Autor: Quentin Smith

[Retirado da Cambridge Companion to Atheism, editado por Michael Martin e traduzido por Desidério Murcho. Você pode comprar o livro em português aqui]

1. Introdução

Os argumentos cosmológicos a favor da existência de Deus têm duas partes. A primeira visa estabelecer a existência de uma causa para o universo. A segunda visa estabelecer que esta causa é Deus ou o ato de criação de Deus. O meu objetivo é mostrar que esta segunda parte “teísta” não é sólida e que há uma segunda parte “ateia” sólida que mostra que o universo se causa a si mesmo. Os argumentos cosmológicos e teleológicos são dois tipos de argumentos a favor da existência de Deus. São diferentes de outros tipos por serem sobre todo o universo; o argumento cosmológico procura estabelecer uma explicação causal da razão pela qual existe um universo, e o argumento teleológico procura encontrar uma explicação da natureza planeada ou aparentemente planeada do universo. Deste modo, diferem dos argumentos ontológicos e conceptuais, que são a priori, e dos argumentos baseados na experiência mística, consciência moral e consciência humana. Os argumentos cosmológicos e teleológicos são sobre fatos empíricos do universo, os argumentos místicos, morais e baseados na consciência são sobre fatos empíricos com respeito aos seres humanos, e os argumentos ontológicos e conceptualistas dispõem-se a deduzir a existência de Deus de conceitos a priori apenas, sem precisar de qualquer dado observacional sobre o universo. Os argumentos tradicionais cosmológicos são de três tipos. Um é o argumento kalam, que procura estabelecer a existência de uma causa do princípio do universo e que esta causa é Deus. Os argumentos tomistas procuram estabelecer a existência de uma causa que sustenta o universo a cada momento do tempo. O argumento cosmológico de Leibniz é que a totalidade da série de seres contingentes (que constituem o universo) exige uma causa externa que não seja contingente, mas sim necessária. O argumento cosmológico kalam é muitas vezes formulado deste modo:
  1. O que começa a existir tem uma causa.
  2. O universo começou a existir.
  3. Logo, o universo tem uma causa.
Dado que o elemento decisivo que parece introduzir a exigência de causalidade é algo começar a existir, o argumento procura estabelecer que o começo da existência do universo não é destituído de causa. As discussões do argumento centram-se tipicamente numa causa do começo da existência do universo. Dado que isto fica implícito no modo mais ou menos vago de formular a conclusão, podemos torná-lo mais preciso tornando o seu significado explícito, nomeadamente, que o começo da existência do universo tem uma causa. Não é óbvio, em qualquer direção da argumentação, se o universo precisa ou não de uma causa para continuar a existir, dada a maneira vaga como se formula a conclusão 3; por isso, concentro-me no que o argumento implica obviamente, nomeadamente, que há uma causa do começo da existência do universo. É isto que William Lane Craig (2002: 69) queria dizer quando recentemente denominou o argumento como “o kalam cosmológico a favor de uma Primeira Causa do começo do Universo.” O argumento cosmológico kalam foi formulado pela primeira vez na escolástica medieval islâmica, e foi ressuscitado desde 1979, quando Craig publicou The Kalam Cosmological Argument, constituindo-se desde então um tópico comum de discussão. Este argumento atraiu muito mais interesse do que consenso, mesmo entre filósofos teístas da religião. A razão é aparentemente que muitos teístas não aceitam o argumento de Craig de que o passado é necessariamente finito e consequentemente que o universo tem de começar a existir, e muitos teístas não têm tanta confiança quanto Craig de que a primeira premissa, que afirma que “tudo o que começa a existir tem uma causa,” é “obviamente verdadeira.” Não obstante, uma contagem dos artigos em revistas de filosofia mostra que se publicaram mais artigos sobre a defesa de Craig do argumento kalam do que sobre qualquer outra formulação filosófica contemporânea de um argumento a favor da existência de Deus. Surpreendentemente, isto aplica-se até ao argumento de Plantinga a favor da aceitabilidade racional do argumento ontológico e também ao seu argumento de que o teísmo é uma crença básica racionalmente aceitável. O fato de tanto os teístas quanto os ateus “serem incapazes de deixar em paz o argumento kalam de Craig” sugere que poderá ter um interesse filosófico pouco usual ou então que tem um núcleo atraente de plausibilidade que leva os filósofos a regressarem uma vez e outra ao argumento, para voltarem a examiná-lo. Não seguirei por uma das vias habituais exploradas pelos críticos, nomeadamente, argumentar que o passado pode ser infinito ou que não é óbvio que seja o que for que começa a existir tem uma causa. Já fiz isto alhures (Craig e Smith 1993). Ao invés, vou aceitar a primeira parte do argumento kalam, as partes 1–3, e discordar da segunda parte, o argumento de que a primeira causa é Deus. Mas divirjo de Craig por aceitar 1–3 por razões empíricas e não por razões a priori. Formula-se a teoria geral da relatividade de Einstein chamando-lhe “cosmologia do Big Bang,” sendo esta usada para explicar as observações de que o universo começou a existir há cerca de quinze mil milhões de anos numa explosão muitíssimo pequena de matéria e energia densamente concentradas. Esta matéria e energia estavam tão densamente concentradas que eram mais pequenas do que um elétron. Devido à força explosiva do Big Bang, o universo começou a expandir-se e está em expansão desde então. Os pedaços de matéria aglomeraram-se e tornaram-se estrelas e galáxias. A teoria desta explosão do Big Bang implica que o universo é causalmente determinista, isto é, que cada estado do universo é suficientemente causado por um estado anterior. Nesta base, posso aceitar a premissa 1, que o que começa a existir tem uma causa, com base nos indícios empíricos a favor das leis empíricas da natureza da chamada “cosmologia do Big Bang.” (A interpretação de Bohm da mecânica quântica é causalmente determinista; dado que sustento esta interpretação (Smith 2003), não preciso preocupar-me com “acontecimentos quânticos incausados.”) Posso também aceitar que o universo começou a existir, porque as observações nos dizem que começou; mas não aceito os argumentos a priori de Craig a favor da ideia de que um passado infinito efetivo é impossível. O meu objetivo é mostrar que a causa do começo do universo, que tanto Craig como eu concordamos que existe, tem uma natureza diferente da que Craig pensa. Argumento que a causa do começo do universo não é Deus, mas o próprio universo. Mais precisamente, argumento que o começo da existência do universo se causa a si mesmo. Diz-se muitas vezes que “nada pode causar a sua própria existência.” Concordo com esta frase no sentido em que é habitualmente usada. Mas discordo desta frase se exprimir um sentido diferente, em particular, um sentido diferente de “causar a sua própria existência.” Neste segundo sentido, “própria” refere-se a um todo de partes, e não a um ser simples. A elucidação deste segundo sentido de “causar a sua própria existência” ou “causa-se a si mesmo” ocupa a maior parte deste capítulo. A minha conclusão é que o argumento cosmológico kalam, quando se formula de uma maneira consistente com a ciência contemporânea, não é um argumento a favor da existência de Deus, mas um argumento a favor da inexistência de Deus, e um argumento a favor de uma explicação ateia completa do começo da existência do universo. Chamemos ao começo do universo C. O meu argumento cosmológico kalam tem como conclusão que o começo da existência do universo se causa a si mesmo. “C causa-se a si mesmo” não quer dizer o mesmo que “C causa C,” mas quer dizer o mesmo que “cada parte de C é causada por partes anteriores de C, a existência de C é logicamente implicada pela existência das suas partes, e o que causa a exemplificação das leis básicas que estas partes exemplificam são as partes anteriores que também exemplificam essas leis.”

2. O começo da existência do universo

As ciências físicas indicam que o universo começou a existir com um Big Bang, uma explosão de matéria e energia que ocorreu há cerca de quinze mil milhões de anos. A questão que o teísta e o ateu enfrentam é esta: Qual é a causa desta explosão? Um ateu pode defender que é incausada, como eu pensava (Smith 1988, 1994; Smith e Craig 1993), mas se o teísta puder formular uma explicação causal de peso da explosão do Big Bang, então o ateu deveria acreditar que o Big Bang teve realmente uma causa. Segundo a ciência física contemporânea, em particular a cosmologia do Big Bang, não há um primeiro instante t = 0. Se houvesse tal instante primeiro, o universo existiria num estado impossível nesse instante; todo o universo espacial tridimensional ocuparia ou existiria num ponto sem dimensão espacial. Tal estado de coisas seria descrito por proposições matemáticas destituídas de sentido. Por exemplo, em t = 0 a densidade da matéria do universo seria (para dar um exemplo simplificado) da forma de vinte e cinco gramas por unidade zero de espaço, ou seja, 25/0. Mas isto é uma frase matemática destituída de sentido, dado não existir qualquer operação matemática de dividir por zero. A alegada fracção 25/0 não é um número mas meramente marcas num papel, dado não existir qualquer fracção que tenha zero como denominador e que tenha um número positivo como numerador. O universo começou a existir depois do hipotético tempo t = 0. Um instante é um ponto temporal, isto é, um momento sem duração. Um estado instantâneo do universo é um estado que existe por um instante. Um intervalo de tempo é um conjunto de instantes, na verdade, um número infinito de instantes. Segundo a cosmologia do Big Bang, o tempo é contínuo, o que significa que a cada número real (número decimal) corresponde um instante diferente do intervalo. Os intervalos são demarcados em momentos de várias durações, por exemplo, anos, horas, minutos e segundos. Um estado do universo com extensão temporal ocupa um dado intervalo de tempo; por exemplo, podemos falar do primeiro estado da existência do universo com a duração de uma hora. Um intervalo é fechado se tiver dois pontos-limite: um instante que seja o primeiro do intervalo e um instante que seja o último do intervalo. Se o intervalo de uma hora do meio-dia às 13 horas for fechado, o seu primeiro instante é o instante denotado por “meio dia” e o seu último instante é o instante denotado por “13 horas.” Um intervalo é semiaberto na direção da anterioridade se não tiver um primeiro instante. Se apagarmos o instante denotado por “meio-dia” da hora mencionada, seria uma hora semiaberta na direção da anterioridade. A primeira hora seria fechada se o primeiro instante hipotético, t = 0, existisse efetivamente. Mas dado que não existe, a primeira hora é semiaberta na direção da anterioridade. Eu uso a ideia da cosmologia do Big Bang de que a primeira hora (minuto, segundo, etc.) da existência do universo é semiaberta na direção da anterioridade. Isto significa que não existe um instante que corresponda ao número zero no intervalo da linha real que contém um infinito (contínuo) de números maiores que zero e menor que um ou um: 0 > x 1. Se o tempo for contínuo, então não há um primeiro instante x que se suceda imediatamente ao hipotético “primeiro instante,” t = 0. Isto porque entre quaisquer dois instantes, há um número infinito de outros instantes. Se “eliminarmos” o instante t = 0 que corresponde a 0 no intervalo 0 > x 1, não encontraremos um dado instante que se siga imediatamente ao instante “eliminado” t = 0. Por exemplo, o instante y que corresponde ao número 0,5 não pode ser o primeiro, dado que entre o número 0 e o número 0,5 há um número 0,25 e um dado instante z que corresponde a 0,25. O mesmo acontece com qualquer outro número no intervalo 0 > x 1.

3. O argumento Kalam de Craig a favor do teísmo

Esta perspectiva dos instantes, intervalos e começo do universo dá-nos suficiente informação para ver por que o argumento cosmológico kalam a favor do teísmo não é sólido. Considere-se o modo como Craig procura justificar a primeira metade do argumento cosmológico kalam a favor do teísmo (ou do ateísmo). Ou seja, as três frases formuladas no início deste capítulo, nomeadamente 1) o que começa a existir tem uma causa, 2) o universo começou a existir; e a inferência que conclui 3) o universo tem uma causa (sugerindo que o começo da existência do universo tem uma causa). Vou estabelecer duas ideias nesta secção. Primeiro, a teoria de Craig é inconsistente com a cosmologia do Big Bang, que é a teoria que Craig usa no seu argumento empírico a favor da tese de que o universo começou a existir. Segundo, a teoria da matemática de Craig é falsa a priori, o que torna a sua interpretação do argumento kalam falso por necessidade lógica, independentemente do que sejam os fatos empíricos. Vou explicar primeiro por que é a teoria de conjuntos uma parte essencial da cosmologia do Big Bang e como daqui se segue a refutação do argumento empírico de Craig a favor do começo do universo. Considere-se o primeiro estado da existência do universo com um segundo de duração. Este intervalo é um conjunto. Dado que este conjunto tem um número infinito de membros efetivamente, é inconsistente com a teoria de Craig, pois Craig pensa que haver um infinito efetivo é “metafisicamente impossível.” A seguir menciono várias palavras técnicas, como “lógica de predicados de ordem superior,” “variedade” e “topologia.” Não é necessário entender estas palavras ou expressões para compreender o meu argumento. É suficiente saber que a teoria de Craig é inconsistente com os conceitos expressos por estas palavras ou expressões. Segundo a cosmologia do Big Bang e a teoria geral da relatividade de Einstein, o universo tem uma topologia, que é um conjunto de subconjuntos efetivamente infinitos que têm certas relações entre si. Estas teorias afirmam também que o universo é uma variedade contínua, que é um conjunto de um infinito efetivo, especificamente, pontos contínuos efetivos. O universo tem também uma métrica, que demarca o tempo em intervalos de várias extensões: horas dias, anos e assim por diante. Os intervalos demarcados pela métrica são conjuntos de instantes em número contínuo efetivamente infinito. Além disso, a métrica exige uma variedade e topologia efetivamente infinitas e contínuas. Na teoria da relatividade e na cosmologia do Big Bang, uma métrica é definida num ponto (em termos de um ponto) num contínuo efetivamente infinito. Craig nega a existência de um infinito contínuo. A sua teoria implica que não pode haver uma estrutura topológica do universo efetivamente infinita, que não pode haver uma variedade efetivamente infinita, que não pode haver uma métrica definida num ponto num contínuo efetivamente infinito de pontos, e assim por diante. A cosmologia do Big Bang implica que há uma variedade, topologia e metrificação efetivamente infinitas. Segue-se logicamente que as frases da sua versão do argumento kalam (e.g., “O universo começou a existir”), sob a interpretação de Craig do seu conteúdo semântico, exprimem proposições muitíssimo desconfirmadas. A teoria de Craig de que só há um “infinito potencial” torna também a sua teoria inconsistente com a ciência física contemporânea, especificamente, com a cosmologia do Big Bang. Acresce que o argumento a priori de Craig a favor de um infinito meramente potencial é autocontraditório. Craig está comprometido com a contradição “x tem uma potencialidade para ser infinito” e “x não tem uma potencialidade para ser infinito.” Isto porque a possibilidade ou potencialidade de x se vir a realizar não pode realizar-se porque se o fosse haveria um infinito efectivo. Craig menciona esta contradição mas parece pensar que a mera negação de Aristóteles, em poucas frases, e que é uma petição de princípio, resolve o problema. Escreve Aristóteles [Física, 3.6.206]:
O infinito tem uma existência potencial. Mas a expressão “existência potencial” é ambígua. Quando falamos da existência potencial da estátua, queremos dizer que haverá uma estátua efectiva. No caso do infinito não é assim. Não haverá um infinito efetivo.
Se ao dizer que o infinito tem uma existência potencial não queremos dizer que pode existir efetivamente, o que poderia “potencial” querer dizer? Isto é trocar uma teoria autocontraditória por uma teoria ininteligível. Se “potencial” tem um sentido especial para o caso do infinito, podemos perguntar o que se está a dizer com “o infinito tem uma existência potencial […] Não haverá um infinito efectivo.” Não é possível dar qualquer sentido à afirmação de que o infinito tem uma existência “potencial.” Mas afirma-se que “não haverá um infinito efectivo.” Isto implica que em todos os casos só há em ato seres ou coisas finitas. Mas Craig afirma que “finito” não quer dizer “potencialmente infinito.” Uma vez mais, ou isto é autocontraditório ou ininteligível. Se a teoria de Craig foi empiricamente desconfirmada e é logicamente autocontraditória, não levanta qualquer obstáculo à construção de um argumento cosmológico kalam a favor do ateísmo.

4. O argumento cosmológico Kalam a favor do Ateísmo

Todo o estado instantâneo do universo que corresponda a um número situado no intervalo 0 > x 1 foi precedido e causado por estados instantâneos anteriores. Não há qualquer estado instantâneo no primeiro segundo semiaberto, ou no primeiro milionésimo de segundo semiaberto, que não tenha sido causado. Dado que o começo da existência do universo é os estados instantâneos que são membros de um intervalo semiaberto, segue-se do que afirmei que o começo da existência do universo foi causado internamente. Esta ideia precisa de ser desenvolvida. Alguns teístas poderiam perguntar: O que causa a totalidade da sequência de estados instantâneos? Com respeito ao começo da existência do universo, poder-se-á perguntar, o que causa a primeira hora semiaberta ou o primeiro intervalo semiaberto de um milionésimo de segundo da existência do universo? Cada membro instantâneo do estado que ocupa um intervalo está causalmente relacionado com os membros instantâneos anteriores e posteriores desse estado, mas nenhum está causalmente relacionado com todo o estado que ocupa o intervalo. Nem os membros instantâneos causam todos, conjuntamente, o estado que dura um intervalo. Precisa o estado que dura um intervalo, o conjunto dos estados instantâneos, de uma causa externa, tal como uma causa divina? Swinburne afirma que o intervalo ou conjunto de estados precisa de uma causa externa: “Se as únicas causas dos seus estados anteriores são estados anteriores, o conjunto de estados anteriores como um todo não terá qualquer causa e por isso não terá qualquer explicação” (1978: 124, itálico meu). Swinburne argumenta que haverá uma explicação se Deus causar o conjunto de estados anteriores. Mas este argumento não é sólido porque um conjunto, por definição, é um objeto abstrato e um objeto abstrato (por definição) não pode ter relações causais com outros objetos, incluindo um objeto concreto como Deus. Assim, o argumento de que há algo acima e para lá dos estados, nomeadamente, o conjunto de estados, não pode conduzir a uma causa externa porque o “algo” postulado não é o tipo de coisa que se possa causar. Um problema sobre conjuntos está também presente na discussão de William Rowe sobre se se pode ou não explicar causalmente o universo. O argumento de Rowe (1975, 1989) tem vantagens, num aspecto, sobre o de Swinburne, dado Rowe admitir desde logo que o conjunto de todos os estados não é um candidato a uma explicação causal. Rowe sublinha que a pergunta “Por que existe a série infinita?” não deve ser interpretada como se estivesse a pedir uma razão causal para a existência do conjunto (dado que um objeto abstrato não pode ter uma causa da sua existência); ao invés, deve-se interpretá-la como um pedido de uma razão causal para o fato de o conjunto ter os membros que tem e não outros ou nenhuns. Suponha-se que “A é o conjunto de seres dependentes. Ao perguntar por que existe A não estamos a pedir uma explicação da existência de uma entidade abstrata; estamos a perguntar por que tem A os membros que tem ao invés de outros ou nenhuns” (1989: 150). Segundo Rowe, pode-se responder coerentemente a esta pergunta dizendo que A tem os membros que efetivamente tem porque um ser qualquer que não um dos seus membros é causalmente responsável por A ter estes membros. Contudo, parece-me que a discussão de Rowe exibe uma falácia de teoria de conjuntos, apesar de ser diferente da de Swinburne. Um conjunto contém necessariamente os seus membros. Isto é um axioma da teoria de conjuntos e um dos axiomas da lógica de predicados de segunda ordem com identidade. Assim, a pergunta “por que contém o conjunto A os membros que efetivamente contém?” — se faz realmente sentido — tem como resposta “todo o conjunto contém necessariamente todos os membros que efetivamente contém e apenas esses, e A é um conjunto.” A pergunta de Rowe não pode consequentemente admitir a resposta “o conjunto A de seres dependentes contém todos os seres que efetivamente contém e apenas esses porque Deus fez causalmente A conter estes seres em vez de outros.” Deus não pode fazer escolhas com respeito a estados de coisas logicamente impossíveis, tal como escolher se o conjunto {João, Joana} deve conter João e Joana ou outros membros em seu lugar. Por que existe o primeiro estado semiaberto de um segundo do universo? Existe porque 1) a existência de cada estado instantâneo que seja um membro desse estado de um segundo é causada por estados instantâneos anteriores, e 2) o estado é o conjunto destes estados instantâneos, que o implicam logicamente (em que “logicamente” quer dizer lógica de predicados de ordem superior com identidade). Se quisermos que a “implicação lógica” seja uma relação entre proposições ou frases interpretadas, então podemos dizer que a proposição expressa por “estes estados instantâneos existem” implica logicamente a proposição expressa por “o conjunto destes estados instantâneos existe.”

Este intervalo semiaberto não tem como causa qualquer um dos seus estados instantâneos, nem todos conjuntamente, e não tem uma causa externa. Se algo causar a existência do João e da Joana separadamente, então o conjunto {João, Joana} não precisa de mais uma causa para existir. Isto é assim porque a existência do João e da Joana implica logicamente a existência do conjunto {João, Joana}. Em cada um dos mundos possíveis nos quais existem o João e a Joana, existe o conjunto {João, Joana}. Em cada mundo possível em que o conjunto {João, Joana} existe, o João e a Joana existem. Se chamarmos S a este conjunto, podemos dizer que “S existe” e “o João e a Joana existem” expressam proposições logicamente equivalentes. O mesmo vale para o primeiro intervalo semiaberto de um minuto ou de um segundo da existência do universo. Este intervalo é um conjunto S1 de um contínuo de estados C, em que “C” denota os estados contínuos que são membros do conjunto. Por um raciocínio paralelo, podemos concluir que “C existe” e “S1 existe” exprimem proposições logicamente equivalentes. Não se pode perguntar intrivialmente “C existe, mas por que existe S1?,” pois a pergunta implica logicamente a sua própria resposta, nomeadamente, que C existe. Assim, perguntas como a do Swinburne, Rowe e muitas outras, “C existe, mas por que existe S1?” ou “S1 existe, mas por que existe C?,” implicam e contêm as suas próprias respostas.212 O que refere “o começo da existência do universo”? Parece não poder referir qualquer estado semiaberto com a duração de um intervalo, pois para cada um deles há um estado mais curto que parecerá constituir um candidato melhor com o qual se deve identificar o começo do universo. Dado não haver um primeiro instante e dado haver um número infinito de primeiros intervalos com uma dada dimensão, cada um dos quais mais curto que o outro, “o começo do universo” não refere um instante ou um intervalo. Tem de referir muitos instantes ou intervalos. Nem pode o começo ser um intervalo fechado de qualquer dimensão. Se perguntarmos pela hora fechada anterior a todas as outras, a resposta é que não há tal coisa. Cada instante de tempo exceto o último (se o universo for fechado na direção do futuro) é o limite anterior dos intervalos fechados de muitas dimensões anteriores a todos os outros; o mesmo instante é o limite anterior de uma hora fechada, de um segundo fechado, e assim por diante. Mas não há uma primeira hora fechada porque isso exigiria um instante anterior a qualquer outro que seria o limite da hora fechada, o que seria o primeiro instante no qual existe o universo. Cada instante posterior ao hipotético t = 0 é um limite anterior de uma hora fechada numa dada sequência de horas fechadas. Há um número infinito de sequências dessas, dado haver um número infinito de instantes posteriores ao hipotético t = 0. Assim, toda a primeira hora fechada h2 numa dada sequência T2 de horas não sobrepostas começa depois de uma hora fechada h1 anterior que é a primeira hora de outra sequência T1 de horas não sobrepostas, tal que a hora fechada anterior h1 se sobrepõe parcialmente a h2. Estamos a lidar com uma teoria empírica, a cosmologia do Big Bang, e isto fornece um modo de definir o começo do universo. Há diferentes tipos de estados do universo; por exemplo, um tipo de estado é a era electrofraca, a era em que a força electromagnética não se diferenciava da força fraca. Antes disso pode haver um estado forte electrofraco, que seria um estado em que a força electromagnética, a força fraca e a força forte estavam unificadas, deixando apenas a força gravítica de fora. Houve quem especulasse que num momento ainda mais primevo a força gravitacional e as outras três estavam unificadas, e que este tipo de estado teve uma dimensão temporal de 10-43 segundos. Chama-se-lhe habitualmente “a era Planck.” Este seria o primeiro tipo de estado do universo. Os físicos especulam que não há um subintervalo deste intervalo no qual o universo esteja num tipo de estado diferente de qualquer subintervalo posterior a este intervalo. Isto justifica empiricamente o uso de “o começo do universo” para referir o estado de Planck anterior a qualquer outro. Pode-se considerar que o argumento apresentado é uma versão ateia do argumento cosmológico kalam a favor de uma explicação do começo da existência do universo. A minha explicação só menciona seres que existem contingentemente; o universo poderia não ter existido e os estados do universo poderiam não ter existido. Dado que a existência de cada estado é causada por estados anteriores, e dado que a existência todos estes estados implica a existência do universo, há uma explicação para tudo o que existe contingentemente. Isto falsifica uma crença que praticamente toda a gente tem. Por exemplo, Jordan Howard Sobel escreve que “se tudo é contingente, então não é possível que, para todo o fato ou entidade, x, há uma razão de um ou de outro género para x” (Sobel 2004: 222). Também invalida a crença de Sobel e de outros de que uma explicação completa da existência do universo exige que as premissas sejam todas verdades necessárias e que a conclusão seja também, assim, uma verdade necessária. O meu argumento cosmológico ateu é uma explicação completa da existência do universo, e as suas premissas são verdades contingentes: Há um intervalo I anterior a qualquer outro de cada duração que é semiaberto na direção da anterioridade. A existência de cada estado instantâneo E que pertence ao intervalo I tem uma explicação causal suficiente: os estados anteriores. Cada intervalo semiaberto I de estados é explicado por ser logicamente equivalente aos estados (ou, caso se prefira, “I existe” é logicamente equivalente a “C existe,” em que C é os muitos estados contínuos que são membros do conjunto I). Note-se, além disso, que a conclusão logicamente derivada destas premissas é a verdade contingente “o universo começa a existir.” É isto uma explicação completa? Deixa por explicar alguns fatores explicativos? Resta um problema, aparentemente, quanto à razão pela qual as nossas leis básicas da natureza se verificam e não outras. Mas há uma explicação da razão pela qual estas leis básicas se verificam e não outras.

5. Leis Básicas da natureza

Por que se verificam as leis básicas da natureza, L? Exemplos de leis básicas são a lei da conservação da massa-energia e a lei da entropia ou desordem crescente. Dado estarmos a trabalhar com a cosmologia do Big Bang, e dado que esta é uma solução para a equação de Einstein na teoria geral da relatividade, podemos incluir nas nossas leis básicas a sua equação (que afirma, grosso modo, que a curvatura do espaço-tempo depende da massa-energia existente no espaço-tempo e vice-versa). O universo Friedman da cosmologia do Big Bang não é especificada por uma lei básica da natureza, dado que esta lei (i.e., equação) se deriva da equação de Einstein em conjunção com as condições iniciais. Por que se verificam as leis básicas da conservação, entropia e relatividade geral? Resumidamente, as leis básicas são exemplificadas pela razão de que estas leis se exemplificaram a si mesmas. Mas o que poderá isto querer dizer? As leis básicas da natureza, como L, são definidas em termos dos estados do universo. Cada um destes estados é um particular que tem entre as suas propriedades uma certa propriedade disposicional L; L é uma disposição que cada estado tem para causar a existência de um estado posterior com um certo tipo de propriedades e relações. A disposição L de um estado E2 é explicitamente realizada pelo estado E2 se um estado anterior E1 faz causalmente E2 realizar esta disposição, tendo E1 os tipos de propriedades e relações (e.g., um certo grau de entropia) necessários para fazer E2 realizar esta disposição explicitamente. Dado que uma lei básica L, é uma propriedade de cada estado, a explicação da razão pela qual a lei básica L se verifica, em vez de outras leis possíveis, é que para cada estado que exemplifica L há um estado anterior que exemplifica L (e outras propriedades relevantes) e que faz causalmente o primeiro exemplificar também L. O verificar-se da lei básica da natureza L nada é além da exemplificação da propriedade disposicional L por parte de cada estado. Dado que a exemplificação de L por cada estado é causada por um estado anterior, explica-se por que L se verifica. Que outra explicação poderia haver? Deus não pode fazer causalmente os estados exemplificar as leis, dado que os estados anteriores já desempenharam tal tarefa, digamos. A disposição do estado E1 para conservar a matéria e a energia é explicitamente realizada. Esta realização consiste no fato de que o ponto último instantâneo de uma série de estados C coincide no instante t com o ponto inicial de uma série posterior E. O último estado instantâneo de C afeta causalmente o ponto inicial de E. O último estado de C atua causalmente no primeiro estado de E trazendo-o à existência com a mesma quantidade de massa e energia que tinham o último estado C e todos os estados anteriores de C.

6. argumento de Gale de que os todos não podem ser explicados em termos de causas das suas partes

O leitor pode sentir que há um aspecto que ainda não foi abordado. Que aspecto é esse? É o problema de se poder ter dado o caso de haver um todo diferente, composto de partes diferentes, e nada explica por que existe o todo de partes que efetivamente existe em vez de outro. Na verdade, por que há um todo de partes em vez de nada? Estas perguntas já receberam resposta. A razão por que este todo de partes existe, em vez de outro todo possível, é que a existência deste todo é logicamente exigido pela existência das suas partes, e as suas partes existem. As partes do todo meramente possível não existem, e logo não se exige logicamente a existência efectiva deste todo meramente possível.

Mas porquê estas partes? Estas partes existem porque outras partes anteriores causaram a existência de todas elas. Outras partes possíveis não existem porque nada causou a sua existência. Mas por que há algo em vez de nada? O todo das partes é algo. A razão pela qual existe é que a existência de cada uma as suas partes foi causada por partes anteriores e a existência das partes exige logicamente a existência do todo. A razão pela qual não há nada1 é que um universo causou o começo da sua própria existência e as leis básicas que regem este universo exemplificaram-se a si mesmas. Mas por que há um universo que causa o começo da sua própria existência? A razão é que a existência das suas partes exige logicamente a existência deste universo e as suas partes existem porque uma parte anterior causou a existência de cada uma delas. Mas não houve filósofos, como Richard (Gale 1991), que mostraram que não se pode explicar um todo pelo fato de se ter explicado cada uma das suas partes? Não é isto um “truísmo” ou pelo menos uma banalidade hoje aceite tanto por ateus quanto por teístas? Concordo que é uma banalidade, mas nem todas as banalidades são verdadeiras. Gale (1991: 252–284) argumentou contra a tese de Hume-Edwards de que uma explicação causal de cada parte de um todo é suficiente para explicar a existência do todo. Mas o argumento de Gale, apesar de sólido, é logicamente irrelevante para o argumento cosmológico kalam a favor do ateísmo que apresentei. Gale afirma que a existência de cada peça de um carro tem uma explicação causal (e.g., o carburador foi feito pela Delco-Remy em Chicago, o motor de arranque pela United Motors de Kansas City, e assim por diante para cada peça do carro). Mas isto não explica a existência do carro. A explicação da sua existência é que as suas diferentes peças foram montadas por certos trabalhadores numa fábrica de montagem de Detroit. A noção de montar particulares num todo é crucial para a crítica de Gale à tese de Hume-Edwards. Gale não categoriza os todos nem define os agregados (nem sequer usa esta palavra como nome de um tipo de todo), mas os exemplos que oferece sugerem que está a falar de agregados. Se um todo não for um conjunto, pode ser um agregado, e isto é uma espécie de todo que pode ter uma explicação causal externa em termos de alguém que o agrega, além das explicações causais de cada uma das suas partes.

Além disso, as causas destas partes seriam também externas relativamente a este todo; por exemplo, um pneu é uma parte de um carro, mas as pessoas e ferramentas (ou as suas atividades causais) que fizeram a borracha, aço, etc., que pertencem ao pneu não são partes do carro. A dificuldade surge ao tentar mostrar que o universo é relevantemente análogo a um carro ou qualquer outro género de todo agregado (e.g., um computador ou uma ponte). Há uma diferença nos sentidos de “parte” que se aplicam a carros e ao universo ou a uma sucessão de causas e efeitos.

Cada estado do universo é causado por partes anteriores e causa partes posteriores. Mas a porta do carro não é uma causa nem um efeito do volante ou de outra parte do género, e não há uma série de causas e efeitos que consistam numa porta, roda, tejadilho, transmissão, e assim por diante, por meio dos quais se possa conceber o carro como uma série finita de particulares causalmente inter-relacionados, de tal modo que a existência de cada particular seja causada por outra parte particular. Gale não argumentou que a sucessão causal, que é o tópico do argumento kalam ou de outros argumentos cosmológicos, seja um agregado. O aspecto que muitas vezes não se vê é que o argumento de Gale refuta apenas a afirmação geral de Hume de que a existência de qualquer tipo de todo fica explicada se houver uma explicação causal para cada uma das suas partes. O fato do processo causal semiaberto que consiste no universo causar o começo da sua própria existência não poder ser um agregado é consistente com a solidez do argumento de Gale, mas torna-o também logicamente irrelevante para o meu argumento kalam a favor de uma explicação ateia do começo da existência do universo.

7. Causalidade e estados instantâneos

Poderia se objetar que a existência do começo do universo, um estado semiaberto com extensão temporal de dimensão muitíssimo breve, não se pode explicar com a minha explicação ateia kalam. Poderá se sentir que a minha explicação é circular, ou que é uma petição de princípio, ou que as explananda (as partes explicadas, o seu todo e as leis que se auto-exemplificam) se definem já em termos do explanans (o que explica as partes, o todo e as leis básicas). Mas nada há de circular ou de petição de princípio nas explicações; o que se está a explicar é a existência das partes, a existência do todo e a exemplificação das leis básicas L. O que explica estes fatos é que a existência de cada parte é causada por uma parte anterior do todo, e a existência das partes exige logicamente a existência do todo, e cada exemplificação de L é causada por uma parte anterior que também exemplifica L, e assim por diante ad infinitum, de modo que nunca existe o fato bruto de “L ser exemplificada, sem qualquer explicação causal da razão pela qual é exemplificada.” O céptico parece ficar sem argumentos. Parece reduzido a apelos imaginativos a alegados contra-exemplos à minha afirmação de que o começo da existência do universo é autocausado em virtude do fato de os mais antigos intervalos de qualquer duração serem semiabertos na direção do passado. Teístas como Burke, Vallicella, Deltete, Pruss e muitos outros ficaram reduzidos à invenção de contra-exemplos bizarros. Apelam a um qualquer estado semiaberto e fazem notar que é intuitivamente implausível que a existência deste estado se explique pelo fato de cada uma das suas partes ser causada por uma parte anterior. Não mudam de assunto, como Gale (mudou o assunto para carros e outros agregados), mas imaginam alegados contra-exemplos a um conjunto de estados instantâneos cuja explicação seja interna ao conjunto. Por exemplo, Burke (1984) e outros querem refutar aquilo a que chamei a explicação ateia completa do começo da existência do universo. Burke pensa que esta explicação está comprometida com um princípio que formula assim:

P) Para qualquer conjunto S de instantes do tempo e para qualquer objeto físico x: Se para todo o instante que pertence a S há uma explicação da razão pela qual x existe nesse instante, estas explicações, tomadas coletivamente, explicam por que x existe em todos os instantes que pertencem a S.

Burke convida-nos a supor que um pato adulto começou a existir na nossa mesa. O pato existe ao longo de um intervalo finito de tempo I que é semiaberto na direção do passado; não há um primeiro instante no qual o pato exista. Para cada instante t no qual o pato existe, há uma explicação causal da razão pela qual o pato existe em t; a explicação é que o pato já existia num instante t' anterior a t, e é uma lei da natureza que um pato saudável persista ao longo do breve período que decorre de t' a t. Burke afirma que isto não explica por que existe o pato em todos os instantes de tempo no intervalo I em vez de em nenhum instante do intervalo I. Sustenta que neste caso diríamos que o pato começou a existir espontaneamente, sem qualquer causa ou explicação da sua existência, e que temos aqui uma violação clara do princípio da causalidade. Os problemas com este tipo de alegados contra-exemplos são fáceis de ver: o contraexemplo inclui a sua própria refutação na última oração: “temos aqui uma violação clara do princípio da causalidade.” Claro que temos, e é por isso que não pode ser um contra-exemplo ao princípio da causalidade da cosmologia do Big Bang ou à sua aplicação ao começo da existência do universo. A lei causal que é parte da cosmologia do Big Bang é que, para cada efeito E com extensão temporal, como um pato em repouso numa mesa por cinco minutos, por exemplo, há uma causa anterior C com extensão temporal tal que o ponto terminal da série causal C coincide no mesmo instante t com o ponto inicial de E. Neste instante t, o ponto terminal do processo causal C tem uma relação causal R1 com o ponto inicial do processo afectado E, tal que o ponto terminal C causa a existência em t do ponto inicial E. A relação causal R1 é o ponto terminal C exercendo o seu poder causal sobre o ponto inicial da série afectada E. Este é um caso de causalidade simultânea. A lei causal da cosmologia do Big Bang é que, à parte os casos em que há uma singularidade, cada efeito E com extensão temporal tem um primeiro estado instantâneo que tanto fecha E na direção da anterioridade como coincide (é simultâneo) com o último estado instantâneo da causa anterior C com extensão temporal, um estado que fecha C na direção do futuro. O poder causal transfere-se dos instantes anteriores para os posteriores em C até chegar ao último instante de C, momento em que o ponto terminal de C exerce o seu poder sobre o ponto inicial de E, fazendo instantaneamente este ponto existir. O ponto terminal de C atua causalmente sobre o ponto inicial de E, “despendendo” sobre ele o seu poder causal. Este ponto inicial é afetado pelo ponto terminal de C, e a natureza deste ponto terminal é determinada por este impacto causal. O ponto inicial causa então a existência de outros pontos de E; cada um destes pontos é também causalmente influenciado por pontos anteriores de E, pontos que são posteriores ao ponto inicial mas anteriores ao ponto causalmente influenciado. É nomicamente impossível que o estado de o pato estar em repouso em cima da mesa exista num intervalo semiaberto com extensão temporal, sem ponto inicial no qual a causa deste estado de repouso possa atuar.

É nomicamente necessário que exista um processo causal anterior, tal como alguém pôr o pato em cima da mesa, cujo último instante coincida com o ponto inicial do estado de repouso do pato, tal que o último ponto deste processo causal atue causalmente sobre o ponto inicial do estado de repouso do pato, fazendo-o existir. Um intervalo é semiaberto na direção do passado apenas se o seu ponto inicial for uma singularidade, isto é, se o seu alegado ponto inicial for fisicamente impossível e não existir. Este intervalo, no Big Bang, é um caso em que a lei causal não se aplica, em virtude de haver uma singularidade. No caso do segundo intervalo e dos seguintes, de qualquer dimensão, trata-se de intervalos fechados, aplicando-se a lei causal. O primeiro intervalo de qualquer dimensão é semiaberto na direção do passado porque é fisicamente impossível que seja fechado nessa direção. Assim, não há um primeiro instante do começo da existência do universo que seja incausado e que exija uma causa externa, como Deus, que o faça existir. Para qualquer conjunto S de instantes de tempo que não contenham singularidades, a explicação da razão de x existir no primeiro instante do conjunto S é que o ponto terminal de um processo causal anterior S1 coincidiu com x em t, atua causalmente sobre x em t, e causa a existência de x em t. Para cada instante de tempo posterior do conjunto S, x existe nesse instante de tempo porque instantes anteriores em S causaram a existência de x nesse instante de tempo, de modo que a natureza desta causalidade é determinada em parte pelo modo como o ponto terminal do processo causal anterior S1 afectou o ponto inicial do conjunto S. Mas se o ponto inicial do conjunto S for uma singularidade, este ponto inicial não existe, e o conjunto S é semiaberto na direção do passado. Neste caso, cada estado instantâneo de S é causado por estados instantâneos anteriores de S, mas não há qualquer estado instantâneo em S que coincida instantaneamente com o ponto terminal de um processo causal anterior que seja externo a S. S é internamente causado. O começo da existência do universo, dado que é semiaberto, é internamente causado. Mal distinguimos as singularidades dos pontos normais, a invenção de exemplos hipotéticos bizarros, como patos que surgem subitamente em cima de mesas ou o movimento de uma bola que ocorre sem que se exerça sobre ela qualquer força, viola as leis causais da cosmologia do Big Bang. A minha explicação ateia do começo da existência do universo é completa. É uma explicação completa no sentido em que o que é explicado, o explanandum, não pode (é logicamente impossível) receber qualquer outra explicação adicional ou complementar que seja genuína e irredundante. Por exemplo, Deus não pode causar o todo, as partes ou a exemplificação de leis, dado que tudo isto tem uma explicação interna; a tentativa de Deus causar a existência de algo seria ineficaz dado que a existência do item em questão já é suficientemente causada por partes anteriores do todo. Há uma explicação parcial do explanandum quando é logicamente possível fornecer uma explicação adicional genuína, de modo a constituir uma explicação completa do explanandum. O meu argumento ateu é uma explicação contingentemente verdadeira da razão pela qual outras afirmações contingentemente verdadeiras são, de fato, verdadeiras. De fato, a minha “segunda parte ateia do argumento kalam” implica que não há qualquer verdade contingente cuja verdade tenha ficado por explicar. Isto mostra que tanto ateus como teístas estão enganados quando pensam que é logicamente impossível que todas as afirmações contingentemente verdadeiras tenham uma explicação. De fato, como vimos, isto não só é logicamente possível como é empiricamente efectivo (na medida em que a cosmologia do Big Bang se confirmar empiricamente).

REFERÊNCIAS

Burke, Michael. 1984. “Hume and Edwards on Explaining All Contingent Beings.” Australasian Journal of Philosophy 62: 355–62.
Craig, William Lane. 1979. The Kalam Cosmological Argument. Nova York: Harper and Row.
Craig, William Lane, ed. 2002. “Natural Theology: Introduction.” Em Philosophy of Religion. New Brunswick, N.J.: Rutgers University Press.
Craig, William Lane, e Quentin Smith. 1993. Theism, Atheism and Big Bang Cosmology. Oxford: Oxford University Press.
Gale, Richard. 1991. The Existence and Nature of God. Cambridge: Cambridge University Press.
Rowe, William. 1975. The Cosmological Argument. Princeton: Princeton University Press.
Rowe, William. 1989. “Two Criticisms of the Cosmological Arguments.” Em W. Rowe e W. Wainwright (orgs.), Philosophy of Religion. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich.
Rowe, William. 1997. “Circular Explanations, Cosmological Arguments, and Sufficient Reasons.” Midwest Studies in Philosophy 21: 188–1201.
Rowe, William. 1998. The Cosmological Argument, 2.ª ed. Bronx, N.Y.: Fordham University Press.
Smith, Quentin. 1988. “The Uncaused Beginning of the Universe.” Philosophy of Science 55: 39–57.
Smith, Quentin. 1994. “Did the Big Bang Have a Cause?British Journal of the Philosophy of Science 45: 649–68. Smith, Quentin. 2002. “Time Was Caused by a Timeless Point: An Atheist Explanation of Spacetime.” Em Gregory E. Ganssle e David Woodruff (orgs.), God and Time. Nova York: Oxford University Press. (Onde apresento uma explicação ateia dado o pressuposto de que a singularidade é um ponto existente.)
Smith, Quentin. 2003. “Why Cognitive Scientists Cannot Ignore Quantum Mechanics.” Em Consciousness: New Perspectives. Oxford: Oxford University Press. Smith, Quentin, e William Lane Craig. 1993. Theism, Atheism and Big Bang Cosmology. Oxford: Oxford University Press. (Veja os capítulos de Smith, em particular.)
Sobel, Howard. 2004. Logic and Theism. Cambridge: Cambridge University Press. Swinburne, Richard. 1978. The Existence of God. Oxford: Oxford University Press.

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