Deus existe’; ‘Q’ para ‘F obtém’; ‘R’ para ‘F representa um sério risco do mal’; e ‘s’ para ‘Não há opção disponível para Deus que contraponha F.’ Com isso em vigor, o argumento pode ser formalizado da seguinte maneira:

(1) [(p & q) & r] → s     Premissa

(2) ∼s                             Premissa

(3) ∼[(p & q) & r]         1, 2 MT

(4) ∼(p & q) v ∼r          3DM

(5) r                                 Premissa

(6) ∼(p & q)                   4, 5 DS

(7) ∼p v ∼q                   6DM

(3) decorre da conjunção de (1) e (2) pelo modus tollens; A lei de De Morgan aplicada à (3) resulta em (4); (4) e (5) juntos levam a (6) por silogismo disjuntivo; e outra aplicação da lei de De Morgan nos leva de (6) à conclusão final, de acordo com a qual Deus existe ou existe livre-arbítrio (mas não ambos).

Portanto o argumento tem uma forma válida. Mas e quanto às premissas. Podemos dizer mais alguma coisa em seu apoio?

Bem, a premissa (1) recebe apoio da afirmação muito plausível e comumente aceita de que qualquer bem pelo qual Deus permite o mal deve ser pelo menos um bem igualmente grande – tal que o mundo é pelo menos tão bom quanto o mal e este bem, pois não seria sem nenhum dos dois.11

Para ver que sim, observe que se houver uma opção contrária, então Deus pode obter tanto bem quanto é potencialmente realizado através de F sem tanto risco do mal, e talvez com nenhum mesmo. Mas então, se existe tal opção, o mundo no qual F obtém junto com os riscos concomitantes é menos bom do que um mundo alternativo que Deus pode realizar, o que significa que F não é pelo menos um bem igualmente grande.

Mas se F não é pelo menos um bem igualmente grande, então, de acordo com a reivindicação que estamos pedindo em nosso apoio, Deus não terá nada a ver com F e com o mal que ele pode envolver. Portanto (por silogismo hipotético), se houver uma opção contrária, Deus não terá nada a ver com F e com o mal que pode envolver. Mas então (por contraposição) se Deus aceita F e o mal que ele pode envolver, não há opção contrária – que é o que diz a premissa (1).

Assim, a premissa (1) parece bastante plausível. E quanto às premissas (2) e (5)?

Bem, como vimos, a verdade de (2) segue das várias considerações avançadas na seção anterior deste artigo: se o que dissemos lá está correto, então há de fato uma opção que se opõe a F – a saber, aquela em que Deus adota o modelo de compartilhamento de relacionamento pessoal com pessoas finitas.

Como notamos, se Deus assim o fizer, um grau de valor não menos grande do que aquele que pode ser obtido por meio de qualquer forma de livre-arbítrio seria realizado nas vidas de pessoas finitas criadas por Deus, e sem mal de qualquer espécie. Mas por que focar em pessoas finitas dessa maneira? Estou assumindo ilegitimamente que a única diferença relacionada a valores feita pelo livre-arbítrio é aquela que envolve tais pessoas?

Para responder a isso, podemos observar que os defensores do livre-arbítrio sempre afirmaram que o valor do livre-arbítrio que enfatizam reside em sua contribuição para o valor da vida de pessoas finitas e para a possibilidade de um tipo valioso de relacionamento entre eles e qualquer Deus,12 e observe também a plausibilidade de sua afirmação.

Observe que pode ser interpretado como uma grande (e inclusiva) afirmação disjuntiva: o valor em questão não precisa ser visto como restrito àqueles que sofrem por causa do livre-arbítrio ou a pessoas que têm livre-arbítrio ou mesmo a pessoas em nosso planeta! O que a afirmação diz é que o livre-arbítrio tem valor se e somente se alguém se tornar melhor ou beneficiado por ele. E nesta forma parece ser uma afirmação irrepreensível.

Resta, então, defender a verdade da premissa (5) – e essa não é uma tarefa difícil. Pois dar livre-arbítrio a pessoas finitas deve sempre acarretar um sério risco. Na verdade, os filósofos que defendem o livre-arbítrio admitirão que o risco em questão obviamente se transformou na mais perturbadora realidade do mundo real. A premissa (5) é, portanto, verdadeira – caso em que nosso argumento não é apenas válido, mas sólido.

Isso produz alguns resultados bastante interessantes, com os quais concluo. Primeiro, a visão consensual mencionada no início deste artigo, que um Deus que criou pessoas daria (pelo menos a algumas delas) o livre-arbítrio, deveria perder esse status, pois parece ser falso. Mas podemos ir mais longe. Pois a maioria de nós acredita que o livre-arbítrio prevalece.

Mas se for assim, então somos vulneráveis a um simples silogismo disjuntivo envolvendo esta proposição e a conclusão, (7), de nosso argumento acima, que gera a conclusão adicional de que Deus não existe. E assim vemos como a reflexão de mente aberta sobre o livre-arbítrio, longe de levar a uma defesa impressionante do teísmo, simplesmente sugere outra razão para negar que seja verdade.

Notas

1. Refiro-me aqui ao livre-arbítrio incompatibilista. O fato de uma ação ser o resultado do exercício do livre-arbítrio, neste sentido, é incompatível com a sua determinação por condições anteriores fora do controle do agente. Devo assumir, com o resto da filosofia da religião, que o livre-arbítrio em questão é o livre-arbítrio moralmente significativo, o livre-arbítrio que permite escolhas tendo um impacto significativo sobre como o mundo funciona (embora não necessariamente tão profundo e preocupante como parece que o livre-arbítrio é no mundo real – isso para não excluir aqueles (parte do consenso) que dizem que Deus daria o livre-arbítrio às pessoas finitas, mas também o restringiria de alguma forma que não é realmente realizada).

2. Veja “Evil and the God of Love” (Londres: Macmillan Press, 1985), pp. 271–275. Hick (p. 266) vai mais longe ao sugerir que os indivíduos sem livre-arbítrio não podem realmente ser pessoas, mas (em parte, sem dúvida, com base nas considerações que apresento imediatamente abaixo) poucos o seguiriam nesta ideia, e ignorei essa sugestão em minha caracterização do argumento.

3. Veja Antony Flew, “Divine Onipotence and Human Freedom,” em New Essays in Philosophical Theology, eds. Antony Flew e Alasdair MacIntyre (Londres: S.C.M. Press, Ltd., 1955) e J.L. Mackie, “Evil and Omnipotence,” Mind 64 (1955). Um defeito da abordagem de Flew e Mackie, a meu ver, é que ela busca encontrar o teísta em seu próprio campo de jogo – onde uma ênfase em algum tipo de liberdade e no caráter moral é um pré-requisito da participação – em vez de convidar o teísta a um outro campo de jogo, do qual uma variedade de bens que nos levam além do caráter moral e não requerem livre-arbítrio podem se tornar visíveis.

4. Veja, por exemplo, Robert M. Adams, “Plantinga on the Problem of Evil,” em Alvin Plantinga, eds. James E. Tomberlin e Peter van Inwagen (Dordrecht: D. Reidel Pub. Co., 1985), p. 228.

5. Digo “talvez” para sublinhar o fato de que um Deus onipotente e não-físico presumivelmente não estaria restrito às opções físicas ao pensar sobre que tipo de mundo as pessoas finitas deveriam habitar.

6. Um objetor anônimo responde ao argumento deste parágrafo dizendo que, embora o agente não possa ser levado a fazer o que ele poderia escolher evitar, ainda é o caso de que ele “é causado por fatores sobre os quais ela não tem controle para ter a natureza que ela tem e querer fazer as coisas que faz”, e que este ponto – talvez o ponto central que Hick e outros estão tentando fazer – pode ter força mesmo se o exemplo do hipnotizador não estiver certo. Eu respondo da seguinte forma. O exemplo do hipnotizador é comumente usado e comumente considerado como forte e, portanto, precisa ser exposto como inadequado por qualquer pessoa com meus objetivos argumentativos. É disso que trata este parágrafo. E a questão mais geral de “controle” que permanece quando isso é feito é abordada diretamente nos pontos 6 a 9 abaixo. Aqui eu acrescentaria que se as pessoas sendo causadas por fatores sobre os quais não têm controle para ter a natureza que têm e querer fazer as coisas que fazem é um problema, então mesmo um cenário incluindo o livre-arbítrio humano deve ser problemático, uma vez que os agentes cuja natureza é ser livre, se criados por Deus, também são ‘causados ​​por fatores sobre os quais eles não têm controle para ter a natureza que possuem’, e eles não escolhem mais suas necessidades do que aqueles que não são livres. Nem, podemos acrescentar, o alcance de sua liberdade é escolhido por eles. Observe que as criaturas livres podem desejar livrar-se de sua liberdade (ou do tipo de liberdade que possuem), mas sem ser capazes de fazê-lo, se isso estiver escrito em sua natureza. A liberdade também, em certo sentido, restringe. Na verdade, como os pontos abaixo revelam de forma mais completa, uma relação assimétrica entre o criador e o criado em que o primeiro tem muito “controle” sobre o último é absolutamente inevitável.

7. Este ponto parece não ter sido percebido por, entre outros, Richard Swinburne em seu recente Providence and the Problem of Evil (Oxford: Clarendon Press, 1998), p. 195.

8. Muitos argumentaram que, se houvesse um Deus, haveria menos livre-arbítrio e menos mal. Mas é difícil ser claro ao discutir esses cenários – onde devemos traçar os limites? Em vez disso, será interessante reconsiderar os méritos de um mundo sem qualquer livre-arbítrio e sem nenhum mal, e aplicar os resultados desta discussão ao problema do mal.

9. Veja, por exemplo, Swinburne, Providence, passim.

10. Meu termo “sério” nesta frase deve ser interpretado como indicando uma categoria de sofrimentos mais ampla do que aquela denominada por “horrível” – a categoria de sofrimentos, digamos, que de alguma forma interfere significativamente com o bom funcionamento do sofredor na vida cotidiana.

11. É interessante como os filósofos da religião usam repetidamente tais noções sem sentir qualquer obrigação de considerar em qualquer detalhe como as coisas poderiam ser de outra forma, isto é, explorar a enorme disjunção de possibilidades compatíveis com a ausência dos vários bens que enfatizam e os males associados. Este ensaio representa o início de uma tentativa de cumprir essa obrigação.

12. E aqui devemos, é claro, assumir que tal relacionamento não torna a vida de Deus melhor do que seria de outra forma. Mas isso parece resultar do fato de Deus ser, pela própria natureza de Deus, insuperavelmente grande, e da ideia geralmente aceita de que se Deus cria, é por meio de um transbordamento de bondade e não para atender às necessidades divinas. (Mesmo que isso não fosse aceito, para atender às necessidades de nosso argumento, teríamos apenas que dizer que a vida de Deus é tão melhorada por um tipo de relacionamento compartilhado com pessoas finitas quanto por alguém envolvendo seu livre-arbítrio; e não é difícil ver como tal afirmação pode ser defendida.)

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